Canto grande


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Canto grande
Canto grande


Não tenho mais canções de amor.
Joguei tudo pela janela.
Em companhia da linguagem
fiquei, e o mundo se elucida.

Do mar guardei a melhor onda
que é menos móvel que o amor.
E da vida, guardei a dor
de todos os que estão sofrendo.

Sou um homem que perdeu tudo
mas criou a realidade,
fogueira de imagens, depósito
de coisas que jamais explodem.

De tudo quero o essencial:
o aqueduto de uma cidade,
rodovia do litoral,
o refluxo de uma palavra.

Longe dos céus, mesmo dos próximos,
e perto dos confins da terra,
aqui estou. Minha canção
enfrenta o inverno, é de concreto.

Meu coração está batendo
sua canção de amor maior.
Bate por toda a humanidade,
em verdade não estou só.

Posso agora comunicar-me
e sei que o mundo é muito grande.
Pela mão, levam-me as palavras
a geografias absolutas.

Canzoni d’amore non ne ho più.
Tutto ho buttato dalla finestra.
In compagnia della parola
son rimasto, e il mondo si chiarisce.

Del mare ho serbato l’onda migliore
che è meno mutevole dell’amore.
E della vita ho serbato il dolore
di tutti quelli che stanno soffrendo.

Sono un uomo che ha perso tutto
ma ha creato la realtà,
fucina di immagini, deposito
di cose che non esplodono mai.

Di tutto voglio l’essenziale:
l’acquedotto di una città,
la strada litoranea,
il riflusso di una parola.

Lontano dai cieli, anche dai più vicini,
e prossimo ai confini della terra,
è qui che sto. La mia canzone
affronta l’inverno, è di cemento.

Il mio cuore sta battendo
la sua più grande canzone d’amore.
Batte per tutta l’umanità,
in verità io non sono solo.

Adesso posso aprirmi
e so che il mondo è molto grande.
Le parole mi conducono per mano,
a geografie assolute.

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Anselm Kiefer
In principio (2008)

A garrafa


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A garrafa
La bottiglia


A garrafa guarda a bruma
da maior noite do mundo
mas o vulto de meu pai
está imóvel nas brumas
sem canção de desespero.
Da garrafa sai um rio
que banharia Paris
se todos nós nos erguêssemos
em torres de fá maior.
Meu pai imóvel nas brumas
nas brumas sem desespero
domina os arranha-céus
fecha a álgebra da noite
esvaziando a garrafa
de um líquido inexistente
onde dormem tentações:
uma estação, um piano,
uma flor de botoeira,
algumas bibliotecas
sem La Chartreuse de Parme
e o sono, doçura intacta.
Entornando essa garrafa
sobre a minha vida triste
fico eternamente bêbedo
canto nos cais, nos desertos,
aspiro hálitos do céu
e vou pela vida ao léu
quase lúcido de bêbedo!

La bottiglia trattiene la nebbia
della notte più grande del mondo
ma il viso di mio padre
resta immobile nella nebbia
senza canto d’afflizione.
Esce dalla bottiglia un fiume
che bagnerebbe Parigi
se noi tutti salissimo
su torri di fa maggiore.
Mio padre immobile nella nebbia
nella nebbia senz’afflizione
domina i grattacieli
rinchiude l'algebra della notte
versando dalla bottiglia
un liquido inesistente
dove dormono tentazioni:
una stazione, un piano,
un fiore da occhiello,
alcune biblioteche
senza La Certosa di Parma
e il sonno, delizia intatta.
Svuotando questa bottiglia
sulla mia vita triste
io sono eternamente brillo
canto nei porti, nei deserti,
aspiro brezze dal cielo
e vado a caso per la vita
quasi lucido seppur brillo!

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Giorgio Morandi
Grande natura morta metafisica (1918)

A crepitação


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A crepitação
Il crepitare


Qualquer vida é naufrágio e perdimento.
Quando chegamos ao fim da restinga
encontramos apenas mar e vento.

Onde estão nossos sonhos? Um errante
raio de sol sumiu entre a folhagem,
dentro de nós o dia fez-se pálido.

Cercado pela luz da madrugada
e de mim rodeado, estou sozinho
entre as grutas da terra e a ira do mar.

Última luz da derradeira festa,
crepita na manhã a eternidade.
E a eternidade é tudo o que me resta.

