Depois (Auschwitz)


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Depois (Auschwitz)
Dopo (Auschwitz)


Primeiro, o verbo tem de ser
O arame farpado, o comboio
Que estaca no inferno sem círculos,
As portas dos vagões que se abrem,
Os gritos, os olhos que não têm tempo
De se habituar ao trânsito
Entre uma e outra treva.
Depois, o verbo tem de ser
Prisioneiro dentro desse arame farpado,
Sob a vigilância das torres,
Tem de ostentar hematomas,
Os mal contidos ossos como insígnias
A comunhão esquálida
De um mesmo rosto.
O verbo tem de se acautelar
Para não o comerem,
Tem de se deixar abraçar
Por alguém que o confundiu
Com outro alguém, amado ou conhecido,
Que não jaz, mas se dispersou
Em fumo e cinza;
Tem de respirar a fraterna pestilência,
Trabalhar até à exaustão,
Perder os dentes todos ou não chegar nunca
A ter dentes do siso.
Tem de conseguir ser esse fumo e cinza,
O  verbo tem de ter bebido o fel
Da sua própria impotência,
De ter sido reduzido
A um número tatuado na pele
Para, de novo, atravessar o arame farpado,
Tocar a terra
E conseguir que acreditem nele.
O verbo tem de aprender como nunca se esquece,
A boca rebentada pela febre,
O corpo ceifado por tifo, disenteria,
A alma ceifada, mas não destruída
E, depois, sim, destruída.

In primis, il verbo dev’essere
Il filo spinato, il treno
Che ferma all’inferno senza gironi,
Le porte dei vagoni che si aprono,
Le grida, gli occhi che non fanno in tempo
Ad abituarsi al passaggio
Dall’una all’altra tenebra.
Poi, il verbo dev’essere
Prigioniero entro questo filo spinato,
Sotto la sorveglianza delle torri,
Si devono ostentare ematomi,
Le ossa sporgenti come distintivi
Della squallida confraternita
Con uno stesso volto.
Il verbo deve premunirsi
Per non essere divorato
Deve lasciarsi abbracciare
Da qualcuno che l’ha scambiato
Per qualcun altro, amato o conosciuto,
Che non giace, ma s’è volatilizzato
In fumo e cenere;
Deve respirare la fraterna pestilenza,
Lavorare fino allo sfinimento,
Perdere tutti i denti o non arrivare mai
Ad avere i denti del giudizio.
Deve riuscire ad essere quel fumo e quella cenere,
Il verbo deve aver bevuto il fiele
Della sua stessa impotenza,
Dell’esser stato ridotto
A un numero tatuato sulla pelle
Per attraversare, di nuovo, il filo spinato,
Toccare la terra
E riuscire a far sì che gli credano.
Il verbo deve imparare a non scordare mai,
La bocca devastata dalla febbre,
Il corpo falciato da tifo, dissenteria,
L’anima falciata, ma non distrutta
E, poi, sì, distrutta.

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Anselm Kiefer
Eisen-Steig (Strada ferrata) (1986)
...

Picasso


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Picasso
Picasso


Quem pega a vida à unha como tu?
Só mesmo Espanha, tua mãe e mestra.
Paris formou o espaço da tua técnica,
Mas Espanha te deu o estilo de contrastes,
O gosto de regressar ao centro do problema,
De investigar a matéria da vida
E atingir o osso:
Construindo e destruindo ao mesmo tempo.

Situas o objeto inimigo,
Súbito assimilado.
As cores são de inventor, não de colorista.
A natureza morta
Retoma a lição espanhola:
Os elementos do quadro são "dramatis personae"
Que se cruzam no silêncio fértil.
Roma, Grécia ou África
Te servem de pretexto plástico:
O corpo extrai da vida
Sua força pessoal e polêmica.

Feito à imagem da Espanha, tu, Picasso,
Soubeste fundir a força e a contenção.

