Aquele mês


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Donizete Galvão »»
 
O Antipássaro (2018) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Aquele mês
Quel mese


Corpo. Nudez
exposta
além do limite
da humilhação.

Corpo. Posto
em máscaras.
Entubado. Campo
de agulhas.

Corpo. Sujo
de urina e fezes.
Lavado, manipulado
sobre lençóis.

Corpo. Definhando
nos braços de anjos
em contenda
com a insistente visitante.

Corpo. Nudità
esposta
oltre il limite
dell’umiliazione.

Corpo. Messo
in maschera.
Intubato. Campo
d’aghi.

Corpo. Sporco
d’urina e di feci.
Lavato, manipolato
sulle lenzuola.

Corpo. A consumarsi
tra le braccia degli angeli
in competizione
con l’assillante visitatrice.

________________

Beato Angelico
Guarigione miracolosa (1438-1442)
...

espaço interior


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
Antologia dos Sessenta Anos (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


espaço interior
spazio interiore


quando o poema
são restos do naufrágio
do espaço interior
numa furtiva luz
desesperada,

resvalando até
à superfície,
lisa, firme, compacta,
das coisas que todos
os dias agarramos,

quando
o poema as envolve
numa aura verbal
e se incorpora nelas,
ou são elas a impor-lhe

a sua metafísica
e o espaço exterior
que povoam de
temporalidades eriçadas,
luzes cruas, sons ínfimos, poeiras.
quando la poesia
non è che resti del naufragio
dello spazio interiore
in una furtiva luce
disperata,

che risale fino
alla superficie,
liscia, ferma, compatta,
delle cose che tutti
i giorni tocchiamo,

quando
la poesia le avvolge
in un’aura verbale
e vi s’incorpora,
o sono esse a imporle

la loro metafisica
e lo spazio interiore
che colmano di
temporalità da brivido,
di luci crude, di suoni infimi, di polveri.
________________

Serge Hamad
Temporal perception, petite vague (2018)
...

blues da morte de amor


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
Antologia dos Sessenta Anos (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


blues da morte de amor
blues del morir d’amore


já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida,
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.

a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.

há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: — morrer ou não morrer, darling, ah, sim.
ormai nessuno muore d’amore, io una volta
ci andai vicino, stavo proprio quasi,
erano tempi di comportamenti impulsivi,
depressioni sincopate, molto gravi, mia cara,
ma alla fine non morii, come si vede, ah, no,
passavo il tempo ad ascoltare dio e la musica jazz,
dimagrii molto, ma mi salvai in tempo, oh yes,
ah, sì, immerso nella notte, mia cara.

uno si sfiata e non sfonda, sente una stretta
al cuore, una tensione nel clarinetto e
tanto squallido il risultato, ma realmente,
ma realmente io non ho mai avuto disposizione, ah, no,
io non ho mai avuto la stoffa del kamikaze,
è tutta una questione di swing, di swing, mia cara,
saper uscire a tempo, saper uscire, è chiaro, ma sapere,
e io non mi sono pentito, mia cara, ah, no, ah, sì.

ci sono ritmi in strada che vanno di casa in casa,
all’accendersi delle luci, una qui, l’altra lì.
ma può darsi che un bel giorno il ciclone venga
sul finire della canzone e si fermi a casa mia,
cosa che non ho mai preteso, ah, no, fai tacere la gente,
mia cara, tutta la gente del quartiere,
e allora mormorerò, vedendo sfuggire la scala
del clarinetto: — morire o non morire, darling, ah, sì.
________________

Jim Porterfield
L'arte del blues (2012)
...