Qualunque vita è naufragio e smarrimento.
Quando giungiamo in fondo alla scogliera
troviamo solamente mare e vento.

Dove stanno i nostri sogni? Un ramingo
raggio di sole s’è perso tra il fogliame,
dentro di noi s’è fatto pallido il giorno.

Circondato dalla luce dell’aurora
e in me stesso ravvolto, me ne sto solo
tra le grotte della terra e l’ira del mare.

Luce finale dell’ultima festa,
crepita nel mattino l’eternità.
E l’eternità è tutto ciò che mi resta.

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Claude Monet
Tempesta a Belle-Île (1886)

A coruja branca


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A coruja branca
La civetta bianca



Em minha casa entre as árvores ouço o rumor da noite.
O vento escorraça os astros crepitantes.
As montanhas descem em direcção ao mar como rebanhos
que não tivessem esperado a licença da aurora
 [para a migração necessária.
E a erva cresce. E a água corre. E o mundo recomeça
como uma palavra interrompida. E as nuvens caem do céu
e rastejam no caminho danificado pelas chuvas de janeiro.
Um pio atravessa a folhagem murmurante.
A coruja branca, minha irmã sedentária,
vigia na escuridão o mundo abandonado
por tantas pálpebras fechadas.
Nella mia casa fra gli alberi odo il suono della notte.
Il vento s’insinua tra gli astri crepitanti.
Le montagne scendono verso il mare come greggi
che non hanno atteso il permesso dell’aurora
 [per la necessaria migrazione.
E l’erba cresce. E l’acqua scorre. E il mondo ricomincia
come una parola interrotta. E le nuvole cadono dal cielo
e strisciano sul sentiero danneggiato dalle piogge di gennaio.
Un pigolio attraversa il fogliame mormorante.
La civetta bianca, mia quieta sorella,
veglia nell’oscurità sul mondo abbandonato
da tante palpebre chiuse.

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Albrecht Dürer
Piccola civetta (1508)

Minha pátria


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Plenilúnio (2004) »»
 
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Minha pátria
La mia patria


Minha pátria não é a língua portuguesa.
Nenhuma língua é a pátria.
Minha pátria é a terra mole e peganhenta onde nasci
e o vento que sopra em Maceió.
São os caranguejos que correm na lama dos mangues
 e o oceano cujas ondas continuam molhando os meus pés quando sonho.
 Minha pátria são os morcegos suspensos no forro das igrejas carcomidas,
os loucos que dançam ao entardecer no hospício junto ao mar,
e o céu encurvado pelas constelações.
Minha pátria são os apitos dos navios
e o farol no alto da colina.
Minha pátria é a mão do mendigo na manhã radiosa.
São os estaleiros apodrecidos
 e os cemitérios marinhos onde os meus ancestrais tuberculosos e impaludados não param de tossir e tremer nas noites frias
e o cheiro de açúcar nos armazéns portuários
e as tainhas que se debatem nas redes dos pescadores
e as résteas de cebola enrodilhadas na treva
e a chuva que cai sobre os currais de peixe.
A língua de que me utilizo não é e nunca foi a minha pátria.
Nenhuma língua enganosa é a pátria.
 Ela serve apenas para que eu celebre a minha grande e pobre pátria muda,
 minha pátria disentérica e desdentada, sem gramática e sem dicionário,
minha pátria sem língua e sem palavras.

La lingua portoghese non è la mia patria.
Nessuna lingua è la patria.
La mia patria è la terra morbida e viscosa ove son nato
e il vento che soffia a Maceió.
Sono i granchi che corrono nel fango delle mangrovie
 e l’oceano le cui onde ancora mi bagnano i piedi quando sogno.
 La mia patria sono i pipistrelli appesi alle travi delle chiese cadenti,
i pazzi che ballano verso sera nel manicomio vicino al mare,
e il cielo incurvato dalle costellazioni.
La mia patria sono le sirene delle navi
e il faro in cima alla collina.
La mia patria è la mano del mendico nel radioso mattino.
Sono gli arsenali putrescenti
 e i cimiteri marini dove i miei antenati tisici e malarici non cessano di tossire e tremare nelle notti fredde
e l’aroma dello zucchero nei magazzini del porto
e i cefali che si dibattono nelle reti dei pescatori
e le reste di cipolle intrecciate nelle tenebre
e la pioggia che cade sopra i vivai di pesce.
La lingua che io uso non è e non sarà mai la mia patria.
Nessuna lingua fallace è la patria.
 Serve solo a far sì che io celebri la mia grande e povera patria silente,
 la mia patria dissenterica e sdentata, senza grammatica e senza dizionario,
la mia patria senza lingua e senza parole.

