Resposta


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Cenas vivas (2000) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Resposta
Risposta


«Eu vinha para a vida, e deram-me dias»
vivos com os seus lugares e espaço.

Ontem nasci sem fim, e alimentei-me
nesta mesa que em duas se reparte.
Uma aba no mar, vagante à toa,
trouxe os sabores de ondas, de orlas.
Outra aba na terra mostrou-me as pedras
polidas, úberes, gastas. Pedras
densas que me encheram o ventre
e me criaram similar à terra.
No mar tive cristais quebrados, jóias;
na terra, tão nítida poeira branca
que fundi as formas das flores visíveis.

E hoje é este olhar profundo,
deriva das imagens pelo mundo.

«Io venivo per la vita, e m’han dato giorni»
vivi coi loro luoghi e con lo spazio.

Ieri nacqui senza fine e mi nutrii
a questa tavola che si divide in due.
Una metà sul mare, vagabondando a caso,
portò i sapori delle onde, dei lidi.
L’altra metà sulla terra mi mostrò le pietre
levigate, feconde, consumate. Pietre
dense che mi riempirono il ventre
e m’allevarono simile alla terra.
Sul mare s’infransero cristalli, gioielli;
sulla terra, la polvere bianca era così nitida
che condensai le forme dei fiori visibili.

E oggi c’è questo sguardo profondo,
deriva delle immagini per il mondo.

________________

Serge Hamad
Spiaggia 6 (2011)
...

Os grous?


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Cenas vivas (2000) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Os grous?
Le gru?


As viagens separam-nos do passado.
Se apenas viajássemos como grous,
sem reconhecer as nações debaixo da quilha
 do nosso esterno,
se não trocássemos os idiomas e as unhas
com os habitantes das novas geografias,
seríamos nós. Porque o idioma
é fechado e insondável em cada criatura,
porque cada nação é o berço de uma língua
e os meus poemas noutra língua não são meus.
Quando viajamos no mundo não sabemos
 quem fomos.

I viaggi ci separano dal passato.
Se soltanto viaggiassimo come gru,
senza riconoscere le nazioni sotto la chiglia
 del nostro profilo,
se non scambiassimo gli idiomi e gli artigli
con gli abitanti delle nuove geografie,
saremmo noi. Perché l’idioma
è chiuso e insondabile in ogni creatura,
perché ogni nazione è la culla di una lingua
e le mie poesie in un’altra lingua non sono mie.
Quando viaggiamo per il mondo non sappiamo
 chi siamo stati.

________________

Laura Cultrera
Volo di gru (2010)
...

O bucolismo deixará de ser um canto


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Cenas vivas (2000) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


O bucolismo deixará de ser um canto
La poesia bucolica cesserà d’essere un canto


Sempre vivi à beira da paisagem,
pensando-a como ser, vendo-a,
chamando-a para mim, na minha íris.
Reflectida, a paisagem estava
sempre em mim, nos olhos, na boca
com uma história no tempo, hora a hora.
Benigna ou mortal, era ela própria,
era mundo, antigo e breve, terrestre,
leito de homens, para viver pascendo
ou para morrer, como ela mesma era
morta e transformada eternamente.
E acreditei que só, para sempre,
o latejar natural dos astros, do ar,
das águas, da terra, a manteriam
entregada a mim, à minha beira,
tal como estava desde o nascimento.
Mas hoje sei que os homens insanos,
em vez de amarem o corpo da matéria
no olhar e na fragrância das paisagens,
o depredaram, como se apenas
nos quisessem deixar de herança o mundo vivo
dos monstros vindos da nossa antiga pátria, a Grécia.
O grande Minotauro hoje chama-se Chernobyl,
demiurgo que expele um hálito
que gera crias das bestas e dos homens
oposto ao antigo sopro do Génesis; que gera
criaturas como se meramente simulasse
a vida. E a paisagem torna-se aparência,
somente simulacro e armadilha,
e o bucolismo deixará de ser um canto,
pois a flauta cala o seu trilo de esperança.