labirinto


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
Sombras com aquiles e pentesilea (1999) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


labirinto
labirinto


se mais vemos mais pensamos,
se mais andamos mais vemos.
tanto mais então andamos
quanto mais nos libertamos.
esta a condição que temos
como dentro de uma grade:
enredar-se em tantos ramos
ver a própria liberdade
estranhando na verdade
em tudo nos enredamos.
più vediamo più pensiamo,
più andiamo più veniamo.
perciò quanto più andiamo
tanto più ci liberiamo.
questa è la nostra condizione
come dentro una prigione:
imbrogliarsi in tanti rami
vedere la stessa libertà
rifuggire la verità
in tutto c’imbrogliamo.
________________

Friedrich Dürrenmatt
Labirinto I - Il Minotauro umiliato (1962)
...

soneto destruído


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
O Retrato de Francisca Matraco e Outros Poemas (1998) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


soneto destruído
sonetto distrutto


     materiais para sombras com aquiles e pentesileia
 
Talvez logo na berma de uma estrada
um par se beije transtornadamente
e o destino os separe de repente
entre as duas e as três da madrugada

talvez a lua fria os desinvente
e só lhes traga sombras e mais nada
e por saída só lhes dê a entrada
para o túnel da noite à sua frente

talvez então as faces se desolem
talvez depois em cinza e solidão
a aurora ponha um luto, talvez colem
as nuvens o seu dorso rente ao chão 

talvez por não ousar ninguém mereça
o que viveu. Talvez não amanheça.
     materiali per ombre con achille e pentesilea
 
forse adesso sul ciglio d'una strada
una coppia si bacia appassionatamente
ma il destino li separa immantinente
tra le due e le tre prima dell’alba
 
forse la fredda luna li cancella
e reca loro solo ombre e più niente
e indica loro come uscita l’entrata
del tunnel della notte lì di fronte
 
forse allora saranno affranti i loro volti
forse poi tra cenere e solitudine
l'aurora si vestirà di lutto, forse le nubi
s’adageranno a terra sui loro dorsi
 
forse per non aver osato, nessuno merita
ciò che ha vissuto. forse non si farà giorno.
________________

Stanislav Bojankov
Notturno CXIII (2016)
...

Elogios de Che Guevara - II


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
Poemas com (alguma) fúria & Novos elogios (2021) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Elogios de Che Guevara - II
Elogio di Che Guevara - II


2

     Há o morrer em lâmina fina
     do fuzilado ou em guilhotina
     e um morrer que se desmerece,
     morrer de cama, isto é, morrer-se.
     As astúcias da morte, João Cabral de Melo Neto

Agora jaz sobre uma padiola,
na lavanderia de Vallegrande.
Um cadáver de olhos abertos,
de peito e pés descobertos,
em sua épica e crua beleza.
Em volta tudo é penúria:
os soldados nos uniformes,
a parede e chão carcomidos,
os trapos e a maca de lona.
E lhe roubaram o relógio,
os diários e os poemas,
e lhe amputaram as mãos,
e o enterraram em segredo.
Foi a mensagem deste país
aos seus filhos e para o mundo,
da Bolívia, mera prostituta,
vendida por alguns dólares,
e na mais pública miséria!

2

     Vi è la morte per lama fina,
     per baionetta o per ghigliottina
     e una morte che si smorza,
     morir nel letto, vale a dir, morirsi.
     As astúcias da morte, João Cabral de Melo Neto

Adesso giace sopra una barella,
nella lavanderia di Vallegrande.
Un cadavere con gli occhi aperti,
il petto e i piedi scoperti,
nella sua epica e cruda bellezza.
Tutt’intorno è penuria:
i soldati nelle loro uniformi,
la parete e il pavimento scrostati,
gli stracci e la lettiga di tela.
E gli han rubato l’orologio,
i diari e le poesie,
e gli hanno amputato le mani,
e in segreto lo hanno seppellito.
Fu il messaggio di questo paese
ai suoi figli e al mondo,
dalla Bolivia, mera prostituta,
venduta per qualche dollaro,
e nella più pubblica miseria.


________________

Foto scattata da Marc Hutten
Il cadavere di Ernesto Guevara (1967)
...