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Cândido Portinari
Bambino morto (della serie "Retirantes" - 1944)

O barulho do mar


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O rumor da Noite (2000) »»
 
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O barulho do mar
Il rumore del mare


Na tarde de domingo, volto ao cemitério velho de Maceió
onde os meus mortos jamais terminam de morrer
de suas mortes tuberculosas e cancerosas
que atravessam a maresia e as constelações
com suas tosses e gemidos e imprecações
e escarros escuros
e em silêncio os intimo a voltar a esta vida
em que desde a infância eles viviam lentamente
 com a amargura dos dias longos colada às existências monótonas
e o medo de morrer dos que assistem ao cair da tarde
quando, após a chuva, as tanajuras se espalham
no chão maternal de Alagoas e não podem mais voar.
 Digo aos meus mortos: Levantai-vos, voltai a este dia inacabado
 que precisa de vós, de vossa tosse persistente e de vossos gestos
 enfadados e de vossos passos nas ruas tortas de Maceió. Retornai aos sonhos insípidos
e às janelas abertas sobre o mormaço.
Na tarde de domingo, entre os mausoléus
que parecem suspensos pelo vento
no ar azul
o silêncio dos mortos me diz que eles não voltarão.
Não adianta chamá-los. No lugar em que estão, não há retorno.
Apenas nomes em lápides. Apenas nomes. E o barulho do mar.
La domenica pomeriggio, torno al vecchio cimitero di Maceió
dove i miei morti non finiscono mai di morire
delle loro morti tubercolotiche e cancerose
che oltrepassano le maree e le costellazioni
tra tosse e gemiti e imprecazioni
e muco nerastro
e in silenzio ordino loro di ritornare a questa vita
in cui fin dall’infanzia vivevano con lentezza
 con l’amarezza dei lunghi giorni legata alle monotone esistenze
e la paura di morire di chi assiste al calar della sera
quando, dopo la pioggia, le formiche alate si spargono
sul materno suolo d’Alagoas senza poter più volare.
 Dico ai miei morti: Alzatevi, ritornate a questo giorno incompiuto
 che ha bisogno di voi, della vostra tosse insistente e dei vostri gesti
 stanchi e dei vostri passi per le strade sinuose di Maceió. Tornate ai sogni insulsi
e alle finestre aperte sul caldo soffocante.
La domenica pomeriggio, tra mausolei
che sembrano sospesi nel vento
nell’aria azzurra,
il silenzio dei morti mi dice che non torneranno.
Non serve chiamarli. Dal posto in cui stanno, non c’è ritorno.
Solamente nomi sulle lapidi. Solo nomi. E il rumore del mare.
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Wassily Kandinsky
Cimitero arabo (1909)

A passagem


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O rumor da Noite (2000) »»
 
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A passagem
Il passaggio


Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.

Para passar, exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.

Mas caso me proíbam de passar
por ser eu diferente ou indesejado
mesmo assim passarei.
Inventarei a porta e o caminho.
E passarei sozinho.

Che mi si lasci passare - è ciò che voglio
davanti alla porta o davanti al cammino.
E che nessuno mi segua nel passaggio.
Non ho compagni di viaggio
né voglio che alcuno mi stia accanto.

Per passare, pretendo restar solo,
soltanto da me stesso accompagnato.

Ma se mi proibissero di passare
perché sono diverso oppur sgradito
malgrado tutto io passerò.
Inventerò la porta ed il cammino.
Ed io da solo passerò.

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Mimmo Paladino
Stupor mundi (2010)

A queimada


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A queimada
Il rogo


Queime tudo o que puder:
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arterioesclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.

Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos: more num covil
e só mostre à canalha das ruas
os seus dentes afiados.

Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados, os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.

Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita.

