Assim se revisita o coração


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Às Vezes o Paraíso (1998) »»
 
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Assim se revisita o coração
Così si rivisita il cuore


Só mal tocando as cordas
da memória
donsegue o coração ressuscitar

Porque era este lugar
que eu precisava agora
como em deserto até
ao infinito,
e de repente,
uma gravidez imensa,
um cacto verde e limpo

Porque os olhos conhecem
estes sons
de dar à luz o vento
e são-lhe amantes
de tangível luz

Só mal tangendo as cordas
da memória
como estas flores
se tingem de alegria

Porque era neste azul
que eu me queria
como a rocha transpira
e se resolve
em mar
Basta solo sfiorare le corde
della memoria
e il cuore riesce a resuscitare

Perché era questo il posto
di cui ora avevo bisogno
come stare in un deserto
esteso all’infinito,
e all’improvviso,
una gravidanza immensa,
un cactus verde e puro

Perché gli occhi riconoscono
quei suoni
del dare alla luce il vento
e per lui sono amanti
di luce palpabile

Basta solo sfiorare le corde
della memoria
perché questi fiori
si tingano di gioia

Perché era in questo azzurro
che io desideravo essere
affinché la roccia traspiri
e si dissolva
in mare
________________

José Maria Velasco
Cactus (1887)
...

Título por haver


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Título por haver
Provvisoriamente senza titolo


No meu poema ficaste
de pernas para
o ar
(mas também eu
já estive tantas vezes)
 
Por entre versos vejo-te as mãos
no chão
do meu poema
e os pés tocando o título
(a haver quando eu
quiser)
 
Enquanto o meu desejo assim serás:
incómodo estatuto:
preciso de escrever-te
do avesso
para te amar em excesso 
Nella mia poesia sei rimasto
con le gambe per
aria
(ma anch’io
spesso lo sono stata)
 
Dentro i versi io vedo le tue mani
sul fondo
della mia poesia
e i tuoi piedi che toccano il titolo
(che ci sarà quando io
lo deciderò)
 
Finché io lo vorrò, starai così :
scomoda situazione:
ho bisogno di scriverti
ribaltato
per darti un amore esagerato
________________

Georg Baselitz
Mangiatore d'arancia - IX (1981)
...

Reflexos


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Reflexos
Riflessi


Olho-te pelo reflexo
Do vidro
E o coração da noite
 
E o meu desejo de ti
São lágrimas por dentro,
Tão doídas e fundas
Que se não fosse:
 
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
 
invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti.
Ti guardo nel riflesso
Del vetro
E il cuore della notte
 
E il mio desiderio di te
Sono lacrime interne,
Così folli e profonde
Che se non ci fosse:
 
il tempo di vivere;
e la gente di un ambiente sconosciuto;
e se avessi la forza;
e la finestra a me accanto
fosse alta e adeguata,
 
invaderei d’amore il tuo riflesso
e tra frantumi di vetro
sprofonderei in te.
________________

Xia Xiaowan
Riflessi (2003)
...

Lugares comuns


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Lugares comuns
Luoghi comuni


Entrei em Londres
num café manhoso (não é só entre nós
que há cafés manhosos, os ingleses também,
e eles até tiveram mais coisas, agora
é só a Escócia e parte da Irlanda e aquelas
ilhotazitas, mais adiante)

Entrei em Londres
num café manhoso, pior ainda que um nosso bar
de praia (isto é só para quem não sabe
fazer uma pequena ideia do que eles por lá têm), era
mesmo muito manhoso,
não é que fosse mal intencionado, era manhoso
na nossa gíria, muito cheio de tapumes e de cozinha
suja. Muito rasca.

Claro que os meus preconceitos todos
de mulher me vieram ao de cima, porque o café
só tinha homens a comer bacon e ovos e tomate
(se fosse em Portugal era sandes de queijo),
mas pensei: Estou em Londres, estou
sozinha, quero lá saber dos homens, os ingleses
até nem se metem como os nossos,
e por aí fora...

