«Le bal au Moulin de la Galette»


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Últimos Poemas (2009) »»
 
Francese »»
«« 42 / Sommario (44) / 45 »»
________________


«Le bal au Moulin de la Galette»
«Le bal au Moulin de la Galette»


A dança é a primeira arte da metamorfose:
Operários, costureiras, que a música arranca
Ao seu torpor de primeiros autómatos,
Ligam-se aqui pelos fios de ínfimas narrativas
A burocratas, marginais, impressionistas,
Sob a luz caprichosamente coada pelas árvores
De um domingo à tarde, em Montmartre.
Mas como saber quem muda? E como? E quanto?
E mudará alguém que esteja no quadro?
Artes políticas, a dança e a pintura,
Precisamente porque omissas –
Como se, esquecendo, não esquecessem,
Mas antes gritassem, a pólvora, as barricadas,
As baterias, os fuzilados da Comuna,
A construção, em represália, de uma basílica,
Sinal de vigilância moral
Sobre as facilidades da virtude, os ritmos dissolutos.
A dança e as suas íntimas narrativas
Pintadas com paciência chinesa
Sobre a porcelana de um domingo à tarde,
Pintadas com os olhos de um pescador.

La danza è l’arte primigenia della metamorfosi:
Operai, costumisti, che la musica strappa
Al loro torpore di primigeni automi,
Vengono qui legati dai fili d’infime vicende
A burocrati, marginali, impressionisti,
Sotto la luce capricciosamente filtrata dagli alberi
D'una domenica pomeriggio, a Montmartre.
Ma come saper chi muta? E come? E quanto?
E cambierà qualcuno presente nel quadro?
Arti politiche, la danza e la pittura,
Esattamente perché smemorate –
Come se, dimenticando, non dimenticassero
ma piuttosto gridassero, la polvere, le barricate,
Le batterie, i fucilati della Comune,
La costruzione, per rappresaglia, d'una basilica,
Simbolo di vigilanza morale
Sulle impudenze della virtù, sui ritmi dissoluti.
La danza e le sue intime vicende
Dipinte con pazienza cinese
Sulla porcellana d'una domenica pomeriggio,
Dipinte con gli occhi di un pescatore.

________________

Auguste Renoir
Le bal au Moulin de la Galette (1876)
...

Mársias e a cintigrafia


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Últimos Poemas (2009) »»
 
Francese »»
«« 41 / Sommario (42) / 44 »»
________________


Mársias e a cintigrafia
Marsia e la scintigrafia


Mársias cintila. É belo assim recortado,
Mudado por Apolo numa paisagem radioactiva.
O deus, com grandes incêndios, deu início
A uma caça à alma, ainda e sempre a monte.
Apolo é paciente, sabe que nada
Sobreviverá à devastação química
Com que fará pagar o desafio de Mársias –
Ter apregoado a impiedade do sol,
Ter-se jactado – O sol é meu inimigo –
Para se arrancar à sua insignificância.
Apolo não o esfolará vivo:
Reserva-lhe pior – uma sorte de laboratório.
Apolo admira os músculos tangidos,
A precisão dos órgãos,
O brilho viscoso das vísceras,
A coralina arborescência
De vasos, veias, fibras,
O impulso arquitectónico de um grito,
A polpa pulsante do vivo em agonia –
Apolo ama esta luz que tudo arranca.
Sobretudo, é preciso que Mársias
Suplique ainda alguma clemência divina,
Para que a sua carne se torne mais funda,
O seu sangue, mais rico,
Para que a dor se expanda
Seguindo essa esperança condutora
Que o deus, com um sopro, fará vã.