Chi prende la vita per le corna come te?
Soltanto la Spagna, tua madre e maestra.
Parigi ha plasmato lo spazio della tua tecnica,
Ma la Spagna t’ha dato lo stile dei contrasti,
Il gusto di ritornare al centro del problema,
Di investigare la materia della vita
Ed arrivare all’osso:
Costruendo e distruggendo al tempo stesso.

Collochi l’oggetto da nemico,
E subito è assimilato.
Sono da inventore i colori, non da colorista.
La natura morta
Riprende la lezione spagnola:
Gli elementi del quadro sono "dramatis personae"
Che s’incrociano in un fertile silenzio.
Roma, Grecia o Africa
Ti servono da pretesto plastico:
Il corpo estrae dalla vita
La sua forza personale e polemica.

A immagine e somiglianza della Spagna, tu, Picasso,
Hai saputo fondere la forza e il contrasto.

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Pablo Picasso
Uomo con la pipa (1969)

Joan Miró


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Joan Miró
Joan Miró


Soltas a sigla, o pássaro, o losango.
Também sabes deixar em liberdade
O roxo, qualquer azul e o vermelho.
Todas as cores podem aproximar-se
Quando um menino as conduz no sol
E cria a fosforescência:
A ordem que se desintegra
Forma outra ordem ajuntada
Ao real — este obscuro mito.

Liberi il segno, l’uccello, la losanga.
Riesci anche a mettere in libertà
Il viola, qualche blu e il rosso.
Tutti i colori possono fondersi
Quando un bambino li colloca al sole
E crea la fosforescenza:
Quest’ordine che si disintegra
Genera un altro ordine che s’affianca
Al reale — questo oscuro mito.

________________

Joan Miró
Il giardino (1925)

Canto a García Lorca


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Canto a García Lorca
Canto a Garcia Lorca


Não basta o sopro do vento
Nas oliveiras desertas,
O lamento de água oculta
Nos pátios da Andaluzia.

Trago-te o canto poroso,
O lamento consciente
Da palavra à outra palavra
Que fundaste com rigor.

O lamento substantivo
Sem ponto de exclamação:
Diverso do rito antigo,
Une a aridez ao fervor,

Recordando que soubeste
Defrontar a morte seca
Vinda no gume certeiro
Da espada silenciosa
Fazendo irromper o jacto

De vermelho: cor do mito
Criado com a força humana
Em que sonho e realidade
Ajustam seu contraponto.

Consolo-me da tua morte.
Que ela nos elucidou
Tua linguagem corporal
Onde el duende é alimentado
Pelo sal da inteligência,
Onde Espanha é calculada
Em número, peso e medida.

Non basta l’alito del vento
Tra gli uliveti deserti,
Il lamento d’acque occulte
Nei cortili d’Andalusia.

A te reco il canto poroso,
Il lucido lamento
Tra l’una e l’altra parola
Che tu forgiasti con rigore.

Il lamento essenziale
Senza punti esclamativi:
Diversamente dal rito antico,
Unisce l’asciuttezza al fervore,

Nel rammentare che sapesti
Affrontare la morte secca
Venuta dal taglio preciso
Della spada silente
Facendo propagare nel getto

Il rosso: color del mito
Creato con la forza umana
In cui sogno e realtà
Accordano il loro contrappunto.

Mi rassegno alla tua morte.
Poiché essa ci illustrò
Il tuo linguaggio corporale
Ove l’estro è alimentato
Dal sale dell’intelligenza,
Ove la Spagna è valutata
In numero, peso e misura.

