Acontecerá tudo num café...


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Acontecerá tudo num café...
Tutto succederà in un caffè...


Acontecerá tudo num café
Dos mais movimentados da cidade.
Estarás sempre a olhar para o relógio,
Só a custo ouvirei a tua voz.
Sobre a mesa, haverá uns grãos de açúcar
E o ar sufocará, espesso de fumo.

Tudo se passará, claro, como fumo –
O olvido entra já pelo café.
Solúvel como fábula de açúcar,
Até dos mapas sumirá a cidade.
Já não me guiará a tua voz,
Durante tanto tempo o meu relógio.

Tudo se grava a fundo num relógio,
Sem lágrimas ou fogo, sequer fumo.
Tudo se passa, então, quase sem voz.
Nos teus olhos escuros de café,
Vai-se desvanecendo uma cidade
Que apenas deixa um rasto de açúcar.

Tudo se passa, claro, sem açúcar,
Perder é o sentido do relógio
E qualquer tempo é fuga: uma cidade
Voa para o passado como fumo,
Arrastada num gole de café,
Cerrando-se debaixo de uma voz.

Tudo morreu assim, sem chave e sem voz.
O tempo antes medido em grãos de açúcar
Cessou na vozearia de um café,
Mas como é que se inventa outro relógio?
Para ti, o meu rosto é apenas fumo?
Para mim, o teu é uma cidade.

Tudo se passou, claro, na cidade
Onde ouço ainda os passos dessa voz.
A recordação acre sabe a fumo
E contra ela nada pode o açúcar:
Deambula, espectral, no meu relógio,
Arde no burburinho de um café.

A cidade perdeu todo o açúcar,
Mas não se esquecerá a voz, relógio
Onde o que foi é fumo num café.
...

Tutto succederà in un caffè
Tra i più frequentati della città.
Tu continuerai a guardare l’orologio,
Solo a stento io sentirò la tua voce.
Ci saranno sul tavolino dei granelli di zucchero
E l’aria sarà soffocante, densa di fumo.

Tutto svanirà, è chiaro, come fumo –
L’oblio già sta entrando nel caffè.
Solubile come una favola di zucchero,
Persino dalle carte sparirà la città.
Più non mi guiderà la tua voce,
Che fu per tanto tempo il mio orologio.

Tutto s’incide a fondo in un orologio,
Senza lacrime o fuoco, neanche fumo.
Tutto svanisce, allora, quasi senza voce.
Nei tuoi occhi scuri come caffè,
Si va dissolvendo una città
Che lascia appena una traccia di zucchero.

Tutto svanisce, è chiaro, senza zucchero,
Perdere è il senso dell’orologio
E qualunque tempo è fuga: una città
Vola verso il passato come fumo,
Trascinata con un sorso di caffè,
Spegnendosi al di sotto d’una voce.

Tutto morì così, senza chiave e senza voce.
Il tempo dianzi contato in granelli di zucchero
S’arrestò nel vociare d’un caffè,
Ma com’è che s’inventa un altro orologio?
Per te, il mio volto è solo fumo?
Per me, il tuo è una città.

Tutto svanì, è chiaro, nella città
Ove ancora odo i passi di quella voce.
L’acre ricordo sa di fumo
E contro di lui nulla può lo zucchero:
Deambula, spettrale, sul mio orologio,
Arde nel gorgoglio d’un caffè.

La città ha perso tutto lo zucchero,
Ma non si scorderà della voce, orologio
Dove quel che fu è fumo in un caffè.
...

Edgar Degas
L'assenzio (1875-1876)
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A romena Liana era como um fósforo...


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A romena Liana era como um fósforo...
La romena Liana era come un fiammifero...


A romena Liana era como um fósforo –
Breve e triste na muita escuridão.
A primeira vez que a vi
Foi de fugida no corredor,
Arriscando-se ao trânsito
Entre o quarto e a casa de banho,
Alma penada em trajes menores.
Encontrámo-nos outras vezes –
À mesa; cruzámo-nos num museu –,
Mas não sei se a vi realmente,
Se conversámos, ou se Liana
Já tinha escolhido apagar-se,
Como só os fósforos podem.
...