Marsia scintilla. È bello così squartato,
Tramutato da Apollo in paesaggio radioattivo.
Il dio, con grandi roghi, diede inizio
Ad una caccia all’anima, sempre più a monte.
Apollo è paziente, sa che nulla
Sopravviverà alla devastazione chimica
Con cui farà pagare la sfida di Marsia –
L’aver proclamato l’empietà del sole,
L’essersi vantato - Il sole è mio nemico –
Di potersi sottrarre alla propria pochezza.
Apollo non lo scorticherà vivo:
Gli riserva di peggio – una sorta di laboratorio.
Apollo ammira i muscoli in evidenza,
La precisione degli organi,
Il vischioso brillio delle viscere,
La corallina arborescenza
Di vasi, vene, fibre,
L’impeto architettonico d'un grido,
La polpa pulsante dell’essere vivente in agonia –
Apollo ama questa luce che ghermisce tutto.
Soprattutto è necessario che Marsia
Supplichi anche qualche divina clemenza,
Affinché la sua carne divenga più intensa,
Il suo sangue, più ricco,
Perché il dolore si espanda
Seguendo quella speranza dominante
Che il dio, con un soffio, renderà vana.

________________

Tiziano Vecellio
Il supplizio di Marsia
(1575-76)
...

Uma sirene de fábrica...


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Últimos Poemas (2009) »»
 
Francese »»
«« 31 / Sommario (32) / 33 »»
________________


Uma sirene de fábrica...
Una sirena di fabbrica...


Uma sirene de fábrica, um alarme na rua –
A fala mansa, sob aparência estrídula,
De uma tessitura em que o mundo é, a um tempo,
Insecto e teia, só com mera mudança de turno,
Mas continuando a perseguir pelo menos
A existência de mais um instante.
Sobre esta tessitura, a outra, gelada,
Uma dispersão de pontos,
A margem pênsil, afinal uma linha,
Onde o espaço é funâmbulo
E, à sua volta, um negro amniótico
Que dorme o sono dos náufragos,
Sem sonhos, ou em devir,
Uma massa compacta
De restos de sóis, mundos extintos,
Flutuando sem deriva,
Encontrando o lugar exacto
Que lhes pertence no esqueleto invisível.

Una sirena di fabbrica, un allarme nella via –
Sibilo benevolo, dall’apparenza stridula,
Di una tessitura in cui il mondo è, ad un tempo,
Insetto e tela, solo con un mero cambio di turno,
Ma che continua a perseguire almeno
L’esistenza d’un istante di più.
Sopra questa tessitura, l’altra, gelida,
Una dispersione di punti,
Il margine sospeso, infine una linea,
Dove lo spazio è funambolo
E, tutt’intorno, un buio amniotico
Immerso nel sonno dei naufraghi,
Senza sogni o in divenire,
Una massa compatta
Di soli in frantumi, mondi estinti,
Fluttuanti senza deriva,
All’incontro dell’esatto luogo
Che loro appartiene nell’invisibile scheletro.

________________

Tobia Ravà
Sistema entropico, Armonia universale (2015)
...

Der blaue Reiter


Nome:
 
Collezione:
Fonte:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Galeria (2016) »»
http://nunorochamorais.blogspot.com (agosto 2019) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Der blaue Reiter
Il cavaliere azzurro


Esperei-o, dia após dia,
Ao cavaleiro azul, e não sei porquê.
Os olhos percorreram o prado
E a floresta, mais acima,
Esperando que do longo tempo da esperança
Emergisse o cavaleiro azul.
Talvez tivesse já passado,
Talvez já não viesse.
Veio, mas não o vi,
Tão somente ouvi o seu tropel
Por estas palavras
E é nelas que prossegue viagem
E abre um trilho que já não posso seguir,
O cavaleiro azul.
O sol, aqui, entra já na sua oclusão,
Para crescer aí, aí onde estás tu.
E se ouvires o cavaleiro azul,
Sai-lhe ao caminho, fá-lo parar,
Sabe quem é e ao que veio.
Fala-lhe. Dá-lhe de ti
O que tiveres para o salvar
E estará cumprido o poema.