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Joaquin Sorolla y Bastida
Calle di Granada (1910)

Poema lírico


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Poema lírico
Poema lirico



  Amiga, amiga! De braço dado atravessamos o arco-íris.
  Quem nos dá esta força que nos impele acima do mar e das montanhas?
Deixamos lá embaixo os bens materiais, a violência da vida.
Amiga, amiga! Teu rosto é semelhante à lua moça,
Há nas tuas roupas um cheiro bom de mato virgem.
Tua fala saiu da caixinha de música dos meus sete anos,
 E te empinas no azul com a graça dos papagaios que eu soltava.
Ó amiga! Deixamos o reino dos homens bárbaros
Que fuzilam crianças com bonecas ao colo,
E ei-nos livres, soprados pelos ventos,
Até onde não alcançam os aparelhos mecânicos.
Unidos num minuto ou num século, que importa.

Agarrados à cauda de um cometa percorremos a criação.
Teu rosto desvendou os olhos comunicantes.
Não há mistério: só nós dois sabemos nosso nome,
As fronteiras entre amor e morte.
Eu sou o amante e tu és a amada.

Para que organizar o tempo e o espaço?


 Amica, amica! Sottobraccio abbiamo attraversato l’arcobaleno.
 Chi ci dà questa forza che ci spinge al di sopra dei mari e delle montagne?
Abbiamo lasciato laggiù i beni materiali, la violenza della vita.
Amica, amica! Il tuo volto assomiglia alla luna fanciulla,
C’è nei tuoi vestiti il buon profumo della foresta vergine.
La tua voce è uscita dal carillon dei miei sette anni,
 E t’innalzi nel blu con la grazia dei pappagallini che io liberavo.
O amica! Abbiamo lasciato il regno degli uomini barbari
Che sparano ai bimbi con le bambole in braccio,
Ed eccoci liberi, portati da venti,
Fin dove gli apparecchi meccanici non arrivano.
Uniti per un minuto o un secolo, che importa.

Aggrappati alla coda di una cometa percorriamo il creato.
Il tuo volto ha rivelato occhi comunicanti.
Non c’è mistero: solo noi due sappiamo il nostro nome,
Le frontiere tra amore e morte.
Io sono l’amante e tu sei l’amata.

Perché organizzare il tempo e lo spazio?

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Marc Chagall
Sulla città (1918)

Certo mar


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Certo mar
Mare fiero


O mar não me quer,

O mar não sei por que me abomina,
O mar autárquico:
Ele me atira barbatanas e algas podres,
Destroços de manequins e papéis velhos,
Arrastando para longe barco e sereia.
O mar tem idéias singulares sobre mim,
Manda-me recados insolentes
Em garrafas há muito esquecidas e sujas.
Suprime de repente o veleiro de 1752
Que vinha beirando o cais.

Suprime o veleiro e um bando de fantasmas
- Eu bem sei -
Únicos, polidos, um quase nada solenes.
Não tolero mais este safado,
Nem mesmo o admito no outro mundo:
Felizmente a eternidade é límpida,
Sem praia e sem lamentos.
Hei de espiá-lo da Grande rosácea,
Hei de vê-lo um dia lá embaixo,
Inútil: espremida esponja, carcaça de canoa,
Avesso de fotografia.

Il mare non m’ama,

Non so perché, ma il mare mi detesta,
Il mare autarchico:
Mi tira pinne e alghe putrescenti,
Resti di manichini e vecchie carte,
Trascinando al largo barca e sirena.
Il mare ha strane opinioni su di me,
Mi manda messaggi insolenti
In bottiglie da tempo dimenticate e sporche.
Distrugge all’improvviso il veliero del 1752
Che stava per attraccare.

Distrugge il veliero e una banda di fantasmi
- Io lo so bene -
Civili, educati, quasi per niente pomposi.
Non sopporto più questo impertinente,
E neppure lo ammetto all’altro mondo:
Per fortuna l’eternità è limpida,
Senza spiagge e senza lamenti.
Potrò spiarlo dal Grande rosone,
Potrò vederlo un giorno laggiù,
Inutile: spugna strizzata, carcassa di canoa,
Fotografia capovolta.

