Imagem


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
Um Canto na Espessura do Tempo (1992) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Imagem
Immagine


O homem que falava sozinho na estação central de munique
L’uomo che parlava da solo alla stazione centrale di monaco
que língua falava? Que língua falam os que se perdem assim, nos
che lingua parlava? Che lingua parlano quelli che si perdono così, nei
corredores das estações de comboio, à noite, quando já nenhum
corridoi delle stazioni ferroviarie, di notte, quando ormai nessun
quiosque vende jornais e cafés? O homem de
chiosco vende più giornali né caffè? L’uomo di
munique não me pediu nada, nem tinha o ar de
monaco non mi chiese nulla, né aveva l’aria di
quem precisasse de alguma coisa, isto é, tinha aquele ar
uno che avesse bisogno di qualcosa, vale a dire, aveva l’aria
de quem chegou ao último estado
di chi sia arrivato all’ultimo stadio
que é o de quem não precisa nem de si próprio. No entanto,
che poi è quello di chi non ha bisogno neppure di sé stesso. E intanto,
falou-me: numa língua sem correspondência com linguagem
mi parlò: in una lingua senza corrispondenze con nessun
alguma de entre as possíveis de exprimirem emoção
linguaggio fra quelli capaci di esprimere emozioni
ou sentimento, limitando-se a uma sequência de sons cuja lógica
o sentimenti, limitandosi a una sequenza di suoni la cui logica
a noite contrariava. Perguntar-me-ia se eu compreendia acaso
la notte contrastava. M’avrà forse chiesto se io per caso capissi
a sua língua? Ou queria dizer-me o seu nome e de onde vinha
la sua lingua? O voleva dirmi il suo nome e da dove veniva
— àquela hora em que não estava nenhum comboio
— a quell’ora in cui non c’era nessun treno
nem para chegar nem para partir? Se me dissesse isto,
né in arrivo né in partenza? Se mi avesse detto questo,
ter-lhe-ia respondido que também eu não esperava ninguém,
gli avrei risposto che neppure io aspettavo qualcuno,
nem me despedia de alguém, naquele canto de uma estação
né mi separavo da qualcuno, in quell’angolo d’una stazione
alemã; mas poderia lembrar-lhe que há encontros que só dependem
tedesca; ma avrei potuto ricordargli che ci sono incontri che dipendono solo
do acaso, e que não precisam de uma combinação prévia
dal caso, e che non necessitano di previa pianificazione
para se realizarem. – É então que os horóscopos adquirem sentido;
per realizzarsi. – È in questi casi che gli oroscopi hanno senso;
e a própria vida, para além deles, dá um destino à solidão
     que empurra
e la vita stessa, al di là di questi, dà un senso alla solitudine
     che spinge
alguém para uma estação deserta, à hora em que já não
     se compram
qualcuno in una stazione deserta, all’ora in cui ormai non si
     comprano più
jornais nem se tomam cafés, restituindo um resto de alma ao corpo
più giornali né si prendono caffè, restituendo un resto d’anima al corpo
ausente — o suficiente para que se estabeleça um diálogo, embora
assente – quanto basta perché si stabilisca un dialogo, anche se
ambos sejamos a sombra do outro. É que, a certas horas
     da noite,
entrambi non siamo che l’ombra dell’altro. Il fatto è che, a certe ore
     della notte,
ninguém pode garantir a sua própria realidade, nem quando outro
nessuno può garantire la propria stessa realtà, neanche quando l’altro,
como eu próprio, testemunhou toda a solidão do mundo
come io stesso, testimoni tutta la solitudine del mondo
arrastada num deambular de frases sem sentido numa estação morta.
trascinata in una sequela di frasi senza senso in una stazione morta.

________________

Anselm Kiefer
Abendland (Occidente) (1989)
...