Ho atteso, giorno dopo giorno,
Il cavaliere azzurro, e non so perché.
Gli occhi han perlustrato il prato
E la foresta, più a monte,
Aspettando che dal lungo tempo dell’attesa
Emergesse il cavaliere azzurro.
Può darsi che sia già passato,
Può darsi che non venga più.
È venuto, ma non l’ho visto,
Ho solamente sentito il suo scalpiccio
Lungo queste parole
Ed è qui che prosegue il cammino
Ed apre una pista che più non posso seguire,
Il cavaliere azzurro.
Il sole, qui, entra già nella sua fase finale,
Per crescere lì, lì dove sei tu.
E se sentissi il cavaliere azzurro,
Vagli incontro, fallo fermare,
Chiedi chi è e perché è qui.
Parlagli. Dagli di te
Ciò che tu hai per salvarlo
E sarà completa la poesia.

________________

Franz Marc
La torre dei cavalli azzurri (1913)
...

Como fotografia de família..


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Últimos Poemas (2009) »»
 
Francese »»
«« 29 / Sommario (30) / 31 »»
________________


Como fotografia de família...
Come una foto di famiglia...



Como fotografia de família
O recorte dos rochedos arreganhados
Contra o Atlântico hirsuto.
Dir-se-ia que são eles a investir,
Na sua obstinação muda e imóvel,
Contra as vagas, que desfazem e calam
Em estilhas de espuma.
Mais tarde, na maré vaza, os rochedos
Terão regaços de água morna,
Um cheiro a sexo e choco,
Um calor que abraça,
Pegajoso, enjoativo,
De uma ternura dúplice.
Come una foto di famiglia,
Il profilo degli scogli frastagliati
Contro l'Atlantico irsuto.
Si direbbe che sono loro ad avventarsi,
Con muta e immobile ostinazione,
Contro le onde, dissolvendole e riducendole
Al silenzio con schegge di spuma.
Più tardi, con la bassa marea, tra gli scogli
Ci saranno pozze d’acqua tiepida,
Un odore di sesso e marciume,
Un calore che abbraccia,
Colloso, nauseante
Di un’ambigua dolcezza.

________________


Paul Gauguin
L'onda (1888)

Relatório


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
A Matéria do Poema (2008) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Relatório
Resoconto


Faço o inventário dos móveis nesta casa vazia,
com um caderno de escola, enchendo as linhas
com um desenho minucioso de palavras:
um armário de almas, uma cadeira de balouço,
um aparador de ecos, uma mesa sem pernas,
um espelho de sombra, um ângulo interrompido
na cesura do verso, uma estante de imagens.

Levo esta lista ao notário; e peço-lhe que
risque os objectos inúteis, para que o caderno
sirva para alguma coisa. Mas ele pede-me que
substitua as palavras pelos objectos. Então,
ponho a alma no armário, balouço o corpo na
cadeira, grito no abismo do aparador, faço
andar a mesa, olho-me no espelho do verso,
e tiro da estante todas as imagens.

«Que casa é esta?», pergunta-me o
empregado. Digo-lhe que as salas são
as estrofes, que os muros são feitos com
o tijolo dos versos, que um gesso de rimas
preenche os interstícios. Só não sei indicar
a rua, o número, a cor das paredes. É uma casa
que não existe, embora seja a minha casa.

E esvazio-a de móveis, de objectos, de palavras,
até ficar apenas com o poema que a construiu.

Compilo l’inventario degli arredi di questa casa vuota,
con un quaderno di scuola, riempiendo le righe
con un disegno meticoloso di parole:
un guardaroba d’anime, una seggiola a dondolo,
una dispensa d’echi, un tavolo senza gambe,
uno specchio d’ombre, uno spigolo interrotto
nella cesura del verso, una scansia d’immagini.

Consegno l’elenco al notaio; e lo prego di
depennare gli oggetti inutili, perché il quaderno
serva a qualcosa. Ma lui mi prega di
rimpiazzare le parole con gli oggetti. Allora,
ritiro l’anima nel guardaroba, dondolo il corpo sulla
seggiola, urlo nell’abisso della dispensa, spingo
il tavolo in giro, mi osservo nello specchio del verso,
e rimuovo dalla scansia tutte le immagini.

“Che casa è mai questa?”, mi domanda
il notaio. Gli dico che i vani sono
le strofe, che le pareti sono fatte coi
mattoni dei versi, che uno stucco di rime
ripara le fenditure. Quel che non so indicare
sono la via, il numero, il colore dei muri. È una casa
che non esiste, malgrado sia casa mia.

