A última estação


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A última estação
L’ultima stazione


Às vezes de repente uma pessoa
pode partir em direcção ao Sul
tomar um comboio em Yasnaya Polyana
para ir morrer a Astapovo
de pneumonia e febre e melancolia.
Talvez Tolstói não soubesse o que buscava
nem sequer por que partia. Ou talvez
soubesse o que ninguém sabia
e o que sabia já não coubesse
em nenhuma palavra.
Ou talvez melhor do que ninguém
soubesse que nem sequer na literatura
há salvação. E que já nada lhe restava
senão partir em direcção ao Sul
até à última estação.

A volte tutt’a un tratto una persona
può partire dirigendosi al Sud,
prendere un treno a Yasnaya Polyana
per andarsene a morire ad Astapovo
di polmonite di febbre di malinconia.
Può darsi che Tolstoj non sapesse quel che cercava
e ancor meno perché partiva. O può darsi
che sapesse quello che nessuno sapeva
e quel che sapeva non rientrava più
in nessuna parola.
O magari era meglio che nessuno
sapesse che neanche nella letteratura
c’è salvezza. E che ormai non gli rimaneva
che partire diretto al Sud
fino all’ultima stazione.

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Michail Nesterov
Ritratto del Conte Leone Tolstoj (1907)
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Fábula


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Fábula
Favola


Seria Janeiro e a chuva era tanta
E as gaivotas eram tantas,
Fugidas à procela que se apoderara
Do coração das vagas.
Brilhava o espanto do gato amarelo,
Senhor do telhado à direita,
Ante aquelas criaturas,
Derradeira graça, derradeira leveza.
Seria Janeiro e a chuva era tanta,
Bálsamo sobre a terra,
Apocalipse sobre as cidades.
E tu? Não serias mais do que aparição,
Liberta pela chuva dos grilhões da terra;
Vinda até mim, oferecias-me
A antiga e efémera aliança dos lábios,
A transmigração do sangue.
Havia tantas gaivotas, eram tantas
Que todos os dias eu te falava delas
E algo do seu voo, da sua inquietação,
Da sua desesperada busca,
Se apossava um pouco mais de ti.
Depois – seria Janeiro? – a chuva partiu
E também as gaivotas e também tu
E foi-se o espanto do gato amarelo,
Abatidos ambos num canil.
Mais não me restou do que a submissão
E na minha carne continuou a ecoar
A agonia pestilenta das cidades,
Que vão devorando a terra
Com a aridez do fumo e do vidro calcinado.
Só às vezes me surgem, espectrais, as imagens
Produzidas pelo mundo de uma fábula
Invisível e imperscrutável,
Onde estás tu e as gaivotas e o gato amarelo e a chuva,
Como se só eu tivesse partido.

Era gennaio e la pioggia era tanta
E i gabbiani erano tanti,
Sfuggiti alla tormenta che s’era impadronita
Del cuore delle onde.
Brillava lo stupore del gatto giallo,
Signore del tetto sulla destra,
Davanti a quelle creature,
Estrema grazia, estrema leggerezza.
Era gennaio e la pioggia era tanta,
Balsamo sulla terra,
Apocalisse sopra le città.
E tu? Non fosti altro che un’apparizione,
Liberata con la pioggia dalle grate della terra;
Giunta fino a me, mi offristi
L’antica ed effimera alleanza delle labbra,
La trasmigrazione del sangue.
C’erano tanti gabbiani, erano così tanti
Che tutti i giorni io te ne parlavo
E qualcosa del loro volo, della loro agitazione,
Della loro disperata ricerca,
S’impadroniva un po’ di più di te.
E poi – era gennaio? – la  pioggia se ne andò
Ed anche i gabbiani ed anche tu
E se ne andò lo stupore del gatto giallo,
Abbattuti entrambi in un canile.
Non mi restò nient’altro che la sottomissione
E nella mia carne continuò a riecheggiare
L’agonia pestilenziale delle città,
Che seguitano a divorare la terra
Con l’aridità del fumo e del vetro calcinato.
Solo a volte, spettrali, mi si ripresentano le immagini
Generate dal mondo di una favola
Invisibile e imperscrutabile,
Dove ci sei tu e i gabbiani e il gatto giallo e la pioggia,
Come se io soltanto me ne fossi andato.