Definição


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
Um Canto na Espessura do Tempo (1992) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Definição
Definizione


Quem esquece o amor, e o dissipa, saberá
que sentimento corrompe, ou apenas se o coração
se encontra no vazio da memória? O vento
não percorre a tarde com o seu canto alucinado,
que só os loucos pressentem, para que tu
o ignores; nem a sabedoria melancólica das árvores
te oferece uma sombra para que lhe
fujas com um riso ágil de quem crê
na superfície da vida. Esses são alguns limites
que a natureza põe a quem resiste à convicção
da noite. O caminho está aberto, porém,
para quem se decida a reconhecê-los; e os próprios
passos encontram a direcção fácil nos sulcos
que o poema abriu na erva gasta da linguagem. Então,
entra nesse campo; não receies o horizonte
que a tempestade habita, à tarde, nem o vulto inquieto
cujos braços te chamam. Apropria-te do calor
seco dos vestíbulos. Bebe o licor
das conchas residuais do sexo. Assim, os teus lábios
imprimem nos meus uma marca de sangue, manchando
o verso. Ambos cedemos à promiscuidade do poente,
ignorando as nuvens e os astros. O amor
é esse contacto sem espaço,
o quarto fechado das sensações,
a respiração que a terra ouve
pelos ouvidos da treva.

Chi dimentica l'amore e lo dilapida, avrà inteso
che il sentimento si corrompe oppure che il cuore
si trova in un vuoto di memoria? Il vento
non percorre la sera col suo canto allucinato,
che solo i folli percepiscono, perché tu
lo ignori; né la malinconica saggezza degli alberi
ti offre un’ombra perché tu la
rifugga con l’agile risata di chi confida
nella superficie della vita. Questi sono dei limiti
che la natura pone a chi resiste alle seduzioni
della notte. Tuttavia, la strada è aperta,
per chi si decide a riconoscerli; e i loro stessi
passi trovano facilmente la via nei solchi
che la poesia ha aperto nell’erba calpestata della lingua. Allora,
entra in questo campo; non temere l’orizzonte
occupato dalla tempesta, la sera, né l’ombra inquieta
le cui braccia ti chiamano. Adeguati al calore
secco delle anticamere. Bevi il liquore
dai gusci residui del sesso. Così, le tue labbra
imprimono alle mie una traccia di sangue, che macchia
il verso. Noi due abbiamo ceduto alla promiscuità del ponente,
ignorando le nuvole e gli astri. L'amore
è questo contatto senza spazio,
la stanza chiusa delle sensazioni,
il respiro che la terra sente
con le orecchie della tenebra.

________________

John Constable
Tempesta di pioggia sul mare (1824-1828)

Écloga


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
A partilha dos mitos (1982) - Poesia Reunida 1967-2000 »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Écloga
Egloga


Encontrei o segredo, a chave de vidro
das palavras que escrevo, e tenho medo.
Talvez nos campos imensos onde o lírio floresce,
na margem de rio que abriga, de manhã cedo,
os teus pés de ninfa, num engano de idade,
me tenhas visto à sombra de um rochedo,
e se os teus lábios, entreabertos num torpor
de romã, me tocaram num sonho bêbedo,
deles só lembro, imprecisos, fluxos
de incêndio numa hipótese de amor.

Ho trovato il segreto, la chiave di vetro
delle parole che scrivo, ed ho paura.
Forse nei campi immensi ove il giglio fiorisce,
sulla riva del fiume che accoglie, di buon mattino,
i tuoi piedi di ninfa, per uno scherzo dell’età,
devi avermi visto all'ombra d’una roccia,
e se le tue labbra, socchiuse in un torpore di
melagrana, m'hanno toccato in un ebbro sogno,
io di loro rammento solo, indistinte, vampate
d’incendio in un’ipotesi d'amore.