________________

Arturo Nathan
Rupi vulcaniche (1934)

Poema dialético


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Janela do caos (1949) »»
 
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Poema dialético
Poema dialettico


I
Todas as coisas ainda se encontram em esboço
Tudo vive em transformação
Mas o universo marcha
Para a arquitetura perfeita.

Retiremos das árvores profanas
A vasta lira antiga.
Sua secreta música
Pertence ao ouvido e ao coração de todos.
Cada novo poeta que nasce
Acrescenta-lhe uma corda.

II
Uma vida iniciada há mil anos atrás
Pode ter seu complemento e plenitude
Numa outra vida que floresce agora.

Nada poderá se interromper
Sem quebrar a unidade.

Um germe foi criado no princípio
Para que se desdobre em plenos múltiplos.
Nossos suspiros, nossos anseios, nossas dores
São gravados no campo do infinito
Pelo espírito sereníssimo que preside às gerações.

III
A muitos só lhes resta o inferno.
Que lhes coube na monstruosa partilha da vida
Senão um desespero sem nobreza, e a peste da alma?
Nunca ouviram a música nascer do farfalhar das árvores,
Nem assistiram à contínua anunciação
E ao contínuo parto das belas formas.

 Nunca puderam ver a noite chegar sem elementos de terror.
Caminham conduzindo o castigo e a sombra de seus atos.
Comeram o pó e beberam o próprio suor.
Não se banharam no regato livre...

Entretanto, a transfiguração precede a morte.
Cada um deve realiza-la na sua carne e no seu espírito
Para que a alegria seja completa e definitiva.

IV
É necessário conhecer seu próprio abismo
E polir incessantemente o candelabro que o esclarece.

Tudo no universo marcha, e marcha para esperar:
Nossa existência é uma vasta expectação
Onde se tocam o princípio e o fim.
A terra terá que ser retalhada entre todos
E restituída um dia à sua antiga harmonia.
Tudo marcha para a arquitetura perfeita.
A aurora é coletiva.

I
Tutte le cose si trovano ancora allo stadio di abbozzo
Tutto vive in trasformazione
Ma l’universo avanza
Verso un’architettura perfetta.

Ricaviamo dagli alberi profani
L’ampia lira antica.
La sua musica segreta
Appartiene all’orecchio e al cuore di tutti.
Ogni nuovo poeta che nasce
Le aggiunge una corda.

II
Una vita iniziata mille anni fa
Può avere completamento e pienezza
In un’altra vita che fiorisce oggi.

Nulla potrà interrompersi
Senza spezzare l’unità.

Un germe fu creato in principio
Perché si dispiegasse in multipli perfetti.
I nostri sospiri, le nostre ansie, i nostri dolori
Sono impressi nel territorio infinito
Dallo spirito serenissimo che guida le generazioni.

III
A molti non resta che l’inferno.
Che tocca loro nella mostruosa spartizione della vita
Se non uno sconforto senza decoro, e la peste dell’anima?
Mai sentirono la musica nascere dallo stormire degli alberi,
Né assistettero alla continua annunciazione
E al parto continuo delle belle forme.

 Mai poterono vedere la discesa della notte senza provarne terrore.
Avanzano portandosi il castigo e l’ombra delle proprie azioni.
Mangiarono la polvere e bevvero il proprio sudore.
Non si bagnarono nell’acqua libera del ruscello...

E intanto, la trasfigurazione precede la morte.
Ciascuno deve realizzarla nella sua carne e nel suo spirito.
Affinché la gioia sia completa e definitiva.

IV
È necessario conoscere il proprio abisso
E lucidare incessantemente il candelabro che lo rischiara.

Tutto nell’universo avanza, e avanza verso la speranza:
La nostra esistenza è un’immensa aspettativa
Ove si toccano il principio e la fine.
La terra dovrà essere ripartita tra tutti
E restituita un giorno alla sua antica armonia.
Tutto avanza verso un’architettura perfetta.
L’aurora è collettiva.

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Apollo con la lira
Pompei, Villa di Moregine (I sec. d.C.)