La romena Liana era come un fiammifero –
Breve e triste nella fitta oscurità.
La prima volta che la vidi
Fu di sfuggita in corridoio,
Mentre s’avventurava nel tratto
Tra la stanza e la toilette,
Anima in pena in biancheria intima.
Ci incontrammo altre volte –
A tavola; c’incrociammo in un museo –,
Ma non so se la vidi realmente,
Se conversammo, o se Liana
Avesse già scelto di dissolversi,
Proprio come fanno i fiammiferi.
...

Fernand Khnopff
I lock my door upon myself (Chiudo la porta su me stessa)
(1891)

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A romã é um fruto ofegante...


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A romã é um fruto ofegante...
La melagrana è un frutto soffocante...


A romã é um fruto ofegante –
A custo contém uma doçura
Redonda, intensa, repartida igualmente
Por câmaras, aposentos que, como favos,
Acolhem a língua, a envolvem;
E, embora sendo ofegante,
A doçura impassível da romã
Exige ser procurada e encontrada,
Exige paciência, minúcia, método, jogo,
Um tacto cauto que se demore,
Embora só a língua seja guia
E leve roubada a recompensa que lhe é dada,
Sem arrogância – um modesto bago –,
Para logo renovar a sua maré
Ao longo de outras nervuras,
Cruzando todas as direcções possíveis.
Tudo depende da escala do desejo,
Do desejo que se conseguir condensar
Numa ínfima carícia, e delicada.
...

La melagrana è un frutto soffocante –
A stento trattiene una dolcezza
Rotonda, intensa, regolarmente divisa
In cubicoli, alveoli che, come favi,
Accolgono la lingua, l’avvolgono;
E, pur essendo soffocante,
L’impassibile dolcezza del frutto
Esige d’essere cercata e trovata,
Esige pazienza, minuzia, metodo, gioco,
Un tatto che con cautela indugi,
Benché sia solo la lingua a far da guida
E riporti, rubata, la ricompensa che le è data,
Senza alterigia – è un modesto granello –,
Per ricondurre tosto la sua marea
Lungo le altre nervature,
Incrociando tutte le direzioni possibili.
Tutto dipende dalla scala del desiderio,
Del desiderio che si riesca a condensare
In una carezza intima e delicata.
...

Sandro Botticelli
Madonna della melagrana (1487)
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A invenção das seis horas


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A invenção das seis horas
L’invenzione delle sei del mattino


A esta hora, levantas-te de repente
Como se houvesse um sobressalto dos continentes.
A esta hora esqueces-te inteiramente
De que tens cócegas e eu começo a achar
Que os agelastas têm razão.
A esta hora, já perdemos a esperança
De ouvir as pedras ganir
E é tarde de mais para sermos de uma cordura triste.
O ar é seco e arranha como pergaminho,
O pensamento crepita de binómios,
O chá ruge e fere.
Todas as impossibilidades acorrem a esta hora
E a menor não é o teu perfume através de seda.
A esta hora, não entendemos nenhuma linguagem,
Abdicamos de qualquer mesura,
A esta hora, sabemos quão perigosa
É essa chuva incandescente que acende as cidades,
Perigosa porque se aproxima,
Perigosa porque poderíamos reconhecer,
Misturado, o próprio destino dos sonhos.
A esta hora, nunca nos conhecemos
E os nossos caminhos distorcem-se a tal ponto
Que, por este andar, não nos encontraremos nunca
E as probabilidades de não nos termos encontrado
São um fio, encerram-me numa confusão,
Num erro de memória desmantelada.
As seis horas inventam a tua ausência,
A escolha de campos, quadrantes,
A confusão entre quem parte e quem fica,
Entre o que foi e o que será.
...