________________

Charles Amable Lenoir (1860-1926)
Ninfa nel bosco

Écloga


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
Nos braços da exigua luz (1976) - Poesia Reunida 1967-2000 »»
 
Francese»»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Écloga
Egloga


Sonhei contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes, tu a quem chamo
amor, cada ano pudesse trazer
um pouco mais de convicção a
esta palavra. É verdade o sonho
poderá ter feito com que, nesta
rarefação de ambos, a tua presença se
impusesse - como se cada gesto
do poema te restituísse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus
lábios com o rebordo desta chávena
de café já frio. Então, bebo-o
de um trago o mesmo se pode fazer
ao amor, quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço -
terra, água, nuvens, rios e
o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência
das fontes. É isto, porém, que
faz com que a solidão não seja mais
do que um lugar comum saber
que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me
responda quando, uma vez mais
te chamo.

Ho sognato di te anche se nessun sogno
possa avere abitanti, te che io chiamo
amore, vorrei che ogni anno potesse aggiungere
un po’ più di convinzione a
questa parola. È vero, il sogno
potrà aver fatto sì che, in questa
rarefazione di entrambi, la tua presenza
s'imponesse - come se ogni accenno
della poesia ti restituisse un corpo
che io sento nel dire il tuo nome,
confondendo le tue
labbra col bordo di questa tazzina
di caffè già freddo. Allora, lo bevo
tutto d'un sorso: lo stesso si può fare
con l’amore, dato che tra me e te
s’è insediato tutto questo spazio -
terra, acqua, nuvole, fiumi e
l'oscuro lago del tempo
che l’inverno ruba alla trasparenza
delle fonti. È questo, però, che
fa sì che la solitudine non sia altro
che un luogo comune: sapere
che esisti, qui, e stare con te,
pur se solo il silenzio mi
risponde quando, una volta di più
ti chiamo.

________________

Giorgio Morandi
Natura morta con manichino (1918)

Génese


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
A Condescendência do Ser (1988) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Génese
Genesi


Todo o poema começa de manhã, com o sol. Mesmo
que o poema não esteja à vista (isto é céu de chuva)
o poema é o que explica tudo, o que dá luz
à terra, ao céu, e com nuvens à mistura – a luz incomoda
quando é excessiva. Depois, o poema sobe
com as névoas que o dia arrasta; mete-se pelas copas das
árvores, canta com os pássaros e corre com os ribeiros
que vêm não se sabe de onde e vão para onde
não se sabe. O poema conta como tudo é feito:
menos ele próprio, que começa por um acaso cinzento,
como esta manhã, e acaba, também por acaso.
com o sol a querer romper.

Ogni poesia comincia di mattina, col sole. Anche
se la poesia non è ancora visibile (c’è un cielo da pioggia)
la poesia è ciò che spiega tutto, ciò che dà luce
alla terra, al cielo, con l’aggiunta di nuvole – la luce disturba
quando è eccessiva. Poi, la poesia si alza
con le brume che il giorno trascina; s’insinua tra le chiome degli
alberi, canta con gli uccelli e corre coi rigagnoli
che vengono chissà da dove e dove vanno
non si sa. La poesia racconta com’è fatta ogni cosa:
meno se stessa, che, per un caso, incomincia plumbea,
come questa mattina, e finisce, sempre per caso.
col sole sul punto d'irrompere.

________________

 
Festival Internazionale di Poesia di Medellín
Giugno 2004

Acontece, às vezes, que sou demasiado velho...


Nome:
 
Collezione:
Fonte:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Galeria (2016) »»
http://nunorochamorais.blogspot.com (luglio 2019) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Acontece, às vezes, que sou demasiado velho...
Succede, a volte, che son troppo vecchio...