E lá entrei no café manhoso, de árvore
de plástico ao canto.
Foi só depois de entrar que vi uma mulher
sentada a ler uma coisa qualquer. E senti-me
mais forte, não sei porquê, mas senti-me mais forte.
Era uma tribo de vinte e três homens e ela sozinha e
depois eu

Lá pedi o café, que não era nada mau
para café manhoso como aquele e o homem
que me serviu disse: There you are, love.
Apeteceu-me responder: I’m not your bloody love ou
Go to hell
ou qualquer coisa assim, mas depois
pensei: Já lhes está tão entranhado
nas culturas e a intenção não era má, e também
vou-me embora daqui a pouco, tenho avião
quero lá saber

E paguei o café, que não era nada mau,
e fiquei um bocado assim a olhar à minha volta
a ver a tribo toda a comer ovos e presunto
e depois vi as horas e pensei que o táxi
estava a chegar e eu tinha que sair.
E quando me ia levantar, a mulher sorriu
Como quem diz: That's it

e olhou assim à sua volta para o presunto
e os ovos e os homens todos a comer
e eu senti-me mais forte, não sei porquê,
mas senti-me mais forte

e pensei que afinal não interessa Londres
 ou nós,
que em toda a parte
as mesmas coisas são
A Londra sono entrata
in un caffè dozzinale (non soltanto da noi
ci sono caffè dozzinali, ne hanno anche gli Inglesi,
e loro di cose ne hanno avute anche di più, ma ora
è solo la Scozia e parte dell’Irlanda e quegli
isolotti, un po’ più in là)

A Londra sono entrata
in un caffè dozzinale, ancor peggio di un nostro bar
da spiaggia (questo è soltanto per chi non sa
farsi la minima idea di quello che c’è da quelle parti),
era davvero un posto molto dozzinale,
non che avessero cattive intenzioni, ma era dozzinale
come si dice da noi, pieno di tramezzi e con una cucina
sudicia. Molto scadente.

Ovvio che tutti i miei preconcetti
di donna sono venuto fuori, perché in quel caffè
c’erano solo uomini a mangiare bacon, uova e pomodori
(se fossimo in Portogallo sarebbe pane e formaggio),
ma ho pensato: Sono a Londra, sono
sola, che m’importa degli uomini, gli inglesi
non s’immischiano come i nostri,
e così via...

E dunque sono entrata nel caffè dozzinale, con albero
di plastica in un angolo.
Fu subito dopo essere entrata che ho visto una donna
seduta a leggere qualcosa. E mi sono sentita
più forte, chissà perché, ma mi sono sentita più forte.
C’era una tribù di ventitré uomini e lei da sola e
dopo sono arrivata io

Ho ordinato il caffè, che non era affatto male
per un caffè dozzinale come quello e l’uomo
che mi ha servito ha detto: There you are, love.
Avevo voglia di rispondere: I’m not your bloody love o
Go to hell
o una cosa così, ma poi
ho pensato: Ormai è profondamente radicato
nella loro cultura e non c’erano cattive intenzioni, e poi
tra poco me ne vado via, ho l’aereo
non me ne importa niente

E ho pagato il caffè, che non era affatto male,
e sono rimasta un po’ così a guardarmi in giro
osservando tutta la tribù mangiare uova e prosciutto
e dopo ho guardato l’ora e ho pensato che il taxi
stava per arrivare e io dovevo uscire.
E mentre mi stavo alzando, la donna ha sorriso
Come se dicesse: That's it

e ha volto lo sguardo in giro al prosciutto
e alle uova e a tutti gli uomini che mangiavano
e io mi sono sentita più forte, senza un perché,
ma mi sono sentita più forte

e ho pensato che in fondo non importa che sia a Londra
 o da noi,
che dappertutto
le cose sono sempre le stesse.
________________

Juan Gris
Petit dejeuner (1914)
...