Sempre ho vissuto al cospetto della natura,
pensandola come creatura, vedendola,
richiamandola in me, nella mia iride.
Riflessa, la natura stava
sempre in me, negli occhi, nella bocca
con una storia nel tempo, ora per ora.
Benigna o mortale, ella era veritiera,
era mondo, antico e breve, terrestre,
letto d’uomini, per vivere appagati
o per morire, come ella stessa era
morta e s’era eternamente trasformata.
E credevo che solamente, e per sempre,
il pulsare naturale degli astri, dell’aria,
delle acque, della terra, l’avrebbero serbata
come un dono per me, al mio servizio,
proprio com’era fin dall’origine.
Ma oggi so che gli uomini insani,
invece d’amare il corpo della materia
nello sguardo e nella fragranza della natura,
l‘hanno devastato, come se appena
volessero lasciarci in eredità il mondo vivo
dei mostri venuti dalla nostra antica patria, la Grecia.
Il grande Minotauro oggi si chiama Chernobyl,
demiurgo che emette un alito
che genera prole di bestie e d’uomini
in contrasto con l’antico soffio della Genesi; che genera
creature come se semplicemente simulasse
la vita. E la natura si riduce ad apparenza,
solamente simulacro e trappola,
e la poesia bucolica cesserà d’essere un canto,
poiché il flauto tace il suo trillo di speranza.

________________

Enrico Baj
Personaggio urlante (1964)
...

Depois de traduzir Hélène Dorion


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Cenas vivas (2000) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Depois de traduzir Hélène Dorion
Dopo aver tradotto Hélène Dorion


Amar o universo não me traz mágoa.
Sobretudo, amar a areia
arrebata-me de júbilo e paixão.
Amar o mar completa a minha vida
com o tacto de um amor imenso.
Mas veio o vento e, por momentos,
amargurou o meu corpo, a oscilar.
E está o Sol aqui, depois de uns dias
com o jardim obscurecido a beber sombra.
E sei que os átomos zumbem
e dançam como os insectos,
ébrios em redor do pólen.

Amare l’universo non mi reca pena.
Soprattutto, amare la sabbia
m’infervora di giubilo e passione.
Amare il mare completa la mia vita
con il tatto d’un amore immenso.
Ma venne il vento e, a tratti,
condannò il mio corpo ad ondeggiare.
Ed ora qui c’è il Sole, dopo giornate
col giardino oscurato a bersi l’ombra.
E so che gli atomi ronzano
e danzano come gli insetti,
ebbri intorno al polline.

________________

Gina Pafiadache
Giardino al tramonto (2015)
...

É o fim do mundo


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Poemas Sociais (2019) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


É o fim do mundo
È la fine del mondo


Mas não o apocalipse.
Não a justiça vingativa.
O fim do mundo é outro:
Os filhos que cresceram
E já não têm infância;
O crepúsculo que chega
Cada vez mais cedo,
O leste que desabrocha
Cada vez mais tarde;
O silêncio cada vez mais seco,
Cada vez mais sem amor,
Cada vez mais sem solidão;
O corpo saqueado,
A idade que já nada devolve,
A memória a um canto da sombra,
Chorosa, chorosa.

O fim do mundo
No mundo que continua
Quando nós, porém, não.
Ma non l’apocalisse.
Non la giustizia vendicativa.
La fine del mondo è altro:
I figli che son cresciuti
E non hanno già più infanzia;
Il crepuscolo che arriva
Sempre più presto,
L’oriente che si schiude
Sempre più tardi;
Il silenzio sempre più secco,
Sempre più senz’amore,
Sempre più senza solitudine;
Il corpo devastato,
L’età che già nulla dispensa,
La memoria in un cantuccio all’ombra,
Lacrimosa, lacrimosa.

La fine del mondo
Nel mondo che continua
Quando noi, però, no.
________________

Bruno Bruni
L'ultimo espresso (1998)
...

A porta branca


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Cenas vivas (2000) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


A porta branca
La porta bianca


Por detrás desta porta,
uma de todas as portas que para mim se abrem
 e se fecham,
estou eu ou o universo que eu penso.
Deste meu lado, dois olhos que vigiam
os fenómenos naturais, incluindo a celeste mecânica
e as sociedades humanas, sedentárias e transumantes.

Mas podem os olhos fazer a sua enumeração,
e pode o pensado universo infindamente ir-se,
que para mim o que hoje importa
é aquela olhada vaga porta.

Que ela seja só como a vejo, a porta branca,
com duas almofadas em recorte,
lançada devagar sobre o vão do jardim,
onde o gato, por uma fenda aberta
pela sua pata, tenta ver-me,
tão alheio a versos e a universos.

Dietro questa porta,
una tra le tante porte che per me si aprono
 e si chiudono,
ci sono io o l’universo che io penso.
Da questo mio lato, due occhi che vigilano
i fenomeni naturali, comprese la meccanica celeste
e le società umane, sedentarie e transumanti.