« J'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans. »
    Charles Baudelaire

Acontece, às vezes, que sou demasiado velho.
Caudaloso, transbordo das margens,
Sinto-me maior que a ciência do tempo
E nada há que eu não tenha feito
E não há espesso cansaço que eu não conheça.
Tudo parece repetir-se
No fluxo de um ciclo conhecido e fechado,
Tudo possui um eco dentro da minha idade.
Já não me espanto somando as ruas
E as gentes com as estações.
O timbre da lágrima ou do riso sobre a página
Despertam o verso mais citado,
O verso que, de tão famoso, é já silêncio.
Venci a densa questão e o medo e a maravilha.
Acontece, às vezes, que sou demasiado velho,
Que em mim a vida mata por ser infinita.

«Ho più ricordi che se avessi mille anni.»
    Charles Baudelaire

Succede, a volte, che son troppo vecchio.
Impetuoso, straripo dagli argini,
Mi sento superiore alla scienza del mio tempo
E non v’è nulla ch’io non abbia fatto
E non v’è dura fatica ch’io non conosca.
Tutto sembra ripetersi
Nel flusso d’un ciclo conosciuto e concluso,
Tutto possiede un’eco dentro la mia età.
Ormai non ho paura di sommare le strade
E le persone con le stagioni.
L’impronta d’una lacrima o d’un sorriso sulla pagina
Mi rammentano il verso più citato,
Quel verso così famoso, da esser già silenzio.
Ho superato l’intimo dilemma e la paura e lo stupore.
Succede, a volte, che son troppo vecchio,
Che la vita mi sfinisce, per essere infinita.

________________

Albrecht Dürer
San Girolamo nello studio (1514)

Elogios de Cesar Vallejo - V


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
Poemas do Desalento & Alguns Elogios (2019) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Elogios de Cesar Vallejo

V
Elogi di Cesar Vallejo

V


Nada temas. A morte é assim.
Acaba que ninguém faz falta,
pois restará sempre um consolo.
Perto daqui um doente dorme,
depois da dose diária de morfina,
a boca revirada para cima,
os dois pés descobertos.
Um nadinha a mais,
um nadinha a menos,
e lá vai ser enterrado,
surdo à sua barriga inchada,
diante da qual os médicos costumavam
cavilar e discutir demoradamente,
para, afinal, vencidos, pronunciar
suas banais palavras de homens.
A família rodeia o paciente, falando baixinho,
agrupando-se diante de suas têmporas indefesas.
Já não existe lar, a não ser ali, só ali,
em torno da mesinha esmaltada de branco,
onde montam guarda seus chinelos vazios.
A morte se aninha ao pé da cama,
para dormir nas águas tranquilas.
De repente se isola, com biombos, um leito.
Os biombos são as velas enfunadas do barco,
por onde o defunto descerá aos solavancos.
Médicos e enfermeiras trocam olhares furtivos.
Desinfeta-se, rapidamente,
o colchão plástico,
e, logo, no mesmo local,
estará outro doente,
ocupando o posto,
em decúbito dorsal,
olhando para o teto.


Non temere. La morte è così.
Finisce che nessuno lascia un vuoto,
perché resterà sempre un conforto.
Qui vicino dorme un malato,
dopo la dose diaria di morfina,
la bocca rivolta verso l’alto,
i due piedi scoperti.
Basta un pochino di più,
un pochino di meno,
ed ecco verrà sotterrato,
indifferente alla sua pancia gonfia,
davanti a cui i medici eran soliti
cavillare e discutere minuziosamente,
per pronunciare, infine, sconfitti
le loro banali parole d'uomini.
La famiglia attornia il paziente, parlando pianino,
affollandosi davanti alle sue tempie indifese.
Ormai non c’è più casa, se non lì, solo lì,
intorno al comodino smaltato di bianco,
ove montano di guardia le sue ciabatte vuote.
La morte s’annida ai piedi del capezzale,
per dormire in acque tranquille.
D’un tratto si isola, con paraventi, un letto.
I paraventi sono le vele spiegate della barca,
su cui il defunto scenderà a sobbalzi.
Medici e infermiere si scambiano sguardi furtivi.
Si disinfetta, rapidamente,
il materasso di gomma,
e, subito, nella stessa stanza,
ci sarà un altro malato,
ad occupare quel posto,
in decubito dorsale,
fissando il soffitto.