Tempo e negação


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Poemas Sociais (2019) »»
 
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Tempo e negação
Tempo e negazione


Mudo com o tempo que não muda,
Hei-de impor-lhe a minha metamorfose.
Nada será de criaturas e essências
Que eu não filtre,
Passados, planetas, marés, distâncias.
Será apenas o que eu passei
E nunca o que eu passar.
Existe sempre depois de mim
E é um pobre Narciso,
Vendo-se no rosto que abandonei.

Mudo com o tempo que só existe
Enquanto mudo, e um pouco depois
Para trás, em espaços aleatórios,
Interstícios arbitrários, construções.
Não existo nele e ele à minha frente
Senão quando o penso e projecto;
Sou a sua fronteira e caminho.
Ouço-o: raspa, roça, ronda,
Possivelmente com fome. Deixá-lo.
Depois de mim, irá livre.
Para nunca mais ser tempo.
Muto col tempo che non muta,
Devo imporgli la mia metamorfosi.
Niente sarà di creature e di essenze
Che io non filtri,
Passati, pianeti, maree, distanze.
Ci sarà solo quel che io ho passato
E mai quel che passerò.
Esiste sempre un dopo di me
Ed è un povero Narciso,
Che si guarda nel volto che ho lasciato.

Muto col tempo che esiste solo
In quanto io muto, e un po’ dopo
Indietro, in spazi aleatori,
Interstizi arbitrari, costruzioni.
Io non esisto in lui né lui mi sta davanti
Se non quando lo penso e lo progetto;
Sono la sua frontiera e la sua strada.
Lo sento: raschia, sfrega, sorveglia,
Probabilmente affamato. Non importa.
Dopo di me, se ne andrà libero.
Per non essere mai più tempo.
________________

Narciso ed Eco
Illustrazione dal Romanzo della Rosa (1280)
...

Poema terrível


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Poema terrível
Poesia terribile


Viu tudo em Hiroshima.
Viu tudo em Chernobyl.
Estes nomes edificados sobre a morte:
A súbita síntese da luz,
O sopro irresistível,
A redução de tudo à sombra
A redução de tudo à terra.
Viu tudo nas ilhas do Pacífico,
No pacifico horizonte
Onde a morte se ensaiava
Na erecção vegetal e letal.
Viu tudo e tudo lhe cavou o olhar,
Descobriu que nascer talvez já não seja
O momento em que o homem reconhece a sua vida.
Vide tutto a Hiroshima.
Vide tutto a Chernobyl.
Questi nomi edificati sulla morte:
La fulminea sintesi della luce,
Il soffio incontrollabile,
La riduzione di tutto a ombra
La riduzione di tutto a terra.
Vide tutto nelle isole del Pacifico,
Nel pacifico orizzonte
Dove la morte si esercitava
Nell’erezione vegetale e letale.
Vide tutto e tutto gli strappò la vista,
Scoprì che forse ormai nascere non è più
Il momento in cui l’uomo riconosce la propria vita.
________________

Anselm Kiefer
Margarethe (1981)
...

Tentação


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Poesia liberdade (1947) »»
 
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Tentação
Tentazione


Diante do crucifixo
Eu paro pálido tremendo:
“Já que és o verdadeiro filho de Deus
Desprega a humanidade desta cruz.”
Davanti al crocifisso
Mi fermo pallido tremando:
“Giacché sei il vero figlio di Dio
Schioda l’umanità da questa croce.”
________________

Piero della Francesca
Crocifissione (1445-1462)

Nihil


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Nihil
Nihil


Profundo penoso
Das nuvens do inferno
Surgiu meu destino.

Grandeza não tive,
Nem jeito pra vida.

Nesta noite maquinal,
Ouvinte apenas da guerra,
Sem passado nem futuro,
Odiando o presente,
Me encontro face a face
Com a estátua do pó,
À toa, esperando
A mão do Criador
Finalmente me abater
Profondo ingrato
Dai fumi infernali
È nato il mio destino.