Ma gli occhi possono fare la loro classificazione,
e l’universo pensato può infinitamente espandersi,
che per me ciò che oggi importa
è quella vaga porta scrutata.

Che essa sia solo come io la vedo, la porta bianca,
com due pannelli intagliati,
leggermente socchiusa verso la nicchia del giardino,
dove il gatto, attraverso un varco aperto
dalla sua zampa, cerca di vedermi,
così estraneo a versi e a universi.

________________

Vilhelm Hammershøi
Porta bianca (1913)
...

Epístola para um cisne


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Epístolas e memorandos (1996) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Epístola para um cisne
Epistola per un cigno


Cisne, que não conheces na água o teu reflexo verde
quando sob o teu corpo é dia e o sol afaga quedo
ou quando do teu porte há a sombra negra igual
a tudo o que está negro, e é noite, e abandono e medo.
Nem concebes o amor, nem leda, nem sequer eu mesma
que te amo no poema e temo o canto imaginado
que não cantaste agora ou não ouvi, de madrugada
quando a minha mãe morta era somente insone.
Nunca viste a beleza, nem a vida e os lábios
que sopram as primeiras e últimas palavras, ou
o hálito que sai em voz da dor mais desolada.
Nem a doença, a morte e os olhos sem imagens
do ar e das cores várias viste em que tu vogas branco.
É falso que celebres sozinho a tua morte e o fim,
se não sabes que só o teu outro cisne se perde.
Mas quando vi insone e logo morta a minha mãe
estou certa de que a cega, a muda, falsa ave cantou.

Cigno, tu che nell’acqua non riconosci il tuo riflesso verde
quando sotto il tuo corpo è giorno e il sole ti culla sereno
o quando il tuo profilo dà un’ombra nera uguale
a tutto ciò che è nero, ed è notte, e abbandono, e paura.
Non concepisci l’amore, né Leda, neppure me stessa
che in poesia ti amo e temo il canto immaginato
che ora non hai cantato, o io non l’ho udito, verso l’alba
quando mia madre morta era solamente insonne.
Non hai mai visto la bellezza, né la vita e le labbra
che sussurrano le prime e le ultime parole, o
l’alito che accompagna la voce della più desolata pena.
Né hai visto il morbo, la morte e gli occhi senza immagini
dell’aria e dei vari colori in cui tu bianco ondeggi.
È falso che tu celebri da solo la tua morte e la fine,
se non sai che solo l’altro tuo cigno si perde.
Ma quando io vidi insonne e presto morta mia madre
sono certa che il cieco e muto e falso uccello abbia cantato.

________________

Jan Asselijn
Cigno minacciato (1650)
...

Epístola para os amados


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Epístolas e memorandos (1996) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Epístola para os amados
Epistola per le persone amate


Ainda vos amos, porque aqui não há só tempo
e o amor, no tempo, é tão intenso e absoluto,
que transborda do tempo para o não-presente.
Havendo tempo e não-tempo, eu vos confesso agora
que em parques ao poente ainda vos estou a amar.
E não que vos ofereça hoje alucinados versos,
mas porque do meu tempo sois donos, como os poemas
que eu escrevo do tempo para o não-tempo, sempre.

Ancora vi amo, perché qui non c’è soltanto tempo
e l’amore, nel tempo, è così intenso e assoluto,
che trasborda dal tempo verso il non-presente.
Coesistendo tempo e non-tempo, io vi confesso ora
che in parchi a ponente continuo ad amarvi ancora.
E non è che vi offra solo oggi versi allucinati,
ma è perché del mio tempo voi siete padroni, sempre,
come le poesie che io scrivo dal tempo per il non-tempo.

________________

Sebastiano del Piombo
Ritratto di Vittoria Colonna (1520-1525)
...

Epístola para Dédalo


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Epístolas e memorandos (1996) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Epístola para Dédalo
Epistola per Dedalo


Porque deste a teu filho asas de plumagem e cera
se o sol todo-poderoso no alto as desfaria?
Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:
todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.
Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sangue
dos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos.

Perché hai dato a tuo figlio ali di piume e cera
se il sole onnipotente lassù le avrebbe distrutte?
Non mi udì, per la distanza, però pensai che dicesse:
tutti i figli sono Icaro che moriranno in mare.
Dopo ritornano, prodighi, all’amorevole richiamo di sangue
di quelli che furono e di quelli che sono ora, figli dei figli.

________________

Charles Paul Landon
Dedalo incita il figlio al volo (1799)
...

