Michelangelo


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Michelangelo
Michelangelo


«Sim mas
pensa por instantes em Luigi Arrighetti
ao dar por finda a cópia da
estátua de David
mandada erguer em Firenze frente
ao Palazzo Vecchio (depois de terem levado
David
para a Accademia). Existem mãos para pensar
e mãos para
executar. Pode até nem ter defeitos (ou
rasar a perfeição) pode
a nua pedra láctea ser mais alva e
mais pura do
que o bloco original
nunca!
(escuta:) ninguém alguma vez irá chamar
ao da Piazza della Signoria
David
de Arrighetti.
Entendes agora a diferença entre ter
tema e
ter a ideia?»
«Sì ma
pensa per un attimo a Luigi Arrighetti
quando ha terminato la copia della
statua di David
fatta erigere a Firenze davanti
a Palazzo Vecchio (dopo aver spostato
David
all’Accademia). Esistono mani per pensare
e mani per
eseguire. Può persino non avere difetti (o
rasentare la perfezione) può
la nuda pietra lattea esser più immacolata e
più pura del
blocco originale
giammai!
(ascolta:) nessuno mai arriverà a chiamare
quello di Piazza della Signoria
David
di Arrighetti.
Capisci ora la differenza tra avere
un modello e
avere l’idea?»
________________

Luigi Arrighetti
David (copia da Michelangelo) (1910)
...

FAQS


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FAQS
FAQS


Acontece-te
acordares antes do teu braço acordar?
Alguma vez te ligaram para vender silêncio?
Para onde vão as palavras
assim que as soltas no ar? Retiras a crosta à ferida
para manter a
dor acesa? Por quanto mais tempo haverá
ignorantes
no poder? O amor é vermelho ou
também existe em preto? A rotina que satura é
a mesma que protege? Comprar tempo
num parquímetro
permite viver mais tempo? Se o gato te arranha
aproveitas para ler a
glicemia? Ao terminares a viagem há
uma placa com o teu nome? Se Deus fosse mulher
teria descansado
ao domingo? Pensa bem: se Deus fosse
uma mulher teria descansado
ao domingo?
Ti capita
di svegliarti prima che il tuo braccio si svegli?
Ti hanno mai telefonato per venderti silenzio?
Dove vanno a finire le parole
appena liberate nell’aria? Stacchi la crosta dalla ferita
per mantenere
vivo il dolore? Per quanto tempo ancora ci saranno
ignoranti
al potere? L’amore è rosso o
esiste anche in nero? La routine che satura è
la stessa che protegge? Comprare tempo
in un parchimetro
permette di vivere più tempo? Se il gatto ti graffia
ne approfitti per controllare la
glicemia? Quando concludi il viaggio c’è
una targa col tuo nome? Se Dio fosse donna
si sarebbe riposato
la domenica? Pensaci bene: se Dio fosse
una donna si sarebbe riposato
la domenica?
________________

Edgar Degas
Donna che stira (1887)
...

Vida interior


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Vida interior
Vita interiore


  num canal de Amesterdão

Há sempre uma história maior por trás
da que conhecemos –
ficava a vê-la sozinha no quarto aceso da
frente (ela e
a epiderme do prédio já pediam
um restauro). A vida
(vista de fora)
convida a imaginar a arqueologia das perdas
(silêncios que se gritaram
gestos que se contiveram) tudo
o que de imaterial o
tempo
não conservou. Ficava a vê-la sozinha naquele
teatro mudo
guardando um casaco de homem aos ombros
de uma cruzeta (como
quem sonha que esconde um amante
no armário).
  su un canale di Amsterdam

Sempre si cela una storia più grande dietro
la storia che conosciamo –
stavo a guardarla mentre sola nella camera accesa
lì davanti (sia lei,
sia la pelle dell’edificio ormai richiedevano
un restauro). La vita
(a guardarla da fuori)
invita a immaginarsi l’archeologia delle sconfitte
(silenzi che reclamarono
gesti che furono repressi) tutto
ciò che d’immateriale il
tempo
non ha protetto. Stavo a guardarla mentre sola
in quella recita muta
conservava un giubbotto da uomo sulle spalle
di una gruccia (come
chi sogna di nascondere un amante
nell’armadio).
________________

Henri Matisse
Donna alla finestra al tramonto (1921)
...