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Guillaume Rist
Il gatto vola (2017)
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A mão que escreve


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A mão que escreve
La mano che scrive


Chega o uivo de Deus no meio do silêncio
entre o astro invisível e as estrelas caídas
e chega o cão da noite dentro da palavra
e o seu latido é a língua do indizível
não se ouve mais nada senão esse terrível
som de sílabas e magma com que Deus se baba.
E chega Giotto com seu Deus parindo os filhos
e a grande boca de Saturno a mastigar
um deus nos come outro nos caga
fica um rasto de merda e cinza e estrume
fica um eco na noite e um deus sem nome
e a mão que escreve e arde e é só lume.

L’urlo di Dio piomba nel mezzo del silenzio
tra l’astro invisibile e le stelle cadute
e il cane della notte balza dentro la parola
e il suo guaito è la lingua dell’ineffabile
non si sente nient’altro che questo terribile
suono di sillabe e magma di Dio che schiuma.
E arriva Giotto col suo Dio che genera i figli
e la gran bocca di Saturno che li mastica
un dio ci sbrana un altro ci espelle
rimane una striscia di feci e cenere e sterco
rimane un’eco nella notte e un dio senza nome
e una mano che scrive e arde ed è tutta luce.

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Francisco Goya
Saturno che divora i suoi figli (1819-1823)
...

A casa


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A casa
La casa


A casa tem a nossa vida
a casa está cheia de nós
de coisas arrumadas e desarrumadas
tapetes sapatos livros
retratos discos
quadros
as naturezas mortas estão todas vivas
alimentam-se de nós
e há móveis que foram de outras casas
e de pessoas que fomos nós antes de nós
a casa tem seus ritos e seus ritmos
canetas de tinta permanente
cadernos e papéis sobre a secretária
madeiras e paredes connosco dentro
a mesa com seus talheres e seus copos
e o nosso pão e o nosso vinho
camas por fazer e camas já vestidas
cadeiras onde nos sentamos
e mesmo sem nós ficam sentadas
a casa com seus passos e seu espaço
de silêncios
a casa com sua fala
a casa com sua alma.

La casa contiene la nostra vita
la casa è piena di noi
di cose in ordine e in disordine
tappeti scarpe libri
ritratti dischi
quadri
le nature morte sono tutte vive
s’alimentano di noi
e ci sono mobili appartenuti ad altre case
e a persone che siamo stati noi prima di noi
la casa ha i suoi riti e i suoi ritmi
penne stilografiche
quaderni e carte sulla scrivania
legno e muri con noi dentro
il tavolo con le sue posate e i bicchieri
e il nostro pane e il nostro vino
letti da fare e letti rassettati
sedie su cui ci sediamo
ed anche senza di noi sono sedute
la casa coi suoi passi e il suo spazio
di silenzi
la casa con la sua lingua
la casa con la sua anima.

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Arpad Szenes
Maria Helena VI (1942)
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Breve canção do vento oeste


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Breve canção do vento oeste
Breve canzone del vento di ponente


Ele há-de vir o vento oeste
ele há-de vir e há-de levar
as vãs palavras que escreveste.
Ele há-de vir com seu presságio
e os címbalos que já trazem o som do inverno
ele há-de vir o vento oeste e há-de apagar
o verão que parecia ser eterno.

Ele há-de vir com seu adágio
suas orquestras em convés que vão ao fundo
ele há-de vir e há-de apagar
a escrita a jura as ilusões do mundo.

Em cada verso há um naufrágio
não sei de poema que não seja mar.