A quest’ora, ti alzi di botto
Come se ci fosse un sussulto di continenti.
A quest’ora ti scordi completamente
Che soffri il solletico e io comincio a pensare
Che gli agelasti avessero ragione.
A quest’ora, abbiamo già perso la speranza
Di sentire il guaito delle pietre
Ed è troppo tardi ormai per essere d’umor triste.
L’aria è secca e graffia come pergamena,
Il pensiero crepita di binomi,
Il tè ringhia e ferisce.
Tutte le impossibilità s’adunano a quest’ora
Non ultimo il tuo profumo attraverso la seta.
A quest’ora, non comprendiamo nessun idioma,
In un certo senso abdichiamo,
A quest’ora, sappiamo quant’è pericolosa
Questa pioggia incandescente che accende le città,
Pericolosa perché s’avvicina,
Pericolosa perché potremmo riconoscervi,
Mischiato, il destino stesso dei sogni.
A quest’ora, non ci conosciamo mai
E le nostre strade si disgiungono a tal punto
Che, di questo passo, non ci ritroveremo mai
E le probabilità di non esserci incontrati
Sono un filo, che m’attanaglia in un marasma,
In un abbaglio di memoria devastata.
Le sei del mattino inventano la tua assenza,
La scelta di campi, di quadranti,
La confusione tra chi parte e chi resta,
Tra ciò che fu e ciò che sarà.
...

Victor Vasarely
Vega 200 (1972)
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A carne do olímpico...


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«« 21 / Sommario (22) / 24 »»
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A carne do olímpico...
La carne dell’olimpico...


A carne do olímpico já só era
O guarda-pó do mito.
As huris da imaginação
Apenas lhe serviam ambrósia, néctar, rosas.
Uma das últimas vontades de Fraulein von Stein
Foi que o seu cortejo fúnebre não passasse
Pela casa do olímpico, para não o incomodar.
Foi decretado património universal,
Mas a realidade insistia em assediá-lo
Com pessoas de óculos, o latir dos cães,
O odor do tabaco, o rufo de tambores,
Sangue, frestas, mulheres hidrópicas, glândulas –
E loucos com labirintos que o horrorizavam
Como se fossem vísceras.
O olímpico amava a inteligência
De esquadria, a ciência de leis limpas –
A óptica, a mineralogia;
A inteligência alinhada,
Disciplinada em raciocínios
Que avançavam nos seus uniformes garridos,
Brandindo argumentos garbosos e reluzentes
Por entre o fumo negro,
Irresistíveis até serem ceifados.
Não por acaso negociou mercenários,
Foi munificente em vénias
Pelos salões, pelas ruas, pelos livros.
Não entendeu nunca a febre desses fedelhos
Novalis, Hölderlin, Kleist,
Sobretudo desse Kleist,
Que lhe pareceu um doente,
Cheio de lava e guelras.
O olímpico amava a luz,
A sua presunção e graça matemáticas.
Contemplava o próprio perfil na eternidade,
Já sem tempo para esta vida
(Parêntese para o desencanto com Marianne)
Cheia de freimas, mucos, contrariedades.
Sentia-se já irradiar a esplendecência dos eleitos.
Os «fedelhos» esperavam-no, talvez com um sorriso:
Souberam antes dele que a eternidade
Não é a luz dos eleitos,
Mas o recanto sombrio onde são encontrados.
...