Elogios de Che Guevara - I


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
Poemas com (alguma) fúria & Novos elogios (2021) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Elogios de Che Guevara - I
Elogio di Che Guevara - I


1

Ainda não se sabe ao certo
o que se saberá em seguida:
ensurdece em susto e pólvora
na triste aldeia La Higuera.

E a professora Julia Cortés
viu também quando o levaram,
pelos ares revoltosos,
atado aos patins do helicóptero,
feito estranho troféu de caça.
Para os vis tudo é vileza:
dirão que foi morto em combate,
no teatro de operações de Yuro.
Dirão para a imprensa e o mundo.

1

Ancora non si sa con certezza
quel che si saprà in seguito:
quel che assorda tra panico e polvere
nel triste borgo di La Higuera.

E la maestra Julia Cortés
ha visto anche quando l'han sollevato,
nell’aria turbinante,
legato ai pattini dell’elicottero,
come uno strano trofeo di caccia.
Tutto è viltà per i vili:
diranno che fu ucciso combattendo,
nel teatro d’operazioni di Yuro.
Lo diranno alla stampa e al mondo.


________________

Elena Serrano
Giorno dell'eroico guerrigliero (1968)
...

soneto da poesia narrativa


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
Poemas com pessoas (1997) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


soneto da poesia narrativa
sonetto della poesia narrativa


foi assim que cheguei à poesia narrativa:
nos poemas moviam-se figuras
e a essas figuras aconteciam coisas
e essas coisas tinham um sentido deslizante,
era uma espécie de hipálage do mundo:

com precisão a seta era dirigida
à maçã equilibrada na cabeça da criança,
mas devolvia-se ao arco, depois
de varar o coração dos circunstantes
e era a vibração do arco a derrubar o fruto,

num zunido do ar que a flecha deslocava
na sua trajectória. foi assim que cheguei
à poesia narrativa: havia flores nos alpes
e a corda em vibração levava à música.
fu così che arrivai alla poesia narrativa:
nelle poesie si muovevano delle figure
e a queste figure accadevano delle cose
e queste cose avevano un senso sfuggente,
era una specie d’ipallage del mondo:

con precisione la freccia era indirizzata
alla mela equilibrata sul capo del bambino,
ma ritornava all’arco, dopo
aver trapassato il cuore dei circostanti
ed era la vibrazione dell’arco a far cadere il frutto,

con un sibilo dell’aria che il dardo spostava
nella sua traiettoria. fu così che arrivai
alla poesia narrativa: c’erano fiori sulle alpi
e la corda in vibrazione invitava alla musica.
________________

Vassily Kandinsky
Arco e freccia (1923)
...

junto ao retrato


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
Poemas com pessoas (1997) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


junto ao retrato
accanto al ritratto


era vermelha a rosa
que a minha mulher cortou para pôr junto ao retrato
de minha mãe, que fazia anos ontem.
era de um fulgor surdo e recatado,
a implodir tantas coisas já sem nome
para o interior macio das pétalas.

"pus uma rosa do jardim junto ao retrato
da tua mãe", disse ela então ao telefone,
"uma rosa vermelha muito bonita", acrescentou
com uma leve sombra na voz e era sombria
a rosa, mesmo ao telefone, por ser o dia 
dos seus anos. e era sombrio recordá-la.

uma flor pode ser de uma obscura incandescência
junto de alguém. prende-se a delicados filamentos da
 memória
como a cabelos enredados. era sombria a rosa
sobre a cabeça branca, o olhar bondoso, as feições
 plácidas,
o que de minha mãe não se desfigorou
e a rosa iluminava devagar, 
junto ao retrato. 
era rossa la rosa
che mia moglie recise per metterla accanto al ritratto
di mia madre, che ieri compiva gli anni.
era d’uno splendore cupo e discreto,
che faceva implodere tante cose già senza nome
verso il cuore vellutato dei petali.