E la sgombro dai mobili, dagli oggetti, dalle parole,
finché non resta che la poesia che l’ha assemblata.


________________

Edward Hopper
Casa sulla ferrovia (1923)
...

Para escrever o poema


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
A Matéria do Poema (2008) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Para escrever o poema
Per scrivere una poesia


O poeta quer escrever sobre um pássaro:
e o pássaro foge-lhe do verso.

O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.

O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.

Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.

Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.

Então, o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.

Mas um pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.

A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.

E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.

E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.

O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto,
e o poema ficou feito.

Il poeta vuol scrivere di un uccello:
e l'uccello gli sfugge via dal verso.

Il poeta vuol scrivere della mela:
e la mela gli cade dal ramo dove l’ha messa.

Il poeta vuol scrivere del fiore:
e il fiore s’affloscia nel vaso della strofa.

Allora il poeta fa una gabbia di parole
perché l’uccello non gli sfugga.

Allora il poeta chiama il serpente
perché convinca Eva a mordere la mela.

Allora il poeta versa acqua nella strofa
perché il fiore non s’afflosci.

Ma un uccello non canta
quando lo chiudono in gabbia.

Il serpente non esce dalla tana
perché Eva ha paura dei serpenti.

E l’acqua che dovrebbe ravvivare il fiore
scorre via in mezzo ai versi.

E non appena il poeta ebbe posato la penna,
l'uccello cominciò a volare,
Eva corse tra gli alberi di melo
e tutti i fiori sbucarono dal terreno.

Il poeta riprese la sua penna,
scrisse quel che aveva visto,
ed ecco fatta la poesia.


________________

Paul Klee
Paesaggio con uccelli gialli (1923)
...

Eva


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
A Matéria do Poema (2008) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Eva
Eva


Quando Eva andava nua pelo paraíso,
disfarçava o tédio à sombra das árvores,
colhendo as flores, cheirando o seu perfume,
e pensando como seria bom ter um céu
para espreitar.

Um dia, uma dessas flores transformou-se
em fruto; e Eva levou-o à boca,
trincou-o, provou a sua polpa.
Por um estranho efeito
de causa e consequência, o sabor da maçã
obrigou Eva a cobrir a sua nudez
com folhas e flores, que passaram
a ser uma metáfora do corpo
que escondem.

Então, o pecado tornou-se uma simples
figura de retórica, e o sexo um exercício
de interpretação.

Quando Eva passeggiava nuda per il paradiso,
scacciava la noia all’ombra degli alberi,
cogliendo i fiori, aspirandone il profumo,
e pensando come sarebbe bello avere un cielo
da scrutare.

Un giorno, uno di questi fiori si trasformò in
frutto; e Eva lo portò alla bocca,
lo addentò, ne assaporò la polpa.
Per una strana reazione
di causa ed effetto, il sapore della mela
costrinse Eva a coprire la sua nudità
con foglie e fiori, che si convertirono
in una metafora del corpo
che nascondono.

Allora, il peccato divenne una semplice
figura retorica, e il sesso un esercizio
d’interpretazione.


________________

La cacciata di Adamo ed Eva dal Giardino dell'Eden
Illustrazione di William Blake (1807)
per il Paradiso Perduto di Milton
...

Verbo


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
As coisas mais simples (2006) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Verbo
Verbo


Ponho palavras em cima da mesa; e deixo
que se sirvam delas, que as partam em fatias, sílaba a
sílaba, para as levarem à boca – onde as palavras se
voltam a colar, para caírem sobre a mesa.

Assim, conversamos uns com os outros. Trocamos
palavras; e roubamos outras palavras, quando não
as temos; e damos palavras, quando sabemos que estão
a mais. Em todas as conversas sobram as palavras.

Mas há as palavras que ficam sobre a mesa, quando
nos vamos embora. Ficam frias, com a noite; se uma janela
se abre, o vento sopra-as para o chão. No dia seguinte,
a mulher a dias há-de varrê-las para o lixo.