La carne dell’olimpico ormai non era che
La sopravveste del mito.
Le uri dell’immaginazione
Non gli servivano che ambrosia, nettare, rose.
Una delle ultime volontà di Fräulein von Stein
Fu che il suo corteo funebre non passasse
Sotto la casa dell’olimpico, per non disturbarlo.
Fu dichiarato patrimonio universale,
Ma la realtà insisteva nell’assediarlo
Con gente dagli occhiali, col latrare dei cani,
Con l’odor del tabacco, il rullio dei tamburi,
E sangue, ferite, donne idropiche, ghiandole –
E folli con labirinti che lo inorridivano
Come se fossero viscere.
L’olimpico amava l’intelligenza
Dell’ortogonalità, la scienza delle leggi limpide –
L’ottica, la mineralogia;
L’intelligenza diretta,
Disciplinata secondo ragionamenti
Che procedevano nelle loro uniformi bardate,
Brandendo argomenti garbati e rilucenti
Fin dentro il fumo denso,
Inconfutabili finché venivano falciati.
Non per caso strinse accordi mercenari,
Fu prodigo in riverenze
Nei saloni, nelle vie, nei libri.
Non capì mai la febbre di quei mocciosi
Novalis, Hölderlin, Kleist,
Soprattutto di quel Kleist,
Che gli sembrava morboso,
Pieno di lava e di branchie.
L’olimpico amava la luce,
La sua alterigia e la sua purezza matematiche.
Vagheggiava il proprio profilo nell’eternità,
Ormai inadeguato per questa vita
(Parentesi per la delusione con Marianne)
Piena di ansie, di muco, di contrarietà.
Già sentiva d’irradiare lo sfolgorio degli eletti.
I «mocciosi» l’attendevano, forse con un sorriso:
Prima di lui avevano appreso che l’eternità
Non è la luce degli eletti,
Ma quel cantuccio in ombra dove stanno loro.
...

________________

Wilhelm Tischbein
Goethe nella Campagna romana (1787)

Gaudí


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«« 40 / Sommario (41) / 42 »»
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Gaudí
Gaudí


Da cidade encontrou o corpo –
As suas artérias têm tanto de ruas
Como de passo grácil, garoupa, lombada.
Não aprisionou leis, não as subjugou,
Mas criou na pedra, no ferro,
As forças para que elas se exercessem –
As leis da geologia, da biologia, da botânica,
O movimento das fibras, fustes, hastes,
No centro de uma pedra orgânica, elástica, proteica,
Uma pedra que é vide, medusa, cogumelo, chama,
Intumescências que parecem recusar qualquer traça
E cuja revolta é também ela disciplina,
Alheia a bocejos, adiposidades,
Uma vontade que é gerada no perfeito equilíbrio
Entre estática e dinâmica,
Acalanto e diatribe,
Flora e fera.
...

Della città rivelò il corpo –
Le sue arterie han l’aria sia di strade
Sia di agili movenze, di scorfano, di dorso.
Non assoggettò le leggi, non le soggiogò,
Ma creò nella pietra, nel ferro,
Le forze per far sì che s’evolvessero –
Le leggi della geologia, della biologia, della botanica,
Il movimento delle fibre, dei fusti, degli steli,
Al centro d’una pietra organica, elastica, proteica,
Una pietra che è vite, medusa, fungo, fiamma,
Rigonfiamenti che sembrano opporsi a qualunque retta
E la cui rivolta è anch’essa disciplina,
Estranea a sbadigli, pinguedini,
Una volontà generata nel perfetto equilibrio
Tra statica e dinamica,
Filastrocca e invettiva,
Flora e fiera.
...

________________

Antoni Gaudí
Casa Batlló (1905)

Biografia


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«« 124 / Sommario (125) / 126 »»
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Biografia
Biografia


Não foi bonita ou popular,
Não teve o seu reinado em capas de revista:
O nome não era memorável
E catalogaram o seu rosto
Como flor comum.
Ainda jovem, sentiu-se coberta de musgo
E deixou-se submergir.
Casou, numa aceitação lassa,
Teve filhos, netos e bisnetos.
De longe, quase sempre de uma cozinha,
Seguiu o mundo e seu jogo de claro-escuro.
Resignou-se a viver longamente
E teve a impressão de sobreviver a várias guerras.
«Ser extraordinária»
Foi a sua última vontade.
...

Non fu né bella né popolare,
Non fu la cover girl dei rotocalchi:
Il suo nome non fu indimenticabile
E il suo volto fu catalogato
Tra i fiori comuni.
Fin da giovane, si sentì coperta di muschio.
E se ne lasciò sommergere.
Si sposò, dando un incerto consenso,
Ebbe figli, nipoti e pronipoti.
Appartata, quasi sempre da una cucina,
Seguì il mondo e i suoi giochi di chiaroscuri.
Si rassegnò a vivere lungamente
Ed ebbe l'impressione di sopravvivere a molte guerre.
«Essere straordinaria»
Fu la sua ultima volontà.
...