Non ebbi grandezza,
Né vocazione alla vita.

In questa notte surreale,
Ascoltando solo voci di guerra,
Senza passato né avvenire,
Esecrando il presente,
Mi ritrovo a quattr’occhi
Con la statua di gesso,
Nell’istintiva speranza
Che la mano del Creatore
Infine s’abbatta su di me.
________________

Johann Heinrich Füssli
Solitudine all'alba (1794-1796)

Emaús


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Emaús
Emmaus


Sempre és o hóspede – nunca és o rei.
Muito mais derrotado que vitorioso.
Quando chegas e bates ao meu coração
Eu não te reconheço – há luz demais –
Debruço-me sobre as gravuras do caminho.
Quando te afastas – acompanhado pelo peixe azul –
Quando as formas se movem como num aquário,
Então eu levanto enternecido a lanterna
E logo começo a desejar que voltes,
Fascinado pela tua obscuridade.
Sei sempre l’ospite – non sei mai il re.
Più spesso sconfitto che vittorioso.
Quando tu giungi ed al mio cuore bussi
Io non ti riconosco – troppa è la luce –
Mi chino sopra le impronte sul sentiero.
Quando t’allontani – seguito dal pesce blu –
Quando le forme si spostano come in un acquario,
Allora commosso io sollevo la lanterna
E mi metto subito a desiderare il tuo ritorno,
Ammaliato dalla tua impenetrabilità.
________________

Caravaggio
Cena di Gesù a Emmaus (1601)

A mulher visível


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A mulher visível
La donna visibile


Algo de enigmático e indeciso
Durante anos existiu entre nós,
Uma antemanhã de amor, uma vida sem marco.

Amavas Vermeer de Delft, os gatos e as mazurcas.
Sempre estiveste à espera da doçura,
Mas veio a violência em rajadas,
Vieram o pânico e a febre.

Não te pude ver doente nem morta:
Recebi a obscura notícia
Depois que as roseiras começavam a crescer
Sobre tua estreita sepultura.

Hoje existes para mim
De uma vida mais forte, em plenitude,
Daquela vida que ninguém pode arrebatar
– Nem o tempo, nem a espessura, nem os anjos maus
Que torturaram tua infância árida.

Hoje vives em mim
Com a doçura que sempre desejaste:
Alcanças enfim tua visibilidade.
Qualcosa di enigmatico ed incerto
Per anni c’è stato fra noi,
Un’aurora d’amore, una vita senza limiti.

Tu amavi Vermeer di Delft, i gatti e le mazurche.
Sei sempre stata in attesa di tenerezza,
Ma è arrivata la violenza a bordate,
Sono arrivati il panico e la febbre.
 
Né malata né morta t’ho potuta vedere:
M’han dato la tetra notizia
Quando un roseto cominciava ormai a crescere
Sul tuo angusto sepolcro.

Oggi tu esisti per me
D’una vita più intensa, più completa,
Di quella vita che nessuno può toglierti
– Né il tempo, né la materia, né gli angeli maligni
Che hanno afflitto la tua squallida infanzia.

Oggi tu vivi in me
Con la tenerezza cui hai sempre aspirato:
Finalmente conquisti la tua visibilità.
________________

Jan Vermeer
Giovane donna assopita (1657)

Poema barroco


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Poema barroco
Poesia barocca


Os cavalos da aurora derrubando pianos
Avançam furiosamente pelas portas da noite.
Dormem na penumbra antigos santos com os pés feridos,
 Dormem relógios e cristais de outro tempo, esqueletos de atrizes.

O poeta calça nuvens ornadas de cabeças gregas
E ajoelha-se ante a imagem de Nossa Senhora das Vitórias
Enquanto os primeiros ruídos de carrocinhas de leiteiros
Atravessam o céu de açucenas e bronze.