"ho messo una rosa del giardino accanto al ritratto
di tua madre", ella disse allora al telefono,
"una rosa rossa molto bella", aggiunse
con una lieve tristezza nella voce ed era triste
la rosa, persino al telefono, perché era il giorno 
del suo compleanno. ed era triste ricordarla.

un fiore può avere una cupa incandescenza
accanto a qualcuno. s’aggrappa a delicati filamenti della
 memória
come a capelli intrecciati. era triste la rosa
sopra la testa bianca, lo sguardo benevolo, le placide
 fattezze,
che in mia madre erano rimasti intatti
e che la rosa lievemente illuminava, 
accanto al ritratto. 
________________

René Magritte
La tomba dei lottatori (1960)
...

Olympia


Nome :
 
Collezione :
Fonte :
 
Altra traduzione :
Nuno Rocha Morais »»
 
Poesie inedite »»
nunorochamorais.blogspot.com (novembre 2021) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Olympia
Olimpia


Olímpica na sua nudez,
Esta mulher é uma declaração de guerra –
À moralidade burguesa, às regras da arte,
Aos olhos dos homens que fita e rapta
Com desassombro, sem pudor.
Causaram quase igual escândalo
O gato aos pés da cama, de dorso arqueado,
Como arqueado de desejo,
Como se nele encarnasse o próprio monte de Vénus.
O pé descalço e outro molemente calçado
Com a chinelinha de marroquim,
O camafeu sobre os seios, a pulseira de pingente,
Porque nunca uma mulher foi pintada assim,
Sem disfarce místico, sem uma roupagem
Que, apesar da nudez, ainda a revestisse;
Nunca uma mulher foi pintada assim,
Tão à flor de ser mulher.

Olimpica nella sua nudità,
Questa donna è una dichiarazione di guerra –
Alla moralità borghese, alle regole dell’arte,
Agli occhi degli uomini che ella fissa e cattura
Con schiettezza, senza pudore.
Causarono uno scandalo quasi identico
Il gatto, in fondo al letto, col dorso inarcato,
Come se inarcato dal desiderio,
Come se in lui s’incarnasse lo stesso monte di Venere.
Il piede scalzo e l’altro languidamente calzato
Nella ciabattina di marocchino,
Il cammeo sopra il seno, il bracciale con pendente,
Perché mai una donna fu dipinta così,
Senza finzione mistica, senza alcun mascheramento
Che, pur nella nudità, un po’ la rivestisse;
Mai una donna fu dipinta così,
Con tale sfoggio d’esser donna.

________________

Édouard Manet
Olimpia (1863)
...

fanny


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
Poemas com pessoas (1997) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


fanny
fanny


fanny, a grande
amiga de minha mãe,
ossuda, esgalgada,
de cabelo escuro e curto,
e filha de uma inglesa,

tinha um sentido prático
extraordinário e era
muito emancipada, para
os costumes da foz
daquele tempo.

uma vez, estando
sozinha no cinema, sentiu
a mão do homem a
seu lado deslizar-lhe
pela coxa. prestou-se a isso e

deixou-a estar assim,
com toda a placidez. mas abriu
discretamente a carteira de pelica,
tirou a tesourinha das unhas
e quando a mão no escuro

se imobilizou mais tépida,
apunhalou-a num gesto
seco, enérgico, cirúrgico.
o homem deu um salto
por sobre os assentos e

fugiu num súbito
relincho da
mão furada.
fanny foi sempre
de um grande despacho,

na sua solidão muito
ocupada num escritório. um dia
atirou-se da janela
do quinto andar
e pronto.
fanny, la grande
amica di mia madre,
ossuta, slanciata,
dai capelli scuri e corti,
e figlia di un’inglese,

aveva un senso pratico
straordinario ed era
molto emancipata, per
i costumi di foz
a quei tempi.