________________

Silvestro Lega
Giuseppe Mazzini morente (1873)
...

Elogios de J. L. Borges - III


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
Poemas do Desalento & Alguns Elogios (2019) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Elogios de J. L. Borges

III
Elogi di J. L. Borges

III


 ...Te espera el mármol
 que no leerás. En él ya están escritos
 la fecha, la ciudad y el epitafio.

 — "A quien está leyéndome", J. L. Borges

Entra em silêncio
com respeito pelos mortos.
Entanto, este não é o Cemitério da Recoleta,
em Buenos Aires,
cidade onde nasci e vivi,
onde se encontram os restos de Bioy Casares,
escritor e amigo,
os despojos de minha família,
e ainda Eva Perón, a Evita,
emblema do peronismo que tanto me fez mal
e tanto odiei.
(Engraçado, hoje, o Recoleta,
pela ostentação dos túmulos,
pelo luxo inútil que apregoa,
virou até ponto de turismo.)

Não. Não falo do Recoleta.
Ao contrário do que se esperava
o cemitério é outro.
Fica na Rue des Rois, em Genebra.
Conhecido antes como Cemitério dos Reis,
é o atual Cemitério de Plainpalais,
o qual demonstra, por ser dos Reis e afins,
que as diferenças e castas que em vida nos separam,
se perpetuam, na morte, em sinistras genealogias
e também em estranhezas perfeitas.

Pois eu que fui humilde bibliotecário de subúrbio,
muitas vezes infeliz, com lágrimas nos olhos
, ao notar o vazio de minha existência,
minha penúria e anonimato,
depois de morto me igualaram aos reis,
embora meus ossos não se importem
com tudo isso e mais o resto.
Bem sei, ironias são parte de minha história:
a de Diretor da Biblioteca Nacional,
anos depois,
estando já completamente cego,
sem distinguir a lombada de um livro qualquer,
parece-me uma das melhores.

Portanto,
entra em silêncio,
retira o chapéu.
Procura, dentre todos os túmulos,
o de aspecto mais esquisito:
uma lápide em granito branco,
que o tempo já escureceu um pouco,
compacta, de bordas irregulares,
onde se encontram símbolos,
- uma nave viking e uma cruz de Gales -
e inscrições em anglo-saxão antigo,
a língua, entre todas, que mais amei.
Nela está esculpido, em alto-relevo,
 JORGE LUIS BORGES,
as datas de meu início e fim:
Buenos Aires – 1899 Genebra – 1986.
E para não fugir às ironias de minha vida,
que sempre me fascinaram
como os labirintos e os espelhos,
as sombras e as normas,
as formas que destecem e tecem as existências,
no Cemitério dos Reis,
para me fazer companhia,
(tanto perdura o tempo que nos sobra)
estão, entre outras eminências:
João Calvino, um reformador religioso,
circunspecto, de pouca conversa,
e que continua pregando.
E, ao meu lado, num jazigo simples,
em minúscula cerca de madeira,
Grisélidis Réal, nascida em Lausanne,
cuja indiscutível realeza
incorporou-se ao próprio sobrenome.
Feminista e revolucionária,
irreverente e polemista,
mas, sobretudo,
“Escritora, pintora, prostituta”,
conforme reza a plaquinha debochada:
Écrivain-Peintre-Prostituée, 1929-2005,
e com a qual passo tardes divertidas,
conversando sobre literatura, poesia,
e toda a sorte de assuntos delicados,
alguns vis,
outros nem tanto,
em nossa vasta e comum eternidade.


 ...T’aspetta il marmo
 che non leggerai. Già porta incise
 la data finale, la città e l’epitaffio.