Preciso conhecer meu sistema de artérias
E saber até que ponto me sinto limitado
Pelos sonhos a galope, pelas últimas notícias de massacres,
  Pelo caminhar das constelações, pela coreografia dos pássaros,
Pelo labirinto da esperança, pela respiração das plantas,
E pelo vagido da criança recém-parida na Maternidade.

Preciso conhecer os porões de minha miséria,
Tocar fogo nas ervas que crescem pelo corpo acima,
Ameaçando tapar meus olhos, meus ouvidos,
E amordaçar a indefesa e nua castidade.

É então que viro a bela imagem azul-vermelha:
Apresentando-me o outro lado coberto de punhais,
Nossa Senhora das Derrotas, coroada de goivos,
Aponta seu coração e também pede auxílio.
I cavalli dell’aurora travolgendo pianoforti
S’addentrano furiosamente nelle porte della notte.
Nella penombra dormono antichi santi coi piedi feriti,
 Dormono orologi e cristalli d’altra epoca, scheletri di attrici.

Il poeta indossa nuvole ornate di profili greci
E si prostra davanti all’icona di Nostra Signora delle Vittorie
Mentre i primi cigolii dei barrocci dei lattai
Percorrono il cielo di fiordaliso e bronzo.

Bisogna che io conosca il mio sistema d’arterie
E sappia fino a che punto mi sento limitato
Dai sogni a briglia sciolta, dalle recenti notizie d’eccidi,
 Dal movimento delle costellazioni, dalla coreografia degli uccelli,
Dal labirinto della speranza, dal respiro delle piante,
E dal vagito del neonato appena partorito nella Maternità.

Bisogna che io conosca i sotterranei della mia miseria,
Che dia fuoco alle erbacce che mi crescono sul corpo,
Col rischio che si tappino i miei occhi, le mie orecchie,
E si raffreni la nuda e indifesa castità.

Ecco che ora giro la bella immagine rossa e blu:
Nel mostrarmi il lato opposto coperto di pugnali,
Nostra Signora delle Disfatte, coronata di viole,
Addita il suo cuore e chiede a sua volta aiuto.
________________

Gian Lorenzo Bernini
Estasi di Santa Teresa (1647-1652)

Os amantes submarinos


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As Metamorfoses (1944) »»
 
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Os amantes submarinos
Gli amanti sottomarini


Esta noite eu te encontro nas solidões de coral
Onde a força da vida nos trouxe pela mão.
No cume dos redondos lustres em concha
Uma dançarina se desfolha.
Os sonhos da tua infância
Desenrolam-se da boca das sereias.
A grande borboleta verde do fundo do mar
Que só nasce de mil em mil anos
Adeja em torno a ti para te servir,
Apresentando-te o espelho em que a água se mira,
E os finos peixes amarelos e azuis
Circulando nos teus cabelos
Trazem pronto o líquido para adormecer o escafandrista.
Mergulhamos sem pavor
Nestas fundas regiões onde dorme o veleiro,
À espera que o irreal não se levante em aurora
Sobre nossos corpos que retornam à água do paraíso.
Questa notte t’incontro nelle solitudini di corallo
Ove la forza della vita ci ha condotti per mano.
In cima ai tondi lampadari di conchiglie
Si spoglia una ballerina.
I sogni della tua infanzia
Scaturiscono dalla bocca delle sirene.
La grande farfalla verde del fondale marino
Che solo ogni mille anni rinasce
Volteggia intorno a te per servirti,
Porgendoti lo specchio in cui l’acqua si rimira,
E gli esili pesci gialli e blu
Circolando tra i tuoi capelli
Estraggono il liquido per addormentare il palombaro.
C’immergiamo senza timore
In queste profonde plaghe ove dorme il veliero,
Sperando che l’irreale non si sollevi all’alba
Sopra i nostri corpi che tornano all’acqua del paradiso.
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Damien Hirst
Tesori dal relitto dell'Incredibile
(Venezia - 2017)

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