Deve arrivare il vento di ponente
deve arrivare e con sé portare
le vane parole che m’hai scritto tu.
Deve arrivare con il suo presagio
e i cembali che già recano il suono dell’inverno
deve arrivare il vento di ponente per cancellare
l’estate che pareva mai dover finire.

Deve arrivare col suo adagio
le sue orchestre di coperta che vanno a fondo
deve arrivare e deve cancellare
le parole le promesse le illusioni del mondo.

In ogni verso c’è un naufragio
non conosco poesia che non sia mare.

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Louis Anquetin
Burrasca sul ponte di Saints-Pères (1889)
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À sombra das árvores milenares


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À sombra das árvores milenares
All’ombra degli alberi millenari


Passaram muitos anos mas não passou
o momento único irrepetível
o som abafado do estilhaço no corpo
o eco estridente do ricochete no metal
o cheiro da pólvora misturado com sangue e terra
o sabor da morte na última viagem de Portugal.

À sombra das árvores milenares ouvi tambores
ouvi o rugido do leão e o zumbido da bala
ouvi as vozes do mato e o silêncio mineral.
E ouvi um jipe que rolava na picada
um jipe sem sentido
na última viagem de Portugal.

Vi o fulgor das queimadas senti o cheiro do medo
o silvo da cobra cuspideira o deslizar da onça
as pacaças à noite como luzes de cidade
a ferida que não fecha o buraco na femural
no meio da selva escura em um lugar sem nome
na última viagem de Portugal.

Soberbo e frágil tempo
intensa vida à beira morte
amores de verão amores de guerra amores perdidos.
Uma ferida por dentro um tinir de cristal
passaram os anos o ser permanece.
Fiz a última viagem de Portugal

Molti anni sono passati ma non è passato
quel momento unico irripetibile
il suono soffocato della scheggia nel corpo
l’eco stridente dell’impatto col metallo
l’odore della polvere mischiato a sangue e terra
il sapore della morte nell’ultimo viaggio dal Portogallo.

All’ombra degli alberi millenari ho sentito tamburi
ho sentito il ruggito del leone e il sibilo del proiettile
ho sentito le voci della foresta e il silenzio minerale.
E ho sentito una jeep che avanzava sulla pista
una jeep senza senso
nell’ultimo viaggio dal Portogallo.

Ho visto il bagliore degli incendi ho sentito l’odore della paura
il soffiare del cobra sputatore lo sgusciare della pantera
i bufali di notte come luci della città
la ferita che non si chiude il buco nella femorale
in mezzo alla selva oscura in un luogo senza nome
nell’ultimo viaggio dal Portogallo.

Tempo superbo e fragile
vita intensa sull’orlo della morte
amori estivi amori di guerra amori perduti.
Una ferita dentro un tintinnare di cristalli
sono passati gli anni, quell’essere persiste.
Ho fatto l’ultimo viaggio dal Portogallo.

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Victor Vasarely
Tigri (1938)
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A perigosa mão de Deus


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A perigosa mão de Deus
La mano pericolosa di Dio


Deus é maneta
diz Saramago
só tem a mão direita
à direita da qual todos se sentam.

Eu canto a outra mão de Deus
a que traz o Diabo pela trela
a que por vezes puxa para o outro lado
e escreve sempre por linhas tortas
a mão esquerda de Deus
a mão de sombra a mão do medo
a mão do nada
a mais perigosa mão de Deus
aquela que de repente solta o espírito
o enxofre a guerra o vento mau.
É a mão esquerda de Deus que aperta o coração
acelera o pulso
desarticula o ritmo.
Os poetas estão sentados à esquerda da mão esquerda
de Deus
até mesmo Antero.
É com ela que Deus abana o Mundo
com sua chuva e com seu fogo
sua onda gigante e seu terrível
terramoto.

Não é verdade que Deus seja maneta
Deus é canhoto.

Dio è monco
dice Saramago
ha solamente la mano destra
a destra della quale tutti si siedono.