 — “A chi mi sta leggendo”, J. L. Borges

Entra in silenzio
per rispetto ai morti.
Ebbene, questo non è il Cimitero della Recoleta,
a Buenos Aires,
città ove son nato e ho vissuto,
ove si trovano i resti di Bioy Casares,
scrittore e amico,
le spoglie della mia famiglia,
e anche Eva Perón, l’Evita,
emblema del peronismo che tanto mal mi fece
e tanto odiai.
(Curioso, oggi, il Recoleta,
per l’ostentazione dei tumuli,
per l’inutile lusso che esibisce,
è diventato un’attrazione turistica.)

No. Non parlo del Recoleta.
Al contrario di quel che ci si aspetta
il cimitero è un altro.
Si trova in Rue des Rois, a Ginevra.
Conosciuto un tempo come Cimitero dei Re,
è l’attuale Cimitero di Plainpalais,
il che dimostra, trattandosi di Re ed affini,
che le differenze e le caste che in vita ci separano,
si perpetuano, nella morte, in sinistre genealogie
e anche in autentiche bizzarrie.

Infatti io che fui umile bibliotecario di quartiere,
molto spesso infelice, con le lacrime agli occhi,
considerando il vuoto della mia esistenza,
la mia miseria e il mio anonimato,
dopo la morte fui equiparato ai re,
benché alle mie ossa non importi
tutto questo e neanche il resto.
Lo so bene, le ironie fanno parte della mia storia:
quella d’essere Direttore della Biblioteca Nazionale,
anni dopo,
quando ormai ero completamente cieco,
senza poter distinguere il dorso d’alcun libro,
mi sembra una delle migliori.

Perciò,
entra in silenzio,
togliti il cappello.
Cerca, tra tutti i tumuli,
quello dall’aspetto più insolito:
una lapide in granito bianco,
che il tempo ha già scurito un poco,
compatta, dai bordi irregolari,
ove si trovano dei simboli,
- una nave vichinga e una croce del Galles -
e inscrizioni in anglosassone antico,
la lingua, che più di tutte amai.
Lì è scolpito, in altorilievo,
 JORGE LUIS BORGES,
le date del mio inizio e della fine:
Buenos Aires – 1899 Ginevra – 1986.
E per non sfuggire alle ironie della mia vita,
che sempre m’affascinarono
come i labirinti e gli specchi,
le ombre e le norme,
le forme che disfano e intessono esistenze,
al Cimitero dei Re,
a farmi compagnia,
(tanto persiste il tempo che ci resta)
ci sono, tra le altre eccellenze:
Giovanni Calvino, un riformatore religioso,
circospetto, di poche parole,
e che seguita a pregare.
E, al mio lato, in una tomba semplice,
entro una minuscola cinta di legno,
Grisélidis Réal, nata a Losanna,
la cui indiscutibile regalità
s’accorpò al suo stesso cognome.
Femminista e rivoluzionaria,
irriverente e polemista,
ma, soprattutto,
“Scrittrice, pittrice, prostituta”,
stando a quanto recita la lapidina sfrontata:
Écrivain-Peintre-Prostituée, 1929-2005,
e con la quale passo piacevoli serate,
conversando di letteratura, poesia,
ed ogni sorte di temi delicati,
alcuni abbietti,
altri neanche tanto,
nella nostra vasta e comune eternità.

________________

Pietra tombale di Jorge Luis Borges (1899-1986)
Cimitero di Plainpalais, Ginevra
...

Elogios de J. L. Borges - II


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
Poemas do Desalento & Alguns Elogios (2019) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Elogios de J. L. Borges

II
Elogi di J. L. Borges

II


O olho rola na gordura das pálpebras.
Ainda cego, continua rolando,
assim, de um lado para o outro,
vesgo, opaco, numa retina de lodo.

Tudo e todos quer ver – o olho.
Exposto à luz, captura a paisagem,
flores, faces, cores, movimentos.
Fechado é a mais densa escuridão.