Canto dos lugares


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Cantos do Canto (1995) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Canto dos lugares
Canto dei luoghi


Tantas vezes os lugares habitam no Homem
e os homens tantas vezes habitam
nos lugares que os habitam, que podia
dizer-se que o cárcere de Sócrates,
estando nele Sócrates, não o era,
como diz Séneca em epístola a Hélvia.

Por isso cada lugar nos mostra
uma vida clara e desmedida,
enquanto o Tempo oscila e nos oculta
que é curto e ambíguo
porque nos dá a morte e a vida.

E os lugares somente acabam
porque é mortal cada homem
que houve em si algum lugar.

Molto spesso i luoghi abitano nell’Uomo
e gli uomini molto spesso abitano
nei luoghi che li abitano, sicché si potrebbe
dire che il carcere di Socrate, fintanto che
Socrate vi fu rinchiuso, tale non era,
come sostiene Seneca in una lettera a Elvia.

Perciò ogni luogo ci mostra
una vita limpida e sconfinata,
mentre il Tempo oscilla e ci nasconde
d’essere breve e ambiguo,
lui che ci dispensa morte e vita.

E i luoghi finiscono soltanto
perché è mortale ogni uomo
che in sé abbia ospitato un luogo.

________________

Markus Antokolski
Socrate morente (1878)
...

Também os nomes não morrem...


Nome :
 
Collezione :
Fonte :
 
Altra traduzione :
Nuno Rocha Morais »»
 
Poesie inedite »»
nunorochamorais.blogspot.com (agosto 2020) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Também os nomes não morrem...
Neanche i nomi muoiono...


Também os nomes não morrem,
Mas transformam-se
E, constantemente, emergem
Da morte que não possuem,
Banhados noutras formas.
Por isso, poderás negar-me,
Dissolver-me nas viagens
De pássaros agudos,
Porque eu volto,
Volto com o sol do sul,
Arrastado nas turbulentas águas
Das migrações,
Volto com o vento jovem,
Liso e límpido
Que chama Março
Da sua hibernação no tempo.
Diz folhas, diz dunas, diz frutos,
O meu nome nasce desses nomes,
O meu nome tem raízes nesses nomes,
Diz dedos, diz fragas, diz águas,
Diz ondulação, diz chuva, diz curva...

Neanche i nomi muoiono,
Ma si trasformano
E, costantemente, emergono
Dalla morte che non posseggono,
Modellati in altre forme.
Perciò, potrai negarmi,
Dissolvermi nei viaggi
D’uccelli acuminati,
Perché io ritorno,
Torno col sole del sud,
Trascinato nelle turbolente acque
Delle migrazioni,
Torno col vento giovane,
Liscio e limpido
Che richiama Marzo
Dal suo letargo nel tempo.
Dice foglie, dice dune, dice frutti,
Il mio nome nasce da questi nomi,
Il mio nome è radicato in questi nomi,
Dice dita, dice rupi, dice acque,
Dice ondulazione, dice pioggia, dice curva...

________________

Ross Bleckner
Scuola (1999)
...

Canto do Génesis


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Cantos do Canto (1995) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Canto do Génesis
Canto della Genesi


Ao princípio era a luz, depois o céu
azul porque a luz se embebe
nas camadas de ar que olhamos.
Ao princípio era a Paixão e engendrou
do seu sangue os animais, da sua
Cruz as plantas. Era, ao princípio,
o animal-vegetal minúsculo, oculto
no Paraíso, mas omnipresente
desde o ante-princípio. E da argila
ou da terra adâmica formou-se a Natureza
e o Homem, banhados pela luz
que recortou linhas e volumes vagos.
Ao princípio era o martírio
e a bênção daquele que trabalha
o seu corpo e o seu pão de sol a sol.
E os frutos fulguraram nessa luz
quando as águas se apartaram
e o mar, até hoje, quebra e requebra a onda
para eu ouvir o som do início.

In principio era la luce, poi il cielo
azzurro perché la luce s’impregna
negli strati d’aria che vediamo.
In principio era la Passione e generò
dal suo sangue gli animali, dalla sua
Croce le piante. V’era, in principio,
il minuscolo animale vegetale, nascosto
in Paradiso, ma onnipresente
fin da prima del principio. E dall’argilla
o dalla terra primeva prese forma la Natura
e l’Uomo, intrisi della luce
che intagliò linee e vaghi volumi.
In principio c’era l’affanno
e la benedizione di colui che lavora
al suo corpo e al suo pane da un’alba all’altra.
E i frutti rifulsero in quella luce
quando le acque si divisero e il mare,
fino ad oggi, frange e rifrange l’onda
perché io possa udire il suono dell’inizio.