Io canto l’altra mano di Dio
quella che tiene il Diavolo al guinzaglio
quella che talvolta tira da un’altra parte
e scrive sempre di sghimbescio
la mano sinistra di Dio
la mano d’ombra la mano della paura
la mano del nulla
la mano più pericolosa di Dio
quella che d’un tratto libera lo spirito
lo zolfo la guerra il vento contrario.
È la mano sinistra di Dio che serra il cuore
accelera il polso
distorce il ritmo.
I poeti stanno seduti a sinistra della mano sinistra
di Dio
perfino Antero.
È con essa che Dio sconvolge il Mondo
con la sua pioggia e col suo fuoco
con la sua onda gigantesca e il suo tremendo
terremoto.

Non è vero che Dio sia monco
Dio è mancino.

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Cristo Pantocratore (seconda metà XII secolo)
Cattedrale di Monreale (Sicilia)
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Um verso


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Um verso
Un verso


Um verso. Nada mais que um verso cintilante
contra o equilíbrio cósmico e a expansão do universo
na cauda do cometa mais errante
no coração do espaço e seu avesso
uma silaba cantante
um verso.
 
Para alem dos buracos negros e das linhas interstelares
um som no espaço
um eco pelos ares
um timbre um risco um traço.
 
Um som de um som: alquimia
de signos e sinais
não mais do que outra forma de energia
imagens espectrais
de um sol inverso
um ponto luminoso nos fractais
um verso.

Un verso. Nulla di più che un verso sfavillante
contro l’equilibrio cosmico e l’espansione dell’universo
sulla scia della cometa più errante
nel cuore dello spazio e del suo opposto
una sillaba canora
un verso.
 
Al di là dei buchi neri e delle linee interstellari
un suono nello spazio
un’eco dentro l’aria
un marchio un graffio un tratto.
 
Un suono d’un suono: alchimia
di segni e segnali
nient’altro che un’altra forma di energia
immagini spettrali
d’un sole inverso
un punto luminoso nei frattali
un verso.

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Lucio del Pezzo
Lo spazio (1933)
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Quinto poema do pescador


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Quinto poema do pescador
Quinta poesia del pescatore


Eu não sei de oração senão perguntas
ou silêncios ou gestos ou ficar
de noite frente ao mar não de mãos juntas
mas a pescar.

Não pesco só nas águas mas nos céus
e a minha pesca é quase uma oração
porque dou graças sem saber se Deus
é sim ou não.

Io non so pregare se non con domande
o silenzi o gesti o restando
di notte davanti al mare non con le mani giunte
ma a pescare.

Non pesco solo in acqua ma nei cieli
e la mia pesca è quasi un’orazione
perché io rendo grazie senza saper se Dio
è assenso o negazione.

________________

William Turner
Pescatori sul mare (1796)
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Quarto poema do pescador


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Quarto poema do pescador
Quarta poesia del pescatore


Sei agora que Deus rola nas ondas
vem na última onda ei-lo na espuma
é reflexo brilho incandescência.
Se vou à pesca é para o procurar
se lanço a linha é para ver se o pesco
quando pesco um robalo eu pesco Deus
e é com ele que falo em frente ao mar
ele é eixo a alga o vento leste
a nuvem que lentamente cobre a lua
ele é a minha disposição e a minha comunhão
o fragmento da estrela que se vê ainda
a tainha que salta
ele é o grão da areia e a imensidão da noite
o finito e o infinito
vai na corrente corre-me no sangue
não sei que nome dar-lhe
digo Deus
ele é o laço que me prende e me desprende
o que palpita em mim e o que em mim morre
vem na sétima onda e bate no meu pulso
ele é o aqui o agora o nunca mais
a morte que está dentro
rola na onda
bate na sétima costela do meu corpo
chamo-lhe Deus porque ele é o tudo e é o nada
eternidade que não dura sequer o eu dizê-la
ei-lo na espuma na lua no reflexo
de repente um esticão a cana curva-se
é talvez um robalo de seis quilos
isto é a pesca
o meu falar com Deus ou com ninguém
sozinho frente ao mar.
Ele é o vento a noite a solidão
o robalo que luta contra a morte
e é a minha ligação magnética com Deus
esse umbigo do mundo
que rola sobre as ondas e cai do firmamento
com sua espuma e sua luz e sua noite
chamo-lhe Deus porque não sei como chamar
ao meu ser e não ser
de noite junto ao mar
quando regulo a amostra e sua fluorescência
pescando robalos
ou talvez Deus
e sua ausência.