Coisas de partir


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Coisas de partir
Cose da mettere da parte


Tento empurrar-te de cima do poema
para não o estragar na emoção de ti:
olhos semi-cerrados, em precauções de tempo
a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.

Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo coisas de ti, mas coisas de partir…
E o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no meio de chão sem texto que é ausente de ti?

E se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por te querer empurrar, lírica de emoção?
E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E se tu não estiveres onde o poema está?

Faço eroticamente respiração contigo:
primeiro um advérbio, depois um adjectivo,
depois um verso todo em emoção e juras.
E termino contigo em cima do poema,
presente indicativo, artigos às escuras.
Cerco di spingerti giù dalla cima della poesia
per non rovinarla con l’emozione che mi dai:
occhi semichiusi, con le precauzioni del momento
per sognarla da lontano, tutto sgombro senza di te.

Cancello i tuoi occhi, il sorriso, la bocca, lo sguardo:
tutte cose tue, ma cose da mettere da parte…
E sorge il mio allarme: e se tu morissi lì,
nel mezzo di quell’area senza testo che è priva di te?

E se non respirassi già più? Se più non ti vedessi
per averti voluto spingere giù, lirica d’emozione?
E il mio panico cresce: se tu non fossi là?
E se tu non fossi là dove la poesia sta?

Faccio una respirazione erotica con te:
prima un avverbio, poi un aggettivo,
poi un verso tutto emozione e giuramenti.
E termino con te sulla cima della poesia,
presente indicativo, articoli alla cieca.
________________

John Tunnard
Abstract (1958)
...

Testamento


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Testamento
Testamento


Vou partir de avião
E o medo das alturas misturado comigo
Faz-me tomar calmantes
E ter sonhos confusos

Se eu morrer
Quero que a minha filha não se esqueça de mim
Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
E que lhe ofereçam fantasia
Mais que um horário certo
Ou uma cama bem feita

Dêem-lhe amor e ver
Dentro das coisas
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
Em vez de lhe ensinarem contas de somar
E a descascar batatas

Preparem minha filha para a vida
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
A minha filha
E mais tarde que diga à sua filha
Que eu voei lá no céu
E fui contentamento deslumbrado
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas
E as batatas no saco esquecidas
E íntegras.
Sto per fare un viaggio in aereo
E la paura dell’altezza che si rimescola in me
Mi fa assumere calmanti
E avere sogni agitati

Se io morissi
Voglia che mia figlia non mi scordi
Che qualcuno anche se stonato canti per lei
E che le donino fantasia
Piuttosto che orari precisi
O un letto ben fatto

Che le diano amore e il dono di veder
Dentro le cose
E di sognare soli azzurri e cieli fulgenti
Invece di insegnarle a far di conto
E a sbucciare patate

Preparate mia figlia alla vita
Se io morissi in aereo
E rimanessi separata dal mio corpo
E fossi un atomo libero lassù in cielo

Che si ricordi di me
La mia figliola
E più avanti che racconti a sua figlia
Che io sono volata lassù in cielo
E che ho provato una gioia incontenibile
Nel vedere a casa sua tutti i conti sbagliati
E le patate dimenticate nel sacco
E tutte intere.
________________

Alighiero Boetti
Aerei (dettaglio) (1989)
...

Ritmos


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Ritmos
Ritmi


E descascar ervilhas ao ritmo de um verso:
a prosódia da mão, a ervilha dançando
em redondilha.
Misturar ritmos em teia apertada: um vira
bem marcado pelo jazz, pas
de deux: eu, ervilha e mais ninguém

De vez em quando o salto: disco sound
o vazio pós-moderno e sem sentido
Ah! hedónica ervilha tão sozinha
debaixo do fogão!