________________

James Abbott McNeill Whistler
Arrangiamento in grigio e nero, ritratto n. 1
ovvero Ritratto della madre dell'artista (1871)
...

Il y a


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«« 109 / Sommario (110) / 111 »»
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Il y a
Il y a


Há o estranho nome do teu cão, Job,
Há o mar na tua janela em Vila do Conde
E que não é nenhum dos mares conhecidos
Quando entra de manhã nos teus dias.
Há o fogo fino, acobreado, do teu cabelo.
Há o sorriso que te perpassa nos lábios
Com a graça de um gato,
Com o traço de um gume aceradíssimo.
Há a menina que, às vezes,
Os teus olhos ainda são.
Há os teus dedos imaginando o que tocam.
Há as fotografias de toda a gente na tua vida.
Há as fotografias que não há de ti e de mim.
Há o incêndio, o tumulto, o cansaço
Que não sabes onde e como arrumar.
Há a sombra que eu sou
E o amor a cada dia mais novo em mim.
...

C’è lo strano nome del tuo cane, Job,
C’è il mare nella tua finestra a Vila do Conde
E che non è nessuno dei mari conosciuti
Quando entra di mattina nei tuoi giorni.
C’è il fuoco fine, ramato, dei tuoi capelli.
C’è il sorriso che ti passa sulle labbra
Con la grazia di un gatto,
Col solco di una lama affilatissima.
C’è la bambina che, a volte,
I tuoi occhi ancora sono.
Ci sono le tue dita che inventano quel che toccano.
Ci sono le fotografie di tutta la gente della tua vita.
Ci sono le fotografie che non ci sono di te e di me.
C’è l’incendio, il tumulto, la stanchezza
Che non sai dove e come sedare.
C’è l’ombra che sono io
E l’amore che ogni giorno si rinnova in me.
...

________________

Henri Matisse
Donna seduta di spalle alla finestra aperta (1922)
...

Retrato


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«« 78 / Sommario (79) / 81 »»
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Retrato
Ritratto


Nuno Morais é um projecto
No bico partido de um lápis
Quando já ninguém pega num lápis.
Nuno Morais é uma farpa feroz
Na pele de alguém que se chama Nuno Morais.
Nuno Morais é a náusea de alguém
que se chama, coitado, Nuno Morais,
E como a náusea está na moda, e é tão moderna.
Desde pequeno, Nuno Morais acalenta o sonho
De ser uma fruteira como havia numa sala
[da sua infância,
Pela apurada calma dos frutos no seu regaço,
Mas, estando o intento em vias de se gorar -
A sua alma de aviário parece-lhe
Uma mesa de vidro, baça de tantos riscos -,
Nuno Morais pretende ser um quadrado
Porque ouviu qualquer coisa de Aristóteles
sobre a bondade dos quadrados.
Nuno Morais é inverosimilmente indigesto,
Mas será comido hoje, como de resto foi ontem,
Pelo corpo de um tal Nuno Morais.
Os ossos de Nuno Morais não servirão sequer de aviso,
Nem de semente, nem de matéria
Para qualquer outra estrutura atómica.
Com sorte, a mentira de que é
A carcaça fétida e simpática
Teria o privilégio de ser as fezes dos abutres
Pouco exigentes, não se desse o facto
De até para eles ser indigesto
E, de qualquer modo, é tão difícil encontrá-los,
E mais difícil ainda é encontrar um bom abutre.
Nuno Morais tem a pretensão de ser
A primeira coisa na Natureza que se perde,
O que mostra bem a sua soberba.
Se também nisto falhar, Nuno Morais
Gostará mais de pensar que foi apenas um boato.
...