Ora io so che Dio scivola sulle onde
viene con l’ultima onda eccolo tra la schiuma
è riflesso fulgore incandescenza.
Se vado a pesca, è per cercarlo
se lancio la lenza è per vedere se lo pesco
quando pesco una spigola io pesco Dio
ed è con lui che io parlo davanti al mare
egli è l’albero l’alga il vento dell'est
la nuvola che lentamente copre la luna
egli è la mia volontà e la mia comunione
il frammento di stella che si vede ancora
il cefalo che salta
egli è il granello di sabbia e l'immensità della notte
il finito e l'infinito
va nella corrente, mi scorre nel sangue
non so che nome dargli
dico Dio
egli è il laccio che mi lega e mi slega
ciò che palpita in me ed in me muore
viene con la settima onda e nel mio polso batte
egli è il qui l’adesso il mai più
la morte che sta dentro
scivola sull’onda
batte dietro la settima costola del mio corpo
io lo chiamo Dio perché egli è il tutto e il niente
eternità che non dura neanche il tempo di dirla
eccolo nella schiuma nella luna nel riflesso
d’un tratto una tensione e la canna si curva
può darsi che sia una spigola di sei chili
questa è la pesca
il mio colloquio con Dio o con nessuno
solo davanti al mare.
Egli è il vento la notte la solitudine
la spigola che lotta contro la morte
ed è il mio legame magnetico con Dio
questo ombelico del mondo
che scivola sulle onde e cade dal firmamento
con la sua schiuma e la sua luce e la sua notte
lo chiamo Dio perché non so come chiamare
questo mio essere e non essere
di notte vicino al mare
quando oriento l'esca e la sua fluorescenza
pescando spigole
o forse Dio
e la sua assenza.

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Duccio di Buoninsegna
Pesca miracolosa (1308-1311)
...

Foz do Arelho ou Primeiro poema do pescador


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Foz do Arelho
ou  Primeiro poema do pescador
Foz do Arelho
o  Prima poesia del pescatore


Este é apenas um pequeno lugar do mundo
um pequeno lugar onde à noite cintilam luzes
são os barcos que deitam as redes junto à costa
ou talvez os pescadores de robalos com suas lanternas
suas pontas de cigarro e suas amostras fluorescentes
talvez o Farol de Peniche com seu código de sinais
ou a estrela cadente que deixa um rastro
e nada mais.
 
Um pequeno lugar onde Camilo Pessanha voltava sempre
talvez pelo sol e as espadas frias
talvez pela orquestra e os vendavais
ou apenas os restos sobre a praia
«pedrinhas conchas pedacinhos d'osso»
e nada mais.
 
Um pequeno lugar onde se pode ouvir a música
o vento o mar as conjunções astrais
um pequeno lugar do mundo
onde à noite se sabe
que tudo é como as luzes que cintilam
um breve instante
e nada mais.

Questo non è che un posticino del mondo
un posticino dove la notte delle luci scintillano
sono le barche che dispiegano le reti vicino alla costa
o forse i pescatori di spigole con le loro lanterne
le punte delle loro sigarette e le loro esche fluorescenti
forse il Faro di Peniche col suo codice di segnali
o una stella cadente che lascia una coda
e nulla più.
 
Un posticino dove Camilo Pessanha ritornava sempre
forse per il sole e per le fredde spade
forse per l’orchestra e le burrasche
o solamente per i frantumi sulla spiaggia
«pietruzze conchiglie pezzettini d’osso»
e nulla più.
 