Prelúdio


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Prelúdio
Preludio


Transporto comigo este dia como
a sola do sapato transporta uma
pastilha elástica. O poema vai sem medo
(dispõe-se sobre papel)
deixa ficar escrito a negro o
que tinha para dizer
(perseguindo sem pereza o que
ainda não existe). E a que cheira o novo dia?
Por ora a batata frita –
pequeno prodígio um poema: a si
cabe decidir se enfeita
(ou não) o
real. Porque virá sempre alguém em busca
de imagens precisas
(recusando o artifício que adorna a beleza)
perguntando pela verdade que existe
nas coisas comuns.
Mi porto appresso questa giornata come
la suola della scarpa si porta appresso una
gomma americana. Impavida va la poesia
(si sistema sul foglio)
mette per iscritto a inchiostro ciò
che aveva da dire
(mirando tenacemente a quel che
non esiste ancora). E che odore ha il nuovo giorno?
Per ora di patate fritte –
piccolo portento una poesia: a lei
tocca decidere se abbellire
(o no) il
reale. Perché sempre ci sarà chi va in cerca
di immagini precise
(respingendo l’artificio di agghindare la bellezza)
pretendendo quella verità presente
nelle cose comuni.
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Henri Matisse
Il tavolo da pranzo (1896-1897)
...

O gabinete do director


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O gabinete do director
Lo studio del direttore


Na sala
do director não há nada na parede. Apenas
existe um prego onde pode figurar
uma imagem de Cristo ou
o rosto
do ditador. A parede não tem nada. Apenas
se vê uma aranha a confirmar
a sentença: a
cada parede uma teia
(cada teia: uma prisão). É uma parede despida.
Apenas existe uma fenda por
onde a sala cede –
a sala que parecia robusta. A parede
está vazia.
Apenas se vê uma sombra
uma longa sombra escura. Significa
que ainda há luz.
Nella stanza
del direttore non c’è nulla sulla parete. Soltanto
c’è un chiodo là dove potrebbe trovarsi
un’immagine di Cristo o
il ritratto
del dittatore. Nulla sulla parete. Soltanto
si vede un ragno a convalidare
la sentenza: una
tela per ogni parete
(ogni tela: una prigione). È una parete nuda.
Soltanto c’è una crepa che
fa cedere la stanza –
questa stanza che sembrava robusta. La parete
è vuota.
Soltanto si vede un’ombra
un’ombra lunga e scura. Significa
che c’è ancora luce.
________________

Giuseppe Uncini
Artifici n. 1 (2007)
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O cheiro do corredor


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O cheiro do corredor
L’odore del corridoio


O
corredor do hospital onde se aguarda a notícia é
escuro
e abafado. As cadeiras de plástico (polidas e
pacientes) aceitam familiares com um
único objectivo: «positivo
ou negativo?» O medo bebe um cigarro
(fuma o terceiro café)
julgando furtar-se ao cheiro que habita o
corredor –
um cheiro iniludível que invade a memória
acerbando a angústia que antecede
o veredicto: «negativo
ou positivo?» As mãos tecem litanias
algemadas a um terço (a esperança é o nervo
quando a crença é o músculo) e o
cheiro do corredor fica colado à resposta que
chega pelo fim do dia devolvendo
ordem ao mundo: «Negativo.»
«Negativo?»
«É negativo.»
Il
corridoio dell’ospedale dove si attende il responso è
buio
e soffocante. Le seggiole di plastica (linde e
pazienti) accolgono i parenti con un
unico fine: «positivo
o negativo»? La paura beve una sigaretta
(fuma il terzo caffè)
convinta di eludere l’odore che stagna nel
corridoio –
un odore inevitabile che dilaga nella memoria
esacerbando il tormento che precede
il verdetto: «negativo
o positivo?» Le mani intrecciano litanie
incatenate a un terzo (la speranza è il nervo
se la fede è il muscolo) e
l’odore del corridoio s’incolla alla risposta che
giunge verso sera ripristinando
ordine nel mondo: «Negativo».
«Negativo»?
«È negativo».
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Jean Geoffroy
Giorno di visita (1893)
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Nómadas