Globo voltado para dentro,
escuro onde voejam pensamentos.
Mas diante do espelho se vê,
e vê, luminescente, o outro.

Emocionado, mareja feito mar,
destila a mais pura lágrima,
filtra do sangue que o inunda
estranha essência marinha.

O olho não pensa nada – vê.
Não percebe a solidão – a fotografa.
E a deposita para sempre e sempre
no cemitério transitório da memória.

Lago de imagens, ilusões e sal,
morto revela o fundo da órbita:
o fundo onde vítreo luzia,
e retoma o eterno sono mineral.


L’occhio rotola nel grasso delle palpebre.
Pur se cieco, continua a rotolare,
così, da un lato all’altro,
guercio, opaco, in una retina melmosa.

Tutto e tutti vuol vedere – l’occhio.
Esposto alla luce, cattura l’ambiente,
fiori, visi, colori, movimenti.
Chiuso, è il buio più assoluto.

Globo rivolto all’interno,
buio ove aleggiano pensieri.
Ma davanti allo specchio vede sé stesso,
e vede, luminescente, l’altro.

Commosso, come un mare si gonfia,
distilla la lacrima più pura,
filtra dal sangue che lo inonda
una strana essenza marina.

L’occhio non pensa a nulla – vede.
Non sente la solitudine – la fotografa.
E la deposita per i secoli dei secoli
nel cimitero effimero della memoria.

Lago d’immagini, d'illusioni e sale,
morto rivela il fondo dell’orbita:
quel fondo ove, vitreo, riluceva,
poi torna all’eterno sonno minerale.

________________

Pablo Picasso
Il pasto dell'uomo cieco (1903)
...

Elegia para Donizete Galvão


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
Poemas do Desalento & Alguns Elogios (2019) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Elegia para Donizete Galvão
Elegia per Donizete Galvão


A morte esvazia
todos os recantos:
gritar teu nome, agora,
seria gritar no vácuo,
o grito gutural dos mudos.
O certo é que não vejas,
nem percebas,
tudo que, por ora,
vai acontecendo.

Em uma curta estação
— o tempo humano é tão breve —
as pessoas gravitaram,
em torno do teu corpo,
um pouco do calor e da poesia.
Um pouco do teu humor
e de tua generosidade.

Mas grudados à nossa própria sorte,
ao peso específico que nos cega,
somos uma vasta escuridão,
sólidas esferas de egoísmo
umas às outras se chocando.


La morte sgombra
tutti i recessi:
gridare il tuo nome, ora,
sarebbe gridare nel vuoto,
il grido gutturale dei muti.
Quel ch’è certo è che non vedi,
né avverti,
tutto ciò che, adesso,
sta succedendo.

In una corta stagione
— il tempo dell’uomo è così breve —
le persone, gravitando
nell’orbita del tuo corpo,
attrassero un po’ di calore e di poesia.
Un poco del tuo spirito
e della tua generosità.

Ma aggrappati alla nostra stessa sorte,
al peso specifico che ci ottenebra,
non siamo che vasta oscurità,
in cui solide sfere di egoismo
entrano in mutua collisione.

________________

Vincent Van Gogh
Notte stellata (1889)

Da epiderme da madeira


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
Poemas do Desalento & Alguns Elogios (2019) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Da epiderme da madeira
Dell’epidermide del legno


Da mão calejada que empunha a enxada,
e maneja, segura, a foice e o martelo,
o tempo que tudo plaina e configura,
vai, aos poucos, criando outro tecido.
A pele frágil da mão e a pele da madeira,
no atrito diário e áspero do trabalho,
anos e anos, dão aos instrumentos aparências,
e sopros de coisas mais vivas e humanas.
Pois, nestas terras, sempre foi dura a lida,
aqui cedo se levanta, aqui cedo se capina,
cedo esfarela e mói a mão de um pilão,

e Deus não ajuda quem cedo madruga.