Un posticino dove si può ascoltare la musica
il vento il mare le congiunzioni astrali
un posticino del mondo
dove la notte si sa
che tutto è come le luci che scintillano
un breve istante
e nulla più.

________________

Emiliano di Cavalcanti
Pescatori (1951)
...

Coração polar


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Coração polar
Cuore polare


Não sei de que cor são os navios
quando naufragam no meio dos teus braços
sei que há um corpo nunca encontrado algures
e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial
a tua promessa nos mastros de todos os veleiros
a ilha perfumada das tuas pernas
o teu ventre de conchas e corais
a gruta onde me esperas
com teus lábios de espuma e de salsugem
os teus naufrágios
e a grande equação do vento e da viagem
onde o acaso floresce com seus espelhos
seus indícios de rosa e descoberta.

Não sei de que cor é essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha
há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e não te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possível
há um mar imaginário aberto em cada página
não me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sítio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poentes me dizem quem tu és.

Non so di che colore siano le navi
quando naufragano in mezzo alle tue braccia
so che c’è un corpo mai trovato da nessuna parte
e che quel corpo vivo è il tuo corpo immateriale
la tua promessa per i pennoni di tutti i velieri
l’isola profumata delle tue gambe
il tuo ventre di conchiglie e coralli
la grotta dove m’attendi
con le tue labbra di spuma e di salsedine
i tuoi naufragi
e la grande equazione del vento e del viaggio
dove il caso sboccia con i suoi specchi
le sue tracce di rosa e di scoperta.

Non so di che colore sia quella linea
ove la luna s’incontra coi cordami
ma so che in ogni strada c’è un pertugio
un’apertura tra l’abitudine e l’incanto
c’è un’ora in cui l’azzurro prende fuoco
l’ora in cui ti trovo e non ti trovo
c’è un angolo al contrario
una magica geometria dove tutto è possibile
c’è un mare immaginario aperto in ogni pagina
non mi vengano a dire che ormai
le rotte non nascono più dal desiderio
e io voglio la croce del sud delle tue mani
voglio il tuo nome scritto sulle maree
in questa città ove nel punto più assurdo
in un senso vietato o ad un semaforo
tutti i tramonti mi dicono chi sei.

________________

Maria Helena Vieira da Silva
Naufragio (1944)
...

Ainda se ouve o galo...


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Ainda se ouve o galo...
Si sente ancora il gallo...


Ainda se ouve o galo,
Como um “muezzin”,
Chamar na direcção da manhã,
Ainda que sem minaretes.
Entra-se na transmigração de rotinas,
De uma em outra, de veia em veia,
Pela luz obediente, boa católica.
Ronronam bairros, trepidam,
Com o seu quê de totémico,
Mas o rosto de cariátide
É comum a todas as tribos
E nada está vivo, nem Lares,
Nem as ninfas dos bosques sagrados,
Qualquer crença, qualquer gesto
É urticante:
Todos os deuses convergiram
Para o grande vazio
Ou talvez estejam no centro
Do grande vazio intransponível
E o galo canta pela terceira vez.

Si sente ancora il gallo,
Come un “muezzin”,
Cantare in direzione del mattino,
Seppure senza minareti.
Si accede alla trasmigrazione delle abitudini,
Dall’una all’altra, di vena in vena,
In quella luce ubbidiente, da buona cattolica.
Fremono i quartieri, trepidanti,
Con quel non so che di totemico,
Ma il volto da cariatide
È comune a tutte le tribù
E nulla è vivo, neppure i Lari,
Né le ninfe dei boschi sacri,
Qualunque credenza, qualunque gesto
È urticante:
Tutti gli dei sono confluiti
Verso il grande vuoto
O forse già stanno al centro
Del grande vuoto invalicabile
E il gallo canta per la terza volta.

________________

Joan Miró
Il gallo (1940)
...