As irmãs recuperadas ainda em anos 20
o prazer da partilha: cebola, azeite
blues desconcertantes, metamorfose em
refogados rítmicos

(Debaixo do fogão
só o silêncio frio)
E sbucciare piselli al ritmo d’un verso:
la prosodia della mano, il pisello che danza
in redondilla.
Mescolare i ritmi in una fitta rete: uno tende
decisamente verso il jazz, pas
de deux: io, pisello e nulla più

Di tanto in tanto il balzo: disco sound
il vuoto post-moderno e senza senso
Ah! pisello edonista tanto solo
sotto la stufa!

I fratelli recuperati già dagli anni 20
per il piacere della compagnia: cipolla, olio
blues sconcertanti, metamorfosi in
intingoli ritmici

(Sotto la stufa
solo il freddo silenzio)

________________

Lucio Fontana
Concetto spaziale (1963)
...

Passado


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Passado
Passato


Ah velha sebenta
em que escrevia as minhas composições de Francês
Mes Vacances: gostei muito das férias
je suis allée à la plage (com dois ee,
o verbo ètre pede concordância), j'ai beaucoup
nagé
e depois terminava com o sol a pôr-se
no mar e ia ver gaivotas ao dicionário

As correcções a vermelho e o Passé Simple,
escrever cem vezes nous fûmes vous fûtes ils fûrent
as tardes de sol
e Madame Denise que dizia Toi ma petite
com ar de sargento e a cara zangada a fazer-se
vermelha (tenho glóbulos a mais, faites attention)
e o olhar que desmentia tudo
em ternura remplit

E as regras decoradas e as terminações
verbais ais, ais, ait,
a hora de estudo extra e o sol de fim de tarde
a filtrar-se pelas carteiras,
a freira a vigiar distraída em salmos
eu a sonhar de livro aberto

once upon a time there was a little boy
e as equações de terceiro grau a uma
incógnita

Ah tardes claras em que era bom
ser boa, não era o santinho nem o rebuçado
era a palavra doce a afagar-me por dentro,
as batas todas brancas salpicadas de gouache
colorido e o cinto azul que eu trazia sempre largo
assim a cair de lado à espadachim

As escadas de madeira rangentes
ao compasso dos passos, sentidas ainda
à distância de vinte anos,
todas nós em submissa fila a responder à chamada,
"Presente" parecia-me então lógico e certo
como assistir à oração na capela e ler as
 Epístolas
(De São Paulo aos Coríntios:
Naquele tempo...),
tem uma voz bonita e lê tão bem, e depois
mandavam-me apertar o cinto para ficar
mais composta em cima do banquinho,
à direita do padre

E o fascínio das confissões,
as vozes sussuradas na fina madeira
castanha a esconder uma falta,
o cheiro do chão encerrado e da cera das velas
e quando deixei de acreditar em pecados
e comecei a achar que as palavras não prestam
e que era inútil
inútil a teia de madeira

Ah noites de insónia à distância de vinte anos,
once upon a time there was a little boy
and he went up on journey
there was a little girl, une petite fille

e o passé simple, como parecia simples o passado

Au clair de la lune
mon ami Pierrot
Prête-moi ta plume
pour écrire un mot


Escrever uma palavra
uma só
ao luar
a pedir concordância como uma carícia

Elles sont parties,
les mouettes

Ah vecchio quaderno
su cui scrivevo i miei compiti di Francese
Mes Vacances: ho passato delle belle vacanze
je suis allée à la plage (con due ee,
il verbo ètre vuole la concordanza), j'ai beaucoup
nagé
e poi chiudevo con il sole che tramontava
nel mare e andavo a cercare gabbiani sul dizionario

Le correzioni in rosso e il Passé Simple,
scrivere cento volte nous fûmes vous fûtes ils fûrent
nei pomeriggi di sole
e Madame Denise che diceva Toi ma petite
con aria di sergente e la faccia stizzita che diventava
rossa (ho fin troppi globuli, faites attention)
e lo sguardo che smentiva tutto questo
remplit di tenerezza