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Nómadas
Nomadi


Só o amor pára o tempo (só
ele detém a voragem)
rasgámos cidades a meio
(cruzámos rios e lagos)
disponíveis para lugares com nomes
imprønünçiåveis. É preciso conhecer os mapas
mais ao acaso
(jamais evitar fronteiras
nunca ficar para trás)
tudo nos deve assombrar como
neve
em Abril. Só o amor pára o tempo só
nele perdura o enigma
(lançar pedras sem forma e o lago
devolver círculos).
Solo l'amore ferma il tempo (solo lui
ne trattiene la voragine)
spacchiamo in due le città
(attraversiamo fiumi e laghi)
disponibili a luoghi dai nomi
imprønünçiåbili. Occorre conoscere le carte
più impreviste
(non evitare mai le frontiere
non restare mai indietro)
tutto deve sorprenderci come
neve
ad aprile. Solo l'amore ferma il tempo, solo
in lui permane l'enigma
(se lanci sassi senza forma, il lago
restituisce cerchi).
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Elda Frangi
Vortici blu (2017)
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Nocturno


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Nocturno
Notturno


Pelas duas da manhã o gato leva-me
à cozinha para
me dar de comer. Hoje à noite atrasa a hora –
é esta a noite ideal para
a ilusão dos amantes (o que acontecer nessa hora
jamais
aconteceu). Acordado o
pensamento é a minha geografia –
o que fazer às imagens que nenhum poema
reclamou (a
gota que cai da torneira é sempre
a mesma gota? O
mar que um búzio contém é
o da praia onde estava?) Às duas
torna a ser uma e
o gato leva-me ao quarto
(se a noite não traz respostas é
sempre o silêncio quem fala) e
um gato que escreve com as patas tem decerto
algo a dizer.
Verso le due di notte il gatto mi porta
in cucina per
darmi da mangiare. Stanotte si torna indietro di un’ora –
questa è la notte ideale
per illudere gli amanti (ciò che succederà in quest’ora
non è mai
successo). Da sveglio il
pensiero è la mia geografia –
che fare delle immagini che nessuna poesia
ha reclamato (la
goccia che cade dal rubinetto è sempre
la stessa goccia? Il
mare contenuto in una conchiglia è
lo stesso della spiaggia in cui essa giaceva?) Alle due
si ritorna all’una e
il gatto mi riporta in camera
(se la notte non reca risposte è
sempre il silenzio a parlare) e
un gatto che scrive con le zampe di sicuro ha
qualcosa da dire.
________________

Giuseppe Malagodi
Uomo in camera da letto (1946)
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A conta


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Poesie inedite »»
nunorochamorais.blogspot.com (marzo 2023) »»
 
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A conta
Il conto


A conta.
Os números que recusam a placidez (do certo,)
Desencontrados, vagabundos,
Os números insones que fiam as longas horas
Em que se pensa neles.
É só uma conta, uma só,
Que representa, no entanto, todo o desassossego,
Não aquele do Bernardo Soares,
Deambulante nos seus horrores metafísicos,
Mas o desassossego com que o dia se levanta
Do seio da sua noite
Para nos apresentar mais outra conta,
Logo que esta esteja resolvida.
A conta.
Palavras a Deus. E Deus dá-nos também
Uma conta para resolver.
Il conto.
I numeri che ripudiano la tranquillità (del certo,)
Discordanti, raminghi,
I numeri che insonni filano le lunghe ore
In cui si pensa a loro.
È solo un conto, uno solo,
Che rappresenta, però, tutta l’inquietudine,
Non quella di Bernardo Soares,
Che vaga tra i suoi orrori metafisici,
Ma l’inquietudine con cui il giorno si leva
Dal seno della sua notte
Per presentarci un altro conto,
Non appena questo verrà saldato.
Il conto.
Parole a Dio. E Dio anche a noi dà
Un conto da saldare.
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Jasper Johns
Numeri a colori (1981)
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Mecânica de um abraço