Agora mesmo


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Agora mesmo
Proprio ora


Está gente a morrer agora mesmo em qualquer lado
Está gente a morrer e nós também

Está gente a despedir-se sem saber que para
Sempre
Este som já passou Este gesto também
Ninguém se banha duas vezes no mesmo instante
Tu próprio te despedes de ti próprio
Não és o mesmo que escreveu o verso atrás
Já estás diferente neste verso e vais com ele

Os amantes agarram-se desesperadamente
Eis como se beijam e mordem e por vezes choram
Mais do que ninguém eles sabem que estão a despedir-se

A Terra gira e nós também A Terra morre e nós
Também
Não é possível parar o turbilhão
Há um ciclone invisível em cada instante
Os pássaros voam sobre a própria despedida
As folhas vão-se e nós
Também
Não é vento É movimento fluir do tempo amor e morte
Agora mesmo e para todo o sempre
Amen

C’è gente che sta morendo proprio ora da qualche parte
C’è gente che sta morendo e noi pure

C’è gente che si sta separando senza sapere che è per
Sempre
Quel suono già è passato Quel gesto pure
Nessuno si bagna due volte nello stesso istante
Tu stesso ti separi da te stesso
Non sei lo stesso che ha scritto il verso precedente
Già sei differente in questo verso e con lui te ne vai

Gli amanti s’avvinghiano disperatamente
Ecco che si baciano e si mordono e a volte piangono
Più d’ogni altro sanno che stanno per lasciarsi

La Terra gira e noi pure La Terra muore e noi
Pure
Non è possibile arrestare il turbine
V’è un ciclone invisibile in ogni istante
Gli uccelli volano sopra il proprio distacco
Le foglie se ne vanno e noi
Pure
Non è vento È movimento fluire del tempo amore e morte
Proprio ora e per tutta l’eternità
Amen

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Galileo Chini
Il Tifone (1911)
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Ouvi dizer que os bárbaros


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Collezione :
 
Altra traduzione :
Manuel Alegre »»
 
Babilónia (1983) »»
 
Francese »»
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Ouvi dizer que os bárbaros
Ho sentito dire che i barbari


Este é tempo de facto e de notícia.
Não ouves o rumor do acontecer?
A fonte do petróleo (diz-se) vai secar
verás a Europa à luz de uma candeia
verás a giesta e a catedral
a flor e a pedra
a breve eternidade dentro do efémero.
 
E quem dirá ó Dante
a ordem que termina?
 
Talvez um mensageiro chegue ao amanhecer.
Ouvi dizer que os bárbaros estão dentro da cidade
mas ainda há pão e circo
alguns Calígulas
e longas filas de automóveis ao domingo.
 
Em Stratford-on-Avon o rio corre
e a inflação aumenta na Primavera.
Como cantar sem que o poema seja
uma história narrada por um louco
num palco vazio
para ninguém?
 
Em Stratford-on-Avon o rio corre
sobem salmões as águas da Galiza
e num lugar chamado Chãs
em Águeda
as laranjeiras começam a dar flor.
 
Junto à fronteira em aldeias muito velhas
ainda cheira a pão.
Verás a toalha branca sobre a mesa
um cheiro a linho e hortelã
ou talvez ao bolor que vem das arcas
junto à fronteira em aldeias muito velhas.
 
Talvez se encontre um espaço para o homem
não propriamente o frigorífico
nem a ilusão de domingo
talvez se encontre ainda um espaço
como um pouco de pão em cima
da toalha branca. Ou talvez a alegria
nos lagares de Setembro.
 
Repara como Roma se esgota
nas suas hombas
de gasolina. São longas
intermináveis
filas
de solidão.
Este é o tempo do homem exilado
nas ruas sem alma
de uma cidade estrangeira.
Ó solidão solidão
sombras e sombras na Via Appia.
 
Poderás ainda olhar as vinhas
nas encostas do Reno. Ou então beber cerveja
numa taberna velha de Estrasburgo.
Se tiveres sorte poderás ouvir
um canto muito belo
na Catedral de Metz.
 
E também o murmúrio do Trastevere
olhar a Piazza Navona
e pensar nos momentos altos
de Roma tão antiga.
 