E le regole imparate a memoria e le desinenze
verbali ais, ais, ait,
l’ora extra di studio e il sole del tardo pomeriggio
che s’infiltrava tra i banchi,
la suora vigilatrice distratta dai suoi salmi
io che sognavo sul libro aperto

once upon a time there was a little boy
e le equazioni di terzo grado con una
incognita

Ah pomeriggi sereni quand’era bello
essere buona, non era il santino né la caramella
era la parola dolce a carezzarmi di dentro,
i grembiulini bianchi schizzati d’acquarello
colorato e la cintura blu che io tenevo sempre aperta
sicché mi penzolava sul fianco tipo spadaccino

Le scale di legno scricchiolanti
al ritmo dei passi, ancora udibili
a distanza di vent’anni,
tutte noi in fila ordinata rispondendo all’appello,
"Presente" allora mi pareva logico e giusto
come ascoltare l’orazione nella cappella e leggere le
 Epistole
(Da San Paolo ai Corinzi:
In quel tempo...),
leggeva con una bella voce e così bene, e poi
mi facevano stringere la cintura per essere
più composta seduta al mio banco,
a destra del prete

E il fascino delle confessioni,
le voci sussurrate alla sottile grata di legno
bruno per nascondere una mancanza,
il profumo del pavimento incerato e della cera delle candele
e quando smisi di credere ai peccati
e cominciai a pensare che le parole sono carenti
e che era inutile
inutile la grata di legno

Ah notti d’insonnia a distanza di vent’anni,
once upon a time there was a little boy
and he went up on journey
there was a little girl, une petite fille

e il passé simple, come sembrava semplice il passato

Au clair de la lune
mon ami Pierrot
Prête-moi ta plume
pour écrire un mot


Scrivere una parola
una soltanto
al chiar di luna
per chiedere una concordanza come una carezza

Elles sont parties,
les mouettes

________________

August Macke
Pierrot (1901)
...

Músicas


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Músicas
Musiche


Desculpo-me dos outros com o sono da minha filha.
E deito-me a seu lado,
a cabeça em partilha de almofada.

Os sons dos outros lá fora em sinfonia
são violinos agudos bem tocados.
Eu é que me desfaço dos sons deles
e me trabalho noutros sons.

Bartók em relação ao resto.

A minha filha adormecida.
Subitamente sonho-a não em desencontro como eu
das coisas e dos sons, orgulhoso
e dorido Bartók.

Mas nunca como eles
bem tocada
por violinos certos.
Mi scuso con gli altri per il sonno di mia figlia.
E mi sdraio al suo fianco,
la testa a condividere il cuscino.

I suoni degli altri là fuori in sinfonia
sono acuti violini ben suonati.
Sono io a liberarmi dei loro suoni
per dedicarmi ad altri suoni.

Bartók in relazione al resto.

Mia figlia s’è addormentata.
D’un tratto la sogno non, come me, staccata
dalle cose e dai suoni, orgoglioso
e dolente Bartók.

Ma mai così
ben sfiorata
da impeccabili violini.
________________

William Michael Harnett
Vecchio violino (1886)
...

Intertextualidades


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Intertextualidades
Intertestualità


Microscópica quase,
uma migalha entre as folhas de um livro
que ando a ler.

Emprestaram-me o livro,
mas a migalha não.
No mistério mais essencial,
ela surgiu-me recatadamente
a meio de dois parágrafos solenes.
Embaraçou-me o pensamento,
quebrou-me o fio (já ténue) da leitura.
Sedutora, intrigante.

Fez-me pensar nos níveis que há de ler:
o assunto do livro
e a migalha-assunto do leitor.
(era pão a matéria consumida no meio
de dois parágrafos e os olhos
consumidos: virar a folha, duas linhas lidas
a intriga do tempo quando foi
e levantou-se a preparar o pão
voltando a outras linhas)

Fiquei com a migalha,
desconhecida oferta do leitor,
mas por jogo ou consumo
deixei-lhe uma migalha minha,
não marca de água, mas de pão também:
um tema posterior a decifrar mais tarde
em posterior leitura
alheia
Quasi microscopica,
una briciola tra le pagine di un libro
che sto leggendo.