Por isso, quando me vou embora, verifico se ficaram
palavras sobre a mesa; e meto-as no bolso, sem ninguém
dar por isso. Depois, guardo-as na gaveta do poema. Algum
dia, estas palavras hão-de servir para alguma coisa.

Metto delle parole sul tavolo; e lascio
che se ne servano, che le taglino a fette, sillaba per
sillaba, per portarle alla bocca – dove le parole
tornano a ricomporsi, per ricadere sul tavolo.

Così, conversiamo gli uni con gli altri. Ci scambiamo
parole; e rubiamo parole altrui, quando non ne
abbiamo; e regaliamo parole, quando sappiamo che ce n’è
di troppo. In tutte le conversazioni avanzano le parole.

Ma ci sono parole che rimangono sul tavolo, quando
noi ce ne andiamo. Diventano fredde, di notte; se una finestra
si apre, il vento le getta a terra. Il giorno dopo,
la donna a ore dovrà spazzarle nella pattumiera.

Perciò, quando me ne vado via, verifico se sono rimaste
parole sul tavolo; e me le ficco in tasca, senza che nessuno
se ne accorga. Poi, le conservo nel cassetto della poesia. Un
giorno o l’altro, queste parole mi serviranno a qualcosa.


________________

Renato Guttuso
Caffè Greco (1976)
...

Braile


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
Geometria Variável (2005) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Braile
Braille


Leio o amor no livro
da tua pele; demoro-me em cada
sílaba, no sulco macio
das vogais, num breve obstáculo
de consoantes, em que os meus dedos
penetram, até chegarem
ao fundo dos sentidos. Desfolho
as páginas que o teu desejo me abre,
ouvindo o murmúrio de um roçar
de palavras que se
juntam, como corpos, no abraço
de cada frase. E chego ao fim
para voltar ao princípio, decorando
o que já sei, e é sempre novo
quando o leio na tua pele.

Leggo l’amore nel libro
della tua pelle; mi soffermo su ogni
sillaba, nel morbido solco
delle vocali, in un breve ostacolo
di consonanti, in cui le mie dita
affondano, per arrivare
al profondo dei sensi. Sfoglio
le pagine aperte dal tuo desiderio,
sentendo il sussurro del tocco
lieve di parole che si
uniscono, come corpi, nell’abbraccio
di ogni frase. E arrivo alla fine
per tornare al principio, ripetendo
ciò che già so, ma è sempre nuovo
quando lo leggo sulla tua pelle.


________________

Camille Claudel
Il valzer (1889-1901)
...

Joseph Brodsky


Nome :
 
Collezione :
Fonte :
 
Altra traduzione :
Nuno Rocha Morais »»
 
Galeria (2016) »»
http://nunorochamorais.blogspot.com (agosto 2019) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Joseph Brodsky
Joseph Brodsky


Só pelos poetas se não chora com palavras
E não gostarias de uma elegia
Onde a tua morte corresse
Entre as margens de uma dor e um desamparo,
Balbuciantes, confusos,
Baba de velhos a quem tudo ultrapassa.
O verso é uma arquitectura insondável
Que esconde um leão —
É só o que, como elegia, te deixo,
A tua lição que talvez não tenha aprendido.
Não gostarias de uma elegia,
Sobretudo dessa em que te lembrassem
Que cada grão de areia desta realidade
É um exílio, uma distância imarcescível.
E esqueço a elegia,
Onde apenas se choram os vivos
E por quem a escreve.

Solo per i poeti non si piange a parole
E a te non piacerebbe un’elegia
Ove la tua morte procedesse
Tra i margini d’un dolore e un abbandono,
Balbettamenti confusi,
Bava di vecchi che nulla trattengono.
Il verso è un’architettura insondabile
Che nasconde un leone —
Ed è solo questo che, come elegia, ti lascio,
La tua lezione che forse io non ho ben imparato.
A te non piacerebbe un’elegia,
Soprattutto una in cui ti ricordassero
Che ogni granello di sabbia di questa realtà
È un esilio, una distanza inalterabile.
E dimentico l’elegia,
Ove solo si piangono i vivi
Ed è per loro che la si scrive.