una volta, seduta
da sola al cinema, sentì
la mano dell’uomo al
suo fianco scivolarle
lungo la coscia. stette al gioco e

la lasciò stare lì,
con tutta calma. ma aprì
discretamente l’astuccio di cuoio,
ne tolse le forbicine per le unghie
e quando la mano al buio

s’immobilizzò più distesa,
la pugnalò con un gesto
secco, energico, chirurgico.
L’uomo sobbalzò
sopra la poltroncina e

fuggì con un strano
nitrito per la
mano bucata.
fanny ebbe sempre
una gran risolutezza,

nella sua solitudine molto
indaffarata in un ufficio. un giorno
si buttò dalla finestra
del quinto piano
e fine.
________________

Ubaldo Oppi
Donna con abito rosso (1913)
...

éguas e vento


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
Poemas com pessoas (1997) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


éguas e vento
giumente e vento


dizes que emprenham éguas do vento
dizes que o vento não lhes dá tréguas,
dizes que o tejo corre barrento
por muitas léguas.

dizes que bebem nas águas éguas,
crina enredada, ventre sedento,
digas, desdigas, o vento é cego: as
margens fogem no assombramento.

no rodopio vai-se a paisagem
e a égua é fogo. De alucinada,
quando os sentidos turvos reagem,

suão fecundo, estéril nortada:
dão seus relinchos através da imagem
potros de nada.
dici che le giumente ingravidano col vento
dici che il vento non dà loro tregua,
dici che il tago scorre turbolento
per molte leghe.

dici che bevono quelle acque le giumente,
criniere arruffate, ventre bramoso,
che tu dica o disdica, il vento è cieco: i
contorni sfuggono nell’offuscamento.

nel turbinio svanisce il paesaggio
e la giumenta è fuoco. Allucinata,
quando smaniosi reagiscono i sensi,

fecondo il sudore, sterile la tramontana:
attraverso la fantasia mandano nitriti
puledri fatti di niente.
________________

Giorgio De Chirico
Divini cavalli (1963)
...

Elogio de Walter Benjamin


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
Poemas com (alguma) fúria & Novos elogios (2021) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Elogio de Walter Benjamin
Elogio di Walter Benjamin


Os anjos em Portbou

    Ouço que levantaste a mão contra ti mesmo
    Te antecipando ao carniceiro.
    Oito anos desterrado, observando a ascenção do inimigo.
    O suicídio do fugitivo W.B., Bertolt Brecht

1
Nestas falésias não aportam mais anjos,
senão uns fiapos de nuvens e gaivotas.
Ali aportaram, mas no outono de 1940,
grupos e grupos de refugiados de guerra,
atulhados de malas, alforjes e crianças,
todos eles a pé, nas trilhas dos Pireneus,
através bosques, plátanos e pinheiros,
ladeados de tristes casas de pedra ocre.
Fugiam do nazismo e da França ocupada,
para, atravessando a Espanha e Lisboa,
embarcarem enfim rumo às Américas.

2
A cidadezinha portuária de Portbou,
nas margens azuis do Mediterráneo,
onde vigiava um posto de alfándega,
há tempos dispensara todos os anjos,
substituindo-os pela policia aduanera.
E não há vez para fugas, naquele dia,
fins de um úmido e ameno setembro:
as fronteiras permaneciam fechadas.

3
O único ajo que por lá se arrisca,
vai apertado no fundo da mala
de Walter Benedix Benjamin.
Um anjo assustado e vesgo,
sugestivo desenho de Paul Klee,
misturado a alguns manuscritos.
E agrupados vão, noutra mala,
sapatos, quatro peças de roupas,
o cachimbo, um relógio de ouro,
quinhentos francos, uns dólares,
fotografias, óculos e jornais.