Mi hanno prestato il libro,
ma la briciola no.
Nel mistero più essenziale,
questa mi è spuntata con discrezione
nel mezzo di due paragrafi solenni.
Mi ha ostacolato i pensieri,
e io ho perso il filo (già tenue) della lettura.
Seduttrice, intrigante.

Mi ha fatto pensare ai vari livelli di lettura:
l’oggetto del libro
e la briciola-oggetto del lettore.
(era pane la materia consumata nel mezzo
di due paragrafi e di occhi
consumati: voltare pagina, due righe lette
la perfidia del tempo quand'è passato
e s'è alzato per preparare il pane
volgendosi ad altre righe)

Sono rimasta con la briciola,
ignota offerta del lettore,
ma per gioco o per consumo
gli ho lasciato una mia briciola,
non una traccia d’acqua, ma ancora di pane:
un tema posteriore da decifrare più tardi
in lettura posteriore
incongrua
________________

Charles Edward Perugini
Lettrice (1870)
...

Cassino


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Narlan Matos »»
 
Canto aos homens de boa vontade (2018) »»
 
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cassino
casinò


embora tu não saibas
tua vida fede à gasolina
e à gás pobre
tua vida é um produto
à venda pela internet
ou numa loja conveniências

e agora mesmo teu destino
está sendo mercado
nas roletas de algum cassino.
benché tu non lo sappia
la tua vita puzza di benzina
e di gas di sintesi
la tua vita é un prodotto
in vendita su internet
o in un minimarket

e proprio ora il tuo destino
viene messo in gioco
alla roulette di qualche casinò.
________________

Edvard Munch
Tavolo della roulette a Monte Carlo (1892)
...

Espaços


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Espaços
Spazi


As nuvens não se rasgaram
nem o sol: só a porta
do meu quarto
 
A abrir-se noutras
portas dando para outros
quartos e um corredor ao fundo
 
Não havia janelas nem
silêncios: sinfonias por dentro
a rasgar o silencio
 
A porta do meu quarto
já nem porta: madeiramento
para o fogo
Le nubi non si sfasciarono
né il sole: solo la porta
della mia stanza
 
E si aprì su altre
porte dando verso altre
stanze e un corridoio in fondo
 
Non c’erano finestre né
silenzi: intime sinfonie
a lacerare il silenzio
 
La porta della mia stanza
ormai non più porta: legname
per il fuoco
________________

Gerhard Richter
Cinque porte (1967)
...

Aniversário


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Aniversário
Compleanno


Sentei-me com um copo em restos de
champanhe a olhar o nada.
Entre crianças e adultos sérios
Tive trinta em casa.
Será comovedor os quatro anos
e a festa colorida
as velas mal sopradas entre um rissol
no chão e os parabéns:
quatro anos de vida.

Serão comovedores os sumos de
laranja concentrados (proporções
por defeito) e os gostos tão
diversos, o bolo de ananás,
os pés inchados.

Será soberbamente comovente
toda a gente cantando,
o mau comportamento dos adultos
conversas-gelatinas e os anos
só pretexto.

Mas eu gostei. E contra mim gostei
mesmo no resto:
este prazer pequeno do silêncio
um sapato apertando descalçado
guardanapo e rissol por arrumar
no chão e um copo

olhando o nada
em restos de champanhe
Mi sono seduta con un calice di champagne
avanzato a guardare il nulla.
Tra bambini e adulti seri
In casa si era in trenta.
Saranno commoventi i quattro anni
e la festa colorata
un soffio alle candeline tra un sofficino
a terra e gli auguri:
quattro anni di vita.

Saranno commoventi i succhi
d’arancia concentrati (proporzioni
per difetto) e i sapori così
diversi, la torta d’ananas,
i piedi gonfi.