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Mecânica de um abraço
Meccanica di un abbraccio


  ‘How long shall I hold this hug?’
  Tess Gallagher

O que encerras num abraço quando
abraças alguém não é
um corpo: é tempo. Nesse demorar suspenso
(enquanto deténs outra vida) há
um corpo que é teu enquanto o reténs
nos braços
(porquanto o tens para ti
suspendendo o movimento)
enquanto páras o tempo pelo
tempo
de um abraço. Mas a
força dos teus braços é mais fraca do
que a do tempo e
tens de ser tu a ceder
(tens de ser tu a largar) porque
o tempo não aceita estar parado tanto tempo e
exige que o soltes para
tornar ao movimento.
  ‘How long shall I hold this hug?’
  Tess Gallagher

Ciò che racchiudi in un abbraccio quando
abbracci qualcuno non è
un corpo: è tempo. In questo indugiare sospeso
(mentre tieni ferma un’altra vita) c’è
un corpo che è tuo mentre lo trattieni
tra le braccia
(fintantoché lo tieni per te
sospendendo il movimento)
mentre fermi il tempo per il
tempo
di un abbraccio. Ma la
forza delle tue braccia è più scarsa di
quella del tempo e
devi essere tu a cedere
(devi essere tu a lasciare la presa) perché
il tempo non accetta di star fermo tanto tempo ed
esige che lo liberi per
tornare al movimento.
________________

Codice Manesse
Federico II e Bianca Lancia (1305-1315)
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As paredes em falta


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As paredes em falta
Le pareti mancanti


Nos
prédios bombardeados (por exemplo: nos Balcãs)
é fácil de figurar as celas
em que vivemos. Blocos altos sem fachada
(desde os dias da guerra)
tornam-no mais evidente: quartos cúbicos
exíguos
aos quais falta uma parede –
essa que dá para a fuga
que mostra a liberdade. Mas isso é
nos sítios
da guerra. Nos lugares em paz
os banqueiros (e os cobradores de impostos)
brincam com os moradores
(privando-os de quatro paredes!)
como quem brinca às casinhas com
uma casa de bonecas
dessas que há nos museus ricos do Norte
da Europa.
Nelle
costruzioni bombardate (ad esempio: nei Balcani)
è facile immaginarsi i loculi
in cui viviamo. Alti edifici senza facciata
(fin dai giorni della guerra)
li rendono visibili: camere cubiche
minuscole
alle quali manca una parete –
quella rivolta verso la fuga
che indica la libertà. Ma questo vale
per i siti
di guerra. Nelle località in pace
i banchieri (e gli esattori delle imposte)
si divertono con gli abitanti
(togliendo loro quattro pareti!)
come chi gioca alle casette con
una casa di bambole
di quelle che espongono nei ricchi musei del Nord
dell’Europa.
________________

Leticia Gaspar
Doll house (2007)
...

Acerca da poesia portuguesa contemporânea


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Acerca da poesia portuguesa contemporânea
Sopra la poesia portoghese contemporanea