4
O Angelus Novus deste homem
segue desterrado numa velha mala:
tem as asas presas pela tempestade
que sopra do paraíso, sem cessar,
e com os olhos arregalados só vê
o acúmulo de ruinas, a barbárie,
pilhas de mortos se amontoando,
sem redenção ou misericórdia,
uns sobre os outros, até os céus.

5
O anjo, que só vê o passado,
é o Anjo da História (de Benjamin):
volta sempre as costas
e as asas para o futuro.
Mas se visse os acontecimenntos,
as sucessivas carnificinas,
ocasos e catástrofes,
que ainda esperam os instantes
no grande incêndio universal,
ele cegaria os próprios olhos,
como fez Édipo em Tebas,
para não enxergar nunca mais!

6
E este anjo torto agora percebe
na pousada Fonda de Francia,
onde pernoitaram, angustiados-
os olhos tristes do filósofo judeu
lembrando a sua própria história:
sucessão de perdas e infortúnios
que nem no exílio o deixaram.
Ele gritou: - Benjamin! Benjamin!
Tentando, quem sabe, acordá-lo,
(mas não havia som em seu grito).
E ele vê quando as mãos trêmulas
destampam um vidro de remédio,
para ingerir, e de uma única vez,
os vários comprimidos amarelos.

7
Hoje quem passa por lá
encontra um monumento
e um estranho turismo de suicídio.
Percorre, bem devagar, sombras,
escadarias, quartos e inscrições.
A cidadezinha portuária de Portbou,
às margens azuis do Mediterráneo,
è dos lugares mais belos da Catalunha.
Mas, desde então, como há muito,
todos os anjos se apartaram do mundo.

Gli angeli a Portbou

      Ho saputo che hai alzato la mano contro te stesso
      prevenendo il macellaio.
      Esule da otto anni, osservando l’ascesa del nemico
      Per il suicidio del profugo W.B., Bertolt Brecht

1
A queste falesie non approdano più angeli,
soltanto qualche brandello di nuvole e gabbiani.
Lì approdarono, era l’autunno del 1940,
gruppi e gruppi di profughi di guerra,
stracarichi di valigie, bisacce e bambini,
tutti a piedi, lungo i sentieri dei Pirenei,
in mezzo a boschi di platani e a pinete,
fra tristi case di pietra color ocra.
Fuggivano dal nazismo e dalla Francia occupata,
per poter infine far vela verso le Americhe,
attraversando la Spagna e Lisbona.

2
La cittadina portuale di Portbou,
sulle azzurre sponde mediterranee,
dove vigilava un posto di dogana,
da tempo aveva licenziato tutti gli angeli,
sostituendoli con la policia aduanera.
E non c’era modo di fuggire quel giorno,
alla fine d’un umido e ameno settembre:
le frontiere rimanevano chiuse.

3
L’unico angelo che s’avventura là,
si trova stretto in fondo alla valigia
di Walter Benedix Benjamin.
Un angelo spaurito e strabico,
suggestivo disegno di Paul Klee,
mescolato ad alcuni manoscritti.
E ammucchiati, in un’altra valigia,
ci sono scarpe, un po’ di biancheria,
la pipa, un orologio d’oro,
cinquecento franchi, qualche dollaro,
fotografie, occhiali e giornali.

4
L’Angelus Novus di quest’uomo
lo scorta, esiliato in una vecchia valigia:
ha le ali intrappolate nella tempesta
che soffia dal paradiso, senza sosta,
e con gli occhi stralunati vede soltanto
l’ammasso di rovine, la barbarie,
i cumuli di morti ammucchiati,
senza redenzione o misericordia,
gli uni sugli altri, fino al cielo.

5
L’angelo, che vede solo il passato,
è l’Angelo della Storia (di Benjamin):
volta sempre le spalle
e le ali al futuro.
Ma se vedesse gli avvenimenti,
le prossime carneficine,
i tramonti e le catastrofi,
che ancora sono in attesa degli istanti
del grande incendio universale,
egli si trafiggerebbe gli occhi,
come fece Edipo a Tebe,
per non dover mai più vedere!