Nuno Morais è un progetto
Sulla punta spezzata di una matita
Quando ormai più nessuno usa la matita.
Nuno Morais è una scheggia crudele
Nella pelle di qualcuno che si chiama Nuno Morais.
Nuno Morais è la nausea di qualcuno
Che si chiama, poveretto, Nuno Morais,
E come la nausea è alla moda, ed è così moderna.
Fin da piccolo, Nuno Morais accarezza il sogno
D’essere un portafrutta come quello d'una sala
[della sua infanzia,
Per la garbata calma dei frutti nel suo grembo,
Ma, dal momento che quest’obiettivo sta per essere frustrato -
Il suo spirito d’apicultore gli sembra
Un tavolo di vetro, opaco per troppi graffi -,
Nuno Morais aspira ad essere un quadrato
Perché ha sentito dire di qualcosa detto da Aristotele
A proposito della bontà dei quadrati.
Nuno Morais è inverosimilmente indigesto,
Ma oggi sarà mangiato, come del resto lo fu ieri,
Dal corpo di un certo Nuno Morais.
Le ossa di Nuno Morais non serviranno neppure da segnale,
Né da semente, né da materia
Per qualunque altra struttura atomica.
Con un po’ di fortuna, la menzogna di cui lui è
La carcassa fetida e simpatica
Potrebbe avere il privilegio d’essere le feci di avvoltoi
Poco esigenti, se non fosse che
Persino per loro sarebbe indigesto
E, comunque, è molto difficile incontrarli,
E ancor più difficile è incontrare un avvoltoio buono.
Nuno Morais ha la pretesa d’essere
La prima cosa in Natura che si perde,
Il che evidenzia bene la sua superbia.
Se anche in questo si fosse sbagliato, Nuno Morais
Preferirà pensare d’esser stato soltanto una diceria.
...

________________

Michelangelo Merisi detto il Caravaggio
Canestra di frutta (1596)
...

Museu Soares dos Reis


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«« 102 / Sommario (103) / 104 »»
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Museu Soares dos Reis
Museo Soares dos Reis


Também eu vi no ângulo obscuro
De um salão a harpa coberta de pó,
Entre móveis e faianças,
Um pó de música inerte,
À espera de sedas roçagantes,
Da graça e do riso das debutantes,
Do deslizar espectral das contradanças,
Um debate sobre Céfalo e Prócris
Ou a audácia da mão mareando
Esfaimada sobre as nádegas
De uma ninfa na Ilha dos Amores –
Que os corpos de todas as debutantes
Neste mesmo salão prometeram ser.
...

Anch’io ho visto nell’angolo buio
D’un salone l’arpa coperta di polvere,
Tra mobili e maioliche,
Una polvere di musica inerte,
In attesa di sete fruscianti,
Della grazia e del riso delle debuttanti,
Del fluttuare spettrale delle contraddanze,
Un dibattito su Cefalo e Procri
O l’audacia della mano che struscia
Lasciva sopra le natiche
Di una ninfa nell’Isola degli Amori –
Che i corpi di tutte le debuttanti
In quello stesso salone promettevano d’essere.
...

________________

João Marques de Oliveira
Cefalo e Procri (1879)
...

Para além do Pont Adolphe...


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«« 72 / Sommario (78) / 79 »»
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Para além do Pont Adolphe...
Al di là del Pont Adolphe...


Para além do Pont Adolphe, a vida é outra,
A noite é de carne.
Para além do Pont Adolphe, fica o bairro das putas,
As ruas dos cabarés, a minha casa.
Para além do Pont Adolphe,
Há tantas putas como anjos, que saem das igrejas;
As putas esvoaçam em torno dos pináculos,
Os anjos arrastam-se e tropeçam nas asas.
Para além do Pont Adolphe, eu casei contigo,
E não terás de voltar para ninguém a certa hora.
Para além do Pont Adolphe, a tristeza
Já não será sargaço nos teus olhos,
A alma já não é uma casamata,
Nenhuma dor inventou as lágrimas
E a implosão delas, o engolir delas.
Para além do Pont Adolphe, já não precisas de esconder
Os livros que te dou, as páginas não precisam de arder,
O meu nome despiu-se de todas a peçonha.
Mas nunca atravessaremos o Pont Adolphe.
...