________________

Litografia da Pablo Picasso (1949)
per Elegia d'Ihpétonga (& Maschere di cenere)
di Yvan Goll
...

Como se faz o poema


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
Geometria Variável (2005) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Como se faz o poema
Come si fa una poesia


Para falarmos do meio de obter o poema,
a retórica não serve. Trata-se de uma coisa simples, que não
precisa de requintes nem de fórmulas. Apanha-se
uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores
[que crescem
no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas
ou nos mercados. É uma flor de sílabas, em que as
pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. Põe-se
no jarro da estrofe, e deixa-se estar. Para que não morra,
basta um pedaço de primavera na água, que se vai
buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,
ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco
da manhã enche o quarto de azul. Então,
a flor confunde-se com o poema, mas ainda não é
o poema. Para que ele nasça, a flor precisa
de encontrar cores mais naturais do que essas
que a natureza lhe deu. Podem ser as cores do teu
rosto – a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,
ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores
da vida se confundem, com o brilho da vida. Depois,
deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem
para as folhas, como a seiva que corre pelos
veios invisíveis da alma. Posso, então, colher a flor,
e o que tenho na mão é este poema que
me deste.

Se vogliamo parlare di come si fa una poesia,
la retorica non serve. Si tratta di una cosa semplice, che non
richiede ricercatezze né formule. Si prenda
un fiore, per esempio, ma non uno di quei fiori
[che crescono
in mezzo ai campi, né di quelli che si vendono nei negozi
o nei mercati. Che sia un fiore di sillabe, in cui i
petali sono le vocali e il gambo una consonante. Lo si metta
nel vaso della strofa e lo si lasci stare. Perché non muoia,
basta un po’ di primavera nell’acqua, che va
cercata nell’immaginazione, se la giornata è di pioggia,
o che si fa entrare dalla finestra, quando l’aria fresca
del mattino riempie la stanza di blu. Allora,
il fiore si confonde con la poesia, ma non è ancora
la poesia. Affinché questa prenda vita, al fiore occorre
trovare colori più naturali di quelli
che la natura gli ha dato. Possono essere i colori del tuo
volto – il suo candore, quando il sole si posa su di te,
o il fondo dei tuoi occhi in cui tutti i colori
della vita si confondono con lo sfolgorio della vita. Dopo,
stendo questi colori sulla corolla, e li guardo scendere
sulle foglie, come linfa che scorra nelle
vene invisibili dell’anima. Allora, posso cogliere il fiore,
e quel che tengo in mano è questa poesia che
tu m’hai dato.


________________

Guillaume Apollinaire
Fiori (1918)
...

Nem sempre o mundo cai de pé...


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Últimos Poemas (2009) »»
 
Francese »»
«« 28 / Sommario (29) / 30 »»
________________


Nem sempre o mundo cai de pé...
Non sempre il mondo cade in piedi...



 Para a Luísa

Nem sempre o mundo cai de pé,
Mas às vezes acontece,
E assim fica, serenamente pousado,
Como essa laranja em noite de Consoada,
Embrulhada junto àquilo a que, por tradição natalícia,
Chamavam chaminé,
Laranja que veio da Bahia,
Comida com método e cuidado,
Presente de família pobre.
Oxalá a memória acabe sempre
Por nos achar e trazer esta luz
Redonda, plácida, pousada,
Sem translação ou lado oculto,
Terra rara que concentra de nós
O mais elementar, o mais fundo,
O mais perdidamente frágil –
Um afecto que nem sempre nos será perdoado
Porque é da sua natureza o mal-entendido.
 Per Luisa

Non sempre il mondo cade in piedi,
Ma talvolta succede,
E rimane così, serenamente posato,
Come quell’arancia alla cena della Vigilia,
Incartata accanto a quello che, per tradizione natalizia,
Chiamavano caminetto,
Arancia che arrivava da Bahia,
Mangiata con metodo e riguardo,
Regalo di famiglie povere.
Vorrei che la memoria finisse sempre
Per ritrovarci e portarci quella luce
Rotonda, placida, raccolta,
Senza rivoluzione né lato nascosto,
Terra rara che concentra di noi
Ciò che è più essenziale, più profondo,
Ciò che è più perdutamente fragile –
Un affetto che non sempre ci sarà perdonato
Perché per sua natura è travisato.