6
E quest’angelo strambo ora comprende
nella pensione Fonda de Francia,
dove han pernottato, angosciati -
gli occhi tristi del filosofo ebreo
ricordando la sua storia personale:
successione di perdite e disgrazie
che l’han seguito anche in esilio.
E grida: - Benjamin! Benjamin!
Tentando, chissà, di risvegliarlo,
(ma non v’era suono in quel suo grido).
Ed egli vede quando le mani tremanti
stappano una boccetta di pastiglie,
per ingerire, e in un colpo solo,
tutte quelle compresse gialle.

7
Oggi chi passa di là
vi trova un monumento
e un singolare turismo di suicidio.
Esplora, con lentezza, tra le ombre,
le scalinate, le stanze e le iscrizioni.
La cittadina portuale di Portbou,
sulle azzurre sponde mediterranee,
è tra le località più belle della Catalogna.
Ma, da allora, è tanto tempo ormai,
tutti gli angeli si sono estraniati dal mondo.


________________

Paul Klee
Angelus Novus (1920)
...

aquiles e a tartaruga


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
Poemas com pessoas (1997) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


aquiles e a tartaruga
achille e la tartaruga


aquiles pé leve, emigrante alentejano,
perseguia incessantemente silvina
das galápagos, sem conseguir alcançá-la. no metro,
por exemplo, ela ia sempre uma
carruagem a frente e quando aquiles
corria para a porta, ela já estava a subir
a escada rolante, mas silvina queria casar
e um dia fingiu que se deixava
convencer. O paradoxo é que,
como ela era infinitamente variável,
aquiles nunca pôde encontrá-la realmente, nem quando
o dr. zenão, que os examinou, mandou internar ambos.
achille piè leggero, emigrante dell’alentejo,
inseguiva incessantemente silvina
delle galapagos, senza riuscire a raggiungerla. sulla metro,
per esempio, lei andava sempre
una carrozza più avanti e quando achille
correva verso la porta, lei stava già salendo
sulla scala mobile, ma silvina si voleva sposare
e un giorno finse d’essersi lasciata
convincere. Il paradosso è che,
poiché ella era infinitamente mutevole,
achille mai poté incontrarla realmente, neppure quando
il dr. zenone, che li visitò, li fece internare entrambi.
________________

Nick Levy
Tartaruga sognante (arte aborigena)
...

teve lenta agonia a minha mãe...


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
Sonetos familiares (1995) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


teve lenta agonia a minha mãe...
ebbe una lenta agonia mia madre...


teve lenta agonia a minha mãe:
seu ser tornou-se num puro sofrimento
e a sua voz apenas um lamento
sombrio e lancinante, mas ninguém

podia fazer nada. era novembro,
levou-a o sol da tarde quando a face
lhe serenou. foi como se acordasse
outra espessura dela em mim. Relembro

sombras e risos, coisas pequenas, nadas,
e horas graves da infância e da idade adulta
que este silêncio oculta e desoculta
nessas pobres feições desfiguradas.

quanta canção perdida se procura,
quanta encontrada em lágrimas murmura.
ebbe una lenta agonia mia madre:
l’essere suo si fece pura sofferenza
e la sua voce non fu che un lamento
cupo e lancinante, ma nessuno

poteva fare nulla. era novembre,
se la prese il sole della sera quando il volto
le rasserenò. fu come se di lei si ridestasse
in me un’altra consistenza. Ricordo

ombre e risate, piccole cose, inezie,
ed ore gravi dell’infanzia e dell’età adulta
che questo silenzio occulta e disocculta
su queste povere deturpate sembianze.

quante perdute melodie si van cercando,
quante se ne trovano in lacrime mormorando.
________________

Caravaggio
Morte della Vergine (particolare) (1601-1606)
...

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas dos dias (22) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (4) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)