A beleza
desperdiçada quando os museus estão fechados –
à noite
não há olhares percorrendo os corredores
nada mais resta às meninas
(na solidão das molduras) do
que acirrar-se
entre si. E como sabem ser cruéis (as
novas zoando as velhas
as magras zoando as fartas) umas
e outras
rendidas às mulheres (?!) nas telas
abstractas. Ávidas de atenção
vão dirimindo vaidades compondo-se
de hora a hora
(na ilusão das molduras) para disputar
a atenção néscia do
guarda de turno.
La bellezza
sprecata quando i musei sono chiusi –
la notte
non ci sono sguardi a percorrere i corridoi
non resta più nulla alle fanciulle
(nella solitudine delle cornici) per
cui litigare
fra di loro. E quanto sanno essere perfide (le
giovani deridendo le vecchie
le magre deridendo le grasse) le une
e le altre
umiliate dalle donne (?!) sulle tele
astratte. Bramose di attenzioni
dibattono vanità ricomponendosi
di ora in ora
(nell’illusione delle cornici) per disputarsi
l’ignara attenzione del
guardiano di turno.
________________

Francesco Hayez
Ninfe al bagno (1831)
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A temperadura do medo


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A temperadura do medo
La temperatura della paura


  Willis Tower
  103º andar
  412 metros de altura

No
topo
do arranha-céus (numa varanda de vidro)
por um instante senti
o que poderão ter sentido
os prisioneiros do fogo no alto
das torres gémeas. Mas só
o primeiro
segundo. Olhando a rua em baixo
(sobre um deck transparente)
senti a pele a ser rasgada pelo
súbito
calafrio de uma queda iminente –
a última viagem
de Ícaro. É só do que sei falar:
quão gelada é a vertigem
aquele primeiro
vazio.
  Willis Tower
  103º piano
  412 metri d’altezza

In
cima
al grattacielo (in una veranda di vetro)
per un attimo ho sentito
ciò che potrebbero aver sentito
i prigionieri del fuoco dall’alto
delle torri gemelle. Ma soltanto
il primo
secondo. Guardando la strada di sotto
(stando su un piano trasparente)
ho sentito la pelle solcata dal
subitaneo
brivido di un’imminente caduta –
l’estremo viaggio
di Icaro. È tutto quello che so dire:
quant’è gelida la vertigine
quel primo tratto
di vuoto.
________________

Rumi (Rumen Spasov)
La caduta di Icaro III (2017)
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por toda parte


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Narlan Matos »»
 
Narciso Selvagem (2022) »»
 
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por toda parte
dappertutto


a vida é impossível
e mesmo assim está em toda parte
lua nova no céu
um pouco abaixo uma estrela lhe faz companhia
uma lua nova e uma estrela dependuradas na escuridão
  da noite
do grande mistério por detrás de tudo
impossível contar quantas quilhas
cortam o sal do mar das Antilhas
na areia aprendemos a nascer a caminhar
a domar o calor do sol e o frio da chuva
mas existe a vida: o sol faz a sombra
achando a medida das coisas menores
acharemos a medida das coisas infinitas
a fumaça do avião corta o azul infinito do céu
pardais ocupados fazendo ninhos nos beirais
as folhas obedecendo o outono e caindo
isso que faz a copa da cerejeira dançar no ar
isso que faz tanto o mar ir e voltar
isso que faz o tempo passar e passar
disso jamais saberemos o nome e nem o que é
mas é infinito o glossário do que podemos fazer
nascer trabalhar gerar filhos sorrir ter amigos
saltar de paraquedas nadar envelhecer
– e quando finalmente tiveres tuas cãs aprenderás
a meditá-las paciente todas as manhãs
e quando chegar a hora indesejada
partiremos como viemos na brisa azul
e em todas as batalhas ganhas e perdidas
e marcado a ferro e fogo nas coisas idas
estará escrito com letra clara bem legível
que a vida é impossível
e mesmo assim está em toda parte
la vita è impossibile
e nonostante ciò sta dappertutto
luna nuova nel cielo
un po’ più giù una stella a farle compagnia
una luna nuova e una stella appese nell'oscurità
  della notte
del gran mistero che sta dietro a tutto
impossibile contare quanti vascelli
fendono il sale del mar delle Antille
sulla sabbia impariamo a nascere a camminare
a domare il calore del sole e il freddo della pioggia
ma esiste la vita: il sole crea l’ombra
trovando la misura delle minime cose
troveremo la misura delle cose infinite
la scia dell’aereo taglia l’azzurro infinito del cielo
passeri intenti a fare i nidi nelle grondaie
foglie che cadono ubbidendo all’autunno
ciò che fa danzare la chioma del ciliegio nell’aria
ciò che fa sì che vada e ritorni il mare
ciò che fa sì che il tempo continui a passare
di tutto ciò mai sapremo il nome né che cos’è
ma è infinito il glossario di quel che possiamo fare
nascere lavorare generare figli sorridere avere amici
buttarsi col paracadute nuotare invecchiare
– e quando infine la canizie arriverà imparerai
a pensarci su pazientemente ogni mattina
e quando l’ora ingrata giungerà
ce ne andremo come venimmo nella brezza blu
e in tutte le battaglie vinte e perdute
e marcato a ferro e fuoco sulle cose passate
starà scritto a lettere chiare e ben leggibili
che la vita è impossibile
e nonostante ciò sta dappertutto
________________