________________

Marc Chagall
La creazione dell’uomo (1956-1958)
...

Canto de Orfeu


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Cantos do Canto (1995) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Canto de Orfeu
Canto di Orfeo


Pendurou no salgueiro a cítara,
caminhou diante dos seus passos,
sendo depois punido pelos Anjos.
Caminhou sempre para o futuro
mesmo olhando para trás na memória
e por esse futuro foi punido
pois levaria consigo a imagem viva.
Não era Eurídice aquela que o seguia
mas a sua face figurada
pelos olhos de Orfeu ainda capazes
de criar o modelo e a imagem.
Depois da morte ela ainda vivia
pronta para o prender em espelhos dúplices
e ele que amava nela o corpo, a alma,
o suor, o aroma, a linha dos dedos,
levou-a, para sempre ascendida
ao Tempo do Espaço depois do futuro.
Foi punido por Anjos ciosos
da sua ciência da Origem,
enquanto outros Anjos doces coroavam
aquele Filho que também levara
na memória dos olhos a figura
da Mãe, que todos os filhos levam em si.
Um terrível canto de lamento humano
depois soou: “Che faró senza Uridice?“,
com o som das vogais mais dolorosas.
Mas o sábio Orfeu deixou a lira
somente ser tocada pelo vento
quando o canto perseguia a imagem.

Appese al salice la cetra,
camminò davanti ai propri passi,
e perciò fu poi punito dagli Angeli.
Camminò sempre verso il futuro
pur guardando indietro nella memoria
e per questo futuro fu punito
ché avrebbe con sé recato l’immagine vivente.
Non era Euridice quella che lo seguiva
ma il suo sembiante raffigurato
dagli occhi di Orfeo capaci ancora
di creare il modello e l’immagine.
Dopo la morte ella ancora viveva
disposta a trattenerlo in falsi specchi
ed egli che amava in lei il corpo, l’anima,
il sudore, l’aroma, la forma delle dita,
la prese, per sempre ascesa
al Tempo dello Spazio oltre il futuro.
Fu punito da Angeli invidiosi
della sua conoscenza dell’Origine,
mentre altri Angeli benevoli osannavano
quel Figlio che pure aveva portato
nella memoria degli occhi la figura
della Madre, che tutti i figli portano in sé.
Un terribile canto d’umano lamento
poi risuonò: “Che farò senza Euridice?“,
col suono delle vocali più dolorose.
Ma il saggio Orfeo lasciò che la lira
fosse suonata soltanto dal vento
quando il canto inseguiva l’immagine.

________________

Mo Bantman
Orfeo e Euridice (2016)
...

Canto da chávena de chá


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Cantos do Canto (1995) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Canto da chávena de chá
Canto della tazza di té


Poisamos as mãos junto da chávena
sem saber que a porcelana e o osso
são formas próximas da mesma substância.
A minha mão e a chávena nacarada
– se eu temperar o lirismo com a ironia –
são, ainda, familiares dos pterossáurios.
A tranquila tarde enche as vidraças.
A água escorre da bica com ruído,
os melros espiam-me na latada seca.
É assim que muitas vezes o chá evoca:
a minha mão de pedra, tarde serena,
olhar dos melros, som leve da bica.
A Natureza copia esta pintura
do fim da tarde que para mim pintei,
retribui-me os poemas que eu lhe fiz
de novo dando-me os meus versos ao vivo.
Como se eu merecesse esta paisagem
a Natureza dá-me o que lhe dei.
No entanto algures, num poema, ouvi
rodarem as roldanas do cenário,
em que as palavras representavam
a cena da pintura da paisagem
num telão constantemente vário.
Só o chá me traz a minha tarde,
com a chávena e a minha mão que são
o mesmo pedaço de calcário.
Hoje a bica refresca a água do tanque,
os melros descem da latada para o chão,
e as vidraças devagar escurecem.
As palavras movem-se e repõem
no seu imóvel eixo de rotação
o espaço onde esta mesa de verga
gira nas grandes nebulosas.