Mas há um cronómetro no ritmo do teu sangue
e os teus sentidos já não sabem
o ciclo das estações.
Quem pode ainda povoar de azul
os pátios do olhar?
 
Os bárbaros estão dentro da cidade
talvez até dentro de ti.
Não ouves o rumor? É Roma a rastejar
nas auto-estradas da tristeza
ou talvez Átila que passa
com seus corcéis de sonho e de sucata.
 
E como esconjurar tantos presságios?
Dizer por exemplo: Eis aqui
a nova ordem dos séculos.
 
Talvez um mensageiro chegue ao amanhecer.
E não sei ó Virgílio se o mel correrá
como orvalho do tronco dos carvalhos.
 
Talvez ainda o linho e a hortelã
talvez ainda o vinho
a velha mesa
uma branca ternura
um pouco
um pouco de beleza.

Questi son tempi di fatti e di notizie.
Non senti il rumore degli avvenimenti?
Le fonti del petrolio (si dice) si esauriranno
vedrai l'Europa a lume di candela
vedrai la ginestra e la cattedrale
il fiore e la pietra
la breve eternità dentro l’effimero.
 
E chi annuncerà, o Dante
la fine del sistema?
 
Forse arriverà un messaggero verso mattina.
Ho sentito dire che i barbari sono in città
ma c’è ancora pane e divertimento
qualche Caligola
e lunghe file d'automobili la domenica.
 
A Stratford-on-Avon il fiume scorre
e l'inflazione aumenta in primavera.
Come cantare senza che la poesia sia
una storia narrata da un folle
su un palcoscenico vuoto
per nessuno?
 
A Stratford-on-Avon il fiume scorre
risalgono i salmoni le acque della Galizia
e in un luogo chiamato Chãs
ad Águeda
gli aranci cominciano a fiorire.
 
Presso la frontiera in antichissimi borghi
ancora aleggia un profumo di pane.
Vedrai la tovaglia bianca sulla tavola
un odore di lino e di menta
o magari di muffa che viene dai bauli
presso la frontiera in antichissimi borghi.
 
Forse si potrà trovare uno spazio per l’uomo
non precisamente il frigorifero
né l'illusione d’una domenica
forse si potrà trovare ancora uno spazio
come un po’ di pane sopra
la tovaglia bianca. O forse la gioia
delle pigiature di Settembre.
 
Guarda come Roma si consuma
alle sue pompe
di benzina. Ci sono lunghe
interminabili
file
di solitudine.
Questo è il tempo dell’uomo esiliato
lungo le vie senz’anima
d'una città straniera.
Oh solitudine solitudine
ombre e ombre sulla Via Appia.
 
Potrai guardare ancora le vigne
sui declivi del Reno. Oppure bere birra
in una vecchia taverna di Strasburgo.
E se avrai fortuna potrai ascoltare
un bellissimo canto
nella Cattedrale di Metz.
 
Ed anche il mormorio di Trastevere
potrai vedere Piazza Navona
e pensare ai momenti solenni
di Roma tanto antica.
 
Ma c’è un cronometro col ritmo del tuo sangue
e i tuoi sensi ormai non sanno più
il ciclo delle stagioni.
Chi può ancora riempire d'azzurro
il patio degli sguardi?
 
I barbari sono dentro la città
e forse persino dentro di te.
Non senti il rumore? È Roma che si trascina
sulle autostrade della tristezza
o magari Attila che passa
coi suoi corsieri di sogno e di ferraglia.
 
E come scongiurare tanti presagi?
Dire per esempio: Ecco
il nuovo ordine dei secoli.
 
Forse arriverà un messaggero verso mattina.
E non so o Virgilio se il miele scorrerà
come rugiada dal tronco delle querce.
 
Forse ancora il lino e la menta
forse ancora il vino
la vecchia tavola
una candida tenerezza
un po’
un po’ di bellezza.

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Pierre Mortier
Roma, Piazza del popolo (1724)
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