Sarà superbamente commovente
tutta la gente che canta,
la cattiva condotta degli adulti
discorsi gelatinosi e gli anni
nient’altro che un pretesto.

Ma a me è piaciuto. E non è da me
ma m’è piaciuto anche il resto:
quel piccolo piacere del silenzio
una scarpa stretta abbandonata
tovagliolo e sofficino da togliere
da terra e un calice

guardando il nulla
nello champagne avanzato
________________

Vassily Kandinsky
Linea traversa (1923)
...

A verdade histórica


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A verdade histórica
La verità storica


A minha filha partiu uma tigela
na cozinha.
E eu que me apetecia escrever
sobre o evento,
tive que pôr de lado inspiração e lápis,
pegar numa vassoura e varrer6
a cozinha.

A cozinha varrida de tigela
ficou diferente da cozinha
de tigela intacta:
local propício a escavação e estudo,
curto mapa arqueológico
num futuro remoto.

Uma tigela de louça branca
com flores,
restos de cereais tratados
em embalagem estanque
espalhados pelo chão.

Não eram grãos de trigo de Pompeia,
mas eram respeitosos cereais
de qualquer forma.
E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,
mas das Caldas,
daqui a cinco ou dez mil anos
devia ter estatuto admirativo.

Mas a hecatombe
deu-se.
E escorregada de pequeninas mãos,
ficou esquecida de famas e proveitos,
varrida de vassouras e memórias.

Por mísero e cruel balde de lixo
azul
em plástico moderno
(indestrutível)
Mia figlia ha rotto una zuppiera
in cucina.
E io che avevo voglia di descrivere
questo evento,
ho dovuto trascurare ispirazione e lapis,
prendere una scopa e ripulire
la cucina.

La cucina privata della zuppiera
aveva un aspetto diverso dalla cucina
con la zuppiera intatta:
luogo propizio allo scavo e allo studio,
piccola mappa archeologica
di un futuro remoto.

Una zuppiera di ceramica bianca
a fiori,
avanzi di cereali conservati
in imballaggi sotto vuoto
sparsi sul pavimento.

Non erano chicchi di grano di Pompei,
ma erano rispettabili cereali
in qualche maniera.
E la zuppiera, pur non essendo della dinastia Ming,
ma di Caldas,
da qui a cinque o diecimila anni
dovrebbe avere un ammirevole statuto.

Ma l’ecatombe
è avvenuta.
E scivolata da piccole manine,
è rimasta priva di fama e di valore,
spazzata via da scope e dalla memoria.

In un secchio dei rifiuti misero e crudele
blu
di plastica moderna
(indistruttibile)
________________

Édouard Pignon
Donna con scodella (1943)
...

eu menino


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eu menino
io bambino


quando criança eu subia no telhado
da casa da minha infância
cauto como um gato na noite
quando a noite descia da serra
e na igreja ao lado – na torre –
tocavam a Ave-Maria, de Schubert
observava horas à fio a Via-Láctea
passando sobre minha casa
como se fosse um infinito rio
e eu uma sentinela podia vê-las
uma por uma todas as estrelas
não pensava ainda no mundo
na criatura humana no verso
era apenas um eu menino
numa província remota da Terra
contemplando o universo.
quand’ero piccolo io salivo sul tetto
della casa della mia infanzia
cauto come un gatto di notte
quando la notte calava dalla serra
e nella chiesa accanto – sulla torre –
suonavano l’Ave Maria di Schubert
osservavo per ore ed ore la Via Lattea
che passava sopra la mia casa
come se fosse un fiume senza fine
ed io sentinella potevo vedere
una ad una tutte le stelle
ancora non pensavo al mondo
all’essere umano ai versi
non ero che un io bambino
che in una remota provincia della Terra
contemplava l’universo.
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Joan Miró
Canto dell’usignolo di mezzanotte e pioggia del mattino (1940)
...

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