Al di là del Pont Adolphe, la vita è differente,
La notte è di carne.
Al di là del Pont Adolphe, c’è il rione delle puttane,
Le vie dei cabaret, la mia casa.
Al di là del Pont Adolphe,
Ci sono tante puttane come angeli, che escono dalle chiese;
Le puttane svolazzano intorno ai pinnacoli,
Gli angeli si trascinano e inciampano nelle ali.
Al di là del Pont Adolphe, con te mi son sposato,
Così non dovrai tornare da nessuno a una cert’ora.
Al di là del Pont Adolphe, la tristezza
Più non sarà sargasso nei tuoi occhi,
L’anima non è più un bunker,
Non c'è più dolore che ha inventato le lacrime
Per poi farle implodere, per farle ingoiare.
Al di là del Pont Adolphe, più non devi nascondere
I libri che ti dono, le pagine non dovranno bruciare,
Il mio nome s’è mondato da tutto il veleno.
Ma non attraverseremo mai il Pont Adolphe.
...

________________

Cartolina postale
Luxembourg, Le Pont Adolphe (1935)
...

Encontrei-te num labirinto...


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«« 105 / Sommario (106) / 107 »»
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Encontrei-te num labirinto...
Ti ho trovata in un labirinto...


Encontrei-te num labirinto de histórias,
Como uma imensa colmeia
Onde se prepara para morrer a rainha
E, em breve, todo o mel arderá
Na pira de um ínfimo império.
Encontrei-te de súbito ao meu lado
Na escuridão de cinemas,
Na escuridão de sonhos.
Encontrei-te só para te perder,
Para apenas ficar com este fio cortado nas mãos.
Não me concederás sequer um espectro
Para me guiar por entre as sombras
Geradas pelo escuro coração?
Já nem o fio de Ariadne é fidedigno,
Esta meada que é saber de ti, da tua existência,
Embora o fim do fio te esconda para sempre?
Mordíamo-nos como víboras
A quem só o veneno resta de amor.
Éramos esta nudez pousando, desconfiada, no corpo,
Aterrada como a folhagem quando o vento
Soprou pela primeira vez sobre a terra,
Aterrada como a luz do primeiro relâmpago
Que fendeu o coração do céu –
E assim nós, fulminados pelo encontro.
...

Ti ho trovata in un labirinto di storie,
Come un immenso alveare
Ove s’appresta a morire la regina
E, tra breve, tutto il miele arderà
Sulla pira d’un minuscolo impero.
Ti ho trovata d’un tratto al mio fianco
Nell’oscurità dei cinema,
Nell’oscurità dei sogni.
Ti ho trovata solamente per perderti,
Per restare solo con questo filo reciso tra le mani.
Non mi concederai neppure uno spettro
Che mi faccia da guida tra le ombre
Generate dal mio cuore oscuro?
Neppure il filo d’Arianna sarà più affidabile,
Questo groviglio che è il sapere di te, della tua esistenza,
Seppure la fine del filo ti nasconda per sempre?
Ci siamo morsi come vipere
A cui dell’amore non resta che il veleno.
Eravamo questa nudità adagiata, guardinga, sul corpo,
Sgomenta come il fogliame quando il vento
Spirò per la prima volta sulla terra,
Sgomenta come la luce del primo fulmine
Che trafisse il cuore del cielo –
E così noi, fulminati dall’incontro.
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Aldo Romano
Nautilus Labirinto (1988)

Tremiam, extremas...


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Tremiam, extremas...
Tremavano, convulse...


Tremiam, extremas, como folhas na tempestade,
Depostas a medo em papel de arroz,
Muito ao de leve, quase ilegíveis,
E teriam a seda e a graça
De passos orientais, essas palavras;
Eram casas escritas de bambu muito frágil,
Funâmbulas na escuridão,
Sobre papel de arroz,
E o papel mal podia suportar o peso da tinta
Que a custo sustentava, arquejante,
O peso de palavras;
E as palavras, uma exalação de amendoeiras,
Uma exalação quase esmagada
Pelo perfume (do) que dizia.
...