Dalla mano callosa che impugna la zappa,
e maneggia, sicura, la falce e il martello,
il tempo che tutto pialla e configura,
va, pian piano, creando un altro tessuto.
La fragile pelle della mano e la pelle del legno,
nell’attrito continuo e aspro del lavoro,
per anni e anni, danno agli attrezzi aspetti
e respiri di cose più vive ed umane.
Perché, in queste terre, sempre la lotta fu dura,
qui ci si alza presto, qui presto si declina,
presto nel mortaio il pestello si sfarina,

e Dio non aiuta chi s’alza presto la mattina.

________________

Cãndido Portinari
Raccolta del caucciù (1948)
...

Viagem


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
O tratador de canários (2010) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Viagem
Viaggio


Agora não há mais casas.
Entre os trilhos gelados o comboio parou
na imensa planície.
O coração apertado me diz
que não adianta perguntar
aos companheiros de viagem:
– O que aconteceu?
– Para onde vamos?
Eles também nada sabem.
No fundo do vagão
um choro de criança.
Uma velha desembrulha um pão seco.
Vista da pequena janela
a paisagem dói nos olhos.
Veem-se apenas os trilhos descendo a colina,
e desaparecendo numa curva do caminho.
Pressinto que mesmo o cobrador sumiu,
com seu andar oscilante e quepe ridículo.
No fundo do vagão
o choro triste da criança.
Nunca sairemos daqui,
nunca mais.

Adesso non ci sono più case.
Sui binari gelati il treno s’è fermato
nell’immensa pianura.
Il cuore angustiato mi dice
che non serve domandare
ai compagni di viaggio:
– Cos’è successo?
– Dove andiamo?
Neanche loro lo sanno.
In fondo al vagone
un pianto di bimbo.
Una vecchia scartoccia del pane secco.
Visto dalla piccola finestra
il paesaggio fa male agli occhi.
Si vedono solo i binari che scendono la collina,
e spariscono dietro una curva del percorso.
Immagino che anche il controllore sia sparito,
con la sua andatura oscillante e il ridicolo chepì.
In fondo al vagone
un pianto triste di bimbo.
Non usciremo mai di qui,
mai più.


________________

Ivo Pannaggi
Treno in corsa (1922)

No solo calcinado da infância...


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
O tratador de canários (2010) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


No solo calcinado da infância...
Nel suolo calcinato dell’infanzia...


No solo calcinado da infância,
crescem as mais estranhas liturgias.
Cavamos a terra com as mãos,
da infância pouco encontramos.

Descobrimos na superficie aparente,
o ouro do sorriso, as brincadeiras,
os alforjes do avô, dentes de leite,
luz verde de pirilampos no escuro.

Mas como compor sua própria Ilíada?
ou escrever em novíssimos alfabetos?
Ah, mar povoado de tantos enigmas
quem ousará decifrar-te algum dia?

E se procurasse nalgum espelho,
a mesma face alegre que perdi,
eu quase nada ali encontraria:
apenas outra espécie de exílio.


Nel suolo calcinato dell’infanzia,
crescono le più strane liturgie.
Se scaviamo la terra con le mani,
dell’infanzia ben poco troveremo.

Scopriamo sulla superficie apparente,
l’oro del sorriso, i giocattoli,
le bisacce del nonno, denti di latte,
la lucina verde delle lucciole al buio.

Ma come comporre la propria Iliade?
o scrivere in alfabeti mai usati?
Ah, mare da tanti enigmi popolato
chi mai un giorno oserà decifrarti?

E se andassi a cercare in qualche specchio,
lo stesso viso allegro che ho perduto,
io non ci troverei pressoché nulla:
solamente un’altra specie d’esilio.

________________

Juan Miró
La terra arata (1924)

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (433) Pássaro de vidro (52) Poemas dos dias (23) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (11) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)