Posiamo le mani sulla tazza
senza sapere che la porcellana e l’osso
sono forme similari della stessa sostanza.
La mia mano e la tazza madreperlacea
– se io concilio il lirismo con l’ironia –
sono, ancora, imparentati con gli pterosauri.
Il pomeriggio quieto riempie le vetrate.
L’acqua scorre dalla cannella con gorgoglio,
i merli mi spiano sul graticcio secco.
È questo che molte volte il tè evoca:
la mia mano di pietra, pomeriggio sereno,
occhiata dei merli, lieve suono della cannella.
La Natura copia questa pittura
del tardo pomeriggio che ho dipinto per me,
mi restituisce le poesie che io le ho fatto
ridandomi i miei versi dal vivo.
Come se io meritassi questo paesaggio
la Natura mi dà quello che io le ho dato.
Però da qualche parte, in una poesia, ho udito
scorrere le carrucole del palcoscenico,
in cui le parole rappresentavano
la scena della pittura del paesaggio
su di uno schermo costantemente vario.
Solo il tè mi riporta al mio pomeriggio,
con la tazza e la mia mano che sono
lo stesso pezzo di calcare.
Oggi la cannella rinfresca l’acqua della vasca,
i merli lasciano il graticcio per il suolo,
e si fa sera pian piano alle vetrate.
Le parole si muovono e ridispongono
sul loro immobile asse di rotazione
lo spazio ove questa tavola di vimini
gira tra le grandi nebulose.

________________

Carlo Benvenuto
Senza titolo (2002)
...

O podador


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Três Rostos - Poemas revistos (1989) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


O podador
Il potatore


Devagar a tesoura poda o arbusto
tornando-o de realidade em desejo
da forma. O que me atrai, a flor,
a folha de fuligem, os troncos curvos
para os pardais escuros e ocultos.

Devagar os ramos caem e os que o
podador despreza vão entrar na gé-
nese da nova terra. É inevitável
que tudo isto me crie nostalgia.
Não há um estalido simples, corte só,

nem morte só, a morte daqueles
ramos estendidos pelo gradeamento
a viver naturalmente entretanto.
O podador escolhe assim a aparên-
cia da obra que devagar executa,

na ordem e no capricho da folhagem
para sempre jovem e ágil.

Pian piano le forbici potano l’arbusto
convertendo la realtà in desiderio
di forma. Quel che m’attrae, il fiore,
lo strato di fuliggine, i tronchi curvi
per i passeri nascosti e scuri.

Pian piano cadono i rami e quelli che il
potatore disdegna entreranno nella ge-
nesi della nuova terra. È inevitabile
che tutto ciò mi crei nostalgia.
Non c’è un unico crepitio, taglio soltanto,

né morte soltanto, la morte di quei
rami troncati per farne frattanto
recinzione che viva naturalmente.
Il potatore sceglie così la fisiono-
mia dell’opera che pian piano esegue,

secondo l’ordine e il capriccio del fogliame
per sempre giovane e agile.

________________

Samuel Salcedo
Gocce di pioggia (giardini di Étretat)
...

Natureza morta com louvadeus


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Três Rostos - Poemas revistos (1989) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Natureza morta com louvadeus
Natura morta con mantide religiosa


Foi o último hóspede a sentar-se
no topo da mesa, já depois do martírio.
As asas magníficas haviam-lhe sido quebradas
por algum vento. Perdera o rumo
sobre a película cintilante de água
no riacho parado. Tal como poisou
junto de nós, com o belo corpo magro
arquejante, lembrava, ainda segundo o seu nome,
um santo mártir. Enquanto meditávamos,
a morte sobreveio, e a pequena criatura,
que viera partilhar a nossa mesa,
depois de ter sido banida das águas
foi banida da terra. Alguém pegou
no volúvel alado corpo morto
abandonado sem nexo na brancura da toalha
- que maculava -
e o atirou para qualquer arbusto raro
que o poeta ainda pôde fotografar.

Fu l’ultimo ospite a sedersi
a capotavola, già dopo il martirio.
Le magnifiche ali gli eran state spezzate
da qualche vento. Aveva perso la meta
sulla superficie scintillante dell’acqua
nel ruscello quieto. Così come si posò
vicino a noi, col bel corpo magro
ansimante, ricordava, stando al suo nome,
un santo martire. Mentre riflettevamo,
sopravvenne la morte, e la piccola creatura,
giunta a spartire la nostra tavola,
dopo esser stata bandita dalle acque
fu bandita dalla terra. Qualcuno afferrò
il delicato corpo morto alato
abbandonato senza logica sul candore della tovaglia
- che insudiciava -
e lo gettò in qualche brullo arbusto
che il poeta poté ancora fotografare.

________________

Oscar Dominguez
Mantide religiosa (1936)
...

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas dos dias (22) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (4) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)