Yayoi Kusama
The endless life of people (2010)
...

A hipótese do cinzento


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A hipótese do cinzento
L’ipotesi del grigio


Num país a preto e branco
recomendaram-me o cinzento. Um recurso
extraordinário. Com a hipótese do cinzento poderia
ensaiar
soluções inusitadas
experimentar o morno (que não é frio nem
quente)
explorar o lusco-fusco (que
não é noite nem dia) praticar a omissão
(que não é mentira
nem verdade). Preto e branco misturados permitiam
finalmente
viver em conformidade
desocupar os extremos (tão alheios à virtude)
liquefazer-me na turba
no centro na
média
dourada. Com a paleta dos cinzentos poderia
aprimorar a arte da sobrevivência que
(como os mansos bem sabem) é
não estar vivo
nem morto.
In un paese in bianco e nero
mi hanno consigliato il grigio. Un compromesso
straordinario. Con l’ipotesi del grigio potrei
tentare
soluzioni inconsuete
sperimentare il tiepido (che non è né caldo né
freddo)
esplorare il crepuscolo (che
non è né notte né giorno) praticare l’omissione
(che non è né menzogna
né verità). Bianco e nero mischiati permetterebbero
finalmente
di vivere in stabilità
discostarmi dagli estremi (così alieni alla virtù)
sciogliermi nella massa
al centro
nell’aurea
mediocrità. Con la gamma dei grigi potrei
perfezionare l’arte della sopravvivenza che
(come i mansueti ben sanno) é
non esser né vivo
né morto.
________________

Georgia O'Keeffe
Morning Glory with Black (1926)
...

18ème arrondissement


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18ème arrondissement
18ème arrondissement


    a Nuno Júdice

Os
escultores de Montmartre têm que ter
estudado (a fundo)
anatomia para poderem esculpir belas
imagens sagradas. Ou
terem errado ao acaso (de lupanar
em
lupanar) até não restarem dúvidas
(ao mais infímo detalhe) de
tão casta
anatomia. Não consta que
alguma vez monjas se tenham disposto
a posar
(assim desnudas) para que
coxas e seios saíssem das mãos
dos escultores com tamanha
exactidão. Concordará o leitor quando digo que
as moças que assim se davam
à arte tinham qualquer
coisa de santas.
    a Nuno Júdice

Gli
scultori di Montmartre devono aver
studiato (a fondo)
anatomia per poter scolpire belle
figurazioni sacre. O
devono aver girato a caso (di lupanare
in
lupanare) perché non restassero dubbi
(fino al minimo dettaglio) sopra
una tanto casta
anatomia. Non consta che
talvolta delle monache abbiano accettato
di posare
(così nude) affinché
cosce e seni scaturissero dalle mani
degli scultori con una tale
precisione. Converrà il lettore quando dico che
le ragazze che così si dedicavano
all’arte avevano in qualche modo
un che di sante.
________________

M.me Didsbury - "Allegoria del dolore"
(Cimitero di Montmartre - div. 21)
...

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (433) Pássaro de vidro (52) Poemas dos dias (23) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (11) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)