________________


Vassily Kandinsky
Composizione X (1939)

Génesis


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
O Estado dos Campos (2003) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Génesis
Genesi


No princípio era o verbo, e eu traduzia-o
em palavras com um sentido fundo como o poço
de onde as mulheres puxavam os baldes de água,
à tarde, para refrescar o chão de agosto. Nas
cordas de roupa do quintal, eu estendia as palavras
para as secar: e via o sol atravessá-las até ao osso,
dissecando o seu corpo mais vago — as vogais fechadas
do fim, ou a enunciação de um infinito
Até ao limite do verbo.

No principio também eram as coisas: umas
sobre as outras, no alinhamento curvo do destino,
como se não estivessem para cair nessa trepidação
de rimas que um fim de verso pode trazer. Então,
levantava-as do chão onde se tinham partido em pedaços,
as coisas brancas da lua e as coisas vermelhas do sol,
e colava-as na parede, vendo o muro subir
até ao tecto celeste.

E no fim, volta a ser o verbo. Arranha-me a língua
com as suas unhas de consoantes; e pego-lhe ao colo,
para que não fira os pés nas pedras do campo, ouvindo
a sua voz de carne e osso escrever-me, no fundo
da cabeça, e a toda a largura da alma, a frase
redonda do amor. Trabalho a sua sintaxe, até
descobrir as articulações do segredo; e abraço
o corpo que nasce na conjugação
das suas pálpebras, abertas até ao fundo
dos olhos, onde te vejo.

In principio era il verbo, ed io lo traducevo
in parole con un senso profondo come il pozzo
dal quale le donne sollevavano i secchi d’acqua,
la sera, per rinfrescare il suolo d’agosto. Sulle
corde da bucato del cortile, io stendevo le parole
ad asciugare: e vedevo il sole trapassarle fino all’osso,
sezionando il loro corpo svuotato — le vocali chiuse
della fine, o l’enunciazione d’un infinito
Fino al limite del verbo.

In principio c’erano anche le cose: le une
sulle altre, nel curvo allineamento del destino,
come se stessero per cadere in quella trepidazione
di rime che può verificarsi alla fine di un verso. Allora,
le sollevavo da terra dove s’erano rotte in mille pezzi,
le cose bianche della luna e le cose rosse del sole,
e le incollavo alla parete, vedendo il muro salire
fino al soffitto celeste.

E alla fine, torna ad esserci il verbo. Mi graffia la lingua
con le sue unghie di consonante; ed io lo prendo in braccio,
perché non si ferisca i piedi sui sassi del campo, sentendo
la sua voce in carne e ossa scrivermi, ben dentro
la mia testa, e per tutta l'ampiezza dell’anima, la frase
rotonda dell’amore. Ritocco la sua sintassi, fino
a scoprire le articolazioni del segreto; e abbraccio
il corpo che nasce dalla congiunzione
delle sue palpebre, aperte fino al fondo
degli occhi, dove ti vedo.


________________

Paul Klee
Dal grigiore della notte (1918)
...

Princípios


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Nuno Júdice »»
 
Pedro, lembrando Inês (2001) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Princípios
Principi


Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.

Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.

Potremmo sapere un po’ di più
sulla morte. Ma non per questo
avremmo voglia di morire più
alla svelta.

Potremmo sapere un po’ di più
sulla vita. Forse non ci servirebbe vivere
tanto, quando la sola cosa che serve è sapere
che ci tocca vivere.

Potremmo sapere un po’ di più
sull’amore. Ma non per questo smetteremmo
di amare, sapendo esattamente che cos’è l’amore, né
ameremmo di più, constatando che, anche così, nulla
sappiamo sull’amore.


________________

Elizabeth Shippen Green
La Biblioteca (1905)
...

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas dos dias (22) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (4) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)