Tremavano, convulse, come foglie nella tormenta,
Posate con cautela su carta di riso,
Con molta levità, quasi illeggibili,
E avevano la seta e la grazia
Di passi orientali, quelle parole;
Erano case descritte d’un bambù molto fragile,
Equilibriste nell’oscurità,
Su carta di riso,
E la carta a fatica sopportava il peso dell’inchiostro
Che a stento sosteneva, ansimante,
Il peso delle parole;
E le parole, una fragranza di mandorle,
Una fragranza quasi annientata
Dal profumo (di quel) che descrivevano.
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Bambù - carta di riso
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Duas mulheres de Leonardo


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Duas mulheres de Leonardo
Due donne di Leonardo


I.

Não é uma alegoria:
Uma alegoria não olha assim, de viés,
Não recusa assim contemplar o mundo,
Não tem estes olhos castanhos
E quérulos e tristes,
Não se oculta assim, em vão,
Ao olhar roaz.


II.

Talvez esta, sim, pudesse ser
Uma alegoria, pelo ar seráfico
E sereno, pelo simples facto
De ter ao colo um arminho
Que parece assustado
E que esta mulher segura
Apenas pelo poder de uma carícia
Na ponta dos dedos.
Sim, poderia ser uma alegoria,
Mas é uma beldade mundana,
De nome Cecilia Gallerani.
...

I.

Non è un’allegoria:
Un’allegoria non guarda così, di sbieco,
Non rifiuta così di contemplare il mondo,
Non ha questi occhi castani
Accorati e tristi,
Non si sottrae così, invano,
Allo sguardo rapace.


II.

Forse questa, sì, potrebbe essere
Un’allegoria, con quest’aria serafica
E serena, per il semplice fatto
Di tenere in braccio un ermellino
Che sembra impaurito
E che questa donna acquieta
Solo col potere d’una carezza
In punta di dita.
Sì, potrebbe essere un’allegoria,
Ma è una bellezza terrena
Di nome Cecilia Gallerani.
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Leonardo da Vinci
La Dama con l’ermellino (1488-1490)
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Vou por vielas sombrias...


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Vou por vielas sombrias...
Vado per vicoli bui...


Vou por vielas sombrias,
Só pensamento e passos,
Com os olhos afundados em espiral.
Que operações do espírito
Se entregam a estes passos?
Vou pelas espirais sombrias
Daqueles que não têm amor,
Vielas sombrias como perguntas sem resposta,
Entranhando-se numa cidade animal,
De desejos mal iluminados.
Vou por vielas sombrias
Onde as paredes são pontuadas
Pelos vultos de putas,
Famintas de mais para viverem sem amor,
Cansadas, entregues, também elas,
À espiral das suas vidas.
Esta noite, como todas as outras,
As vielas sombrias, as putas,
Nada têm de sórdido.
São-me familiares como o pensamento
Que o amor não ilumina.
Este é, afinal, o críptico caminho de casa.
...

Vado per vicoli bui,
Solo pensieri e passi,
Con gli occhi inabissati in spirali.
Quali operazioni dello spirito
S’accordano a questi passi?
Vado per buie spirali,
Quelle ove non c’è amore,
Vicoli bui come domande senza risposta,
Che s’addentrano in una città animalesca,
Di brame mal illuminate.
Vado per vicoli bui
Ove i muri sono costellati
Dai volti delle puttane,
Troppo bisognose per vivere senza amore,
Stanche, perdute, anch’esse,
Nelle spirali delle loro vite.
Questa notte, come tutte le altre,
I vicoli bui, le puttane,
Non hanno niente di sordido.
Mi sono familiari come il pensiero
Che l’amore non illumina.
Questo è, in fondo, il criptico cammino di casa.
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Jacques de la Villeglé
Manifesto lacerato (2006)
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