Brucia tutto ciò che puoi:
le lettere d'amore
le bollette del telefono
il mucchio dei panni sporchi
i documenti e i certificati
le indiscrezioni dei colleghi risentiti
la confessione interrotta
la poesia erotica che convalida l'impotenza
e annuncia l'arteriosclerosi
i vecchi ritagli e le fotografie ingiallite.

Non lasciare ai famelici eredi
nessuna eredità di carta.
Fai come i lupi: vivi in una tana
e alla gentaglia di strada mostra
solo i tuoi denti affilati.

Vivi e muori rinchiuso come una chiocciola.
Di’ sempre di no al ciarpame elettronico.
Distruggi le poesie incompiute, le bozze,
le varianti e i frammenti
che provocano l'orgasmo tardivo dei filologi e dei chiosatori.

Non lasciare agli accattoni di rifiuti letterari nessuna briciola.
Non confidare a nessuno il tuo segreto.
La verità non può essere detta.

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Pedro Berruguete
Rogo di testi eretici (1493-1499)

Promontório


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Promontório
Promontorio


Sempre busquei a profusão das chuvas
e celebrei o excesso.

A porta que se abre à claridade do relâmpago
divide o dia em partes desiguais.
Mas entre a luz e a sombra há um espacço
onde o sonho e a vida acordada se juntam como dois corpos
separados das almas desunidas.
É a este lugar que retorno
quando a chuva cai em Maceió e derruba as folhas
dos cajueiros floridos.
Os goiamuns inquietos percebem nas locas a alteração
 [do mundo
que oscila entre a lama e as raízes dos mangues
como duas cores do arco-íris.

Berço de tanajuras, patria ameaçada pelo trovão,
dunas sonâmbulas que só caminham à noite,
mar que umedece os lábios rachados da areia,
vento que dilacera o promontório,
longe de vós serei um exilado.

Sempre ho agognato il profluvio delle piogge
e ho celebrato l’eccesso.
 

La porta che si schiude all’abbaglio del fulmine
divide il giorno in parti differenti.
Ma tra la luce e l’ombra c’è un intervallo
ove il sogno e la vita vigile si riuniscono come i due corpi
separati di anime disgiunte.
È a questo luogo che ritorno
quando la pioggia cade a Maceió e butta giù le foglie
degli anacardi in fiore.
I granchi inquieti avvertono nelle tane le variazioni
 [del mondo
che oscilla fra la melma e le radici delle mangrovie
come due colori dell’arcobaleno.

Ricetto di formiche, patria minacciata dal tuono,
dune che solo di notte si spostano, sonnambule,
mare che asperge le labbra fessurate della sabbia,
vento che squarcia il promontorio,
da voi distante io sarò un esiliato.

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Wassily Kandinsky
Paesaggio sotto la pioggia (1913)

Os dois estranhos


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Os dois estranhos
I due estranei


Todos os amantes terminam separados.
O amor é um barco que veleja
a maré que se levanta quando a balsa fende a água unida na
laguna que suga os clarões da terra
o avanço de uma hélice na noite estrelada.
Aos que viram o dia abrir-se como a cauda de um pavão
ou atravessam a tarde coberta de escamas
aos que ficam abraçados em camas sempre estreitas
e partilham a respiração do êxtase ouvindo
 [uma torneira gotejar
na sombra
está reservada a separação
como uma tatuagem que o tempo inscreve
 [na anca bem-amada.
A porta antes fechada se abre para sempre
para que os corpos se cruzem e não se reconheçam.
Amor é escuridão. E quando a luz se acende
somos dois estranhos que evitam olhar-se.

Tutti gli amanti finiscono col separarsi.
L’amore è una barca che veleggia
è marea che s’alza quando lo scafo fende l’acqua unita sulla
laguna che assorbe i bagliori della terra
è l’avanzata d’una lumaca nella notte stellata.
A coloro che han visto il giorno aprirsi come coda di pavone
o che attraversano la sera coperta di squame
a coloro che restano abbracciati in letti sempre stretti
e condividono il respiro dell’estasi ascoltando
 [un rubinetto che gocciola
nell’ombra
è riservata la separazione
come un tatuaggio che il tempo disegna
 [sull’anca beneamata.
La porta prima chiusa s’apre per sempre
perché i corpi s’incrocino senza riconoscersi.
L’amore è oscurità. E quando la luce s’accende
siamo due estranei che evitano di guardarsi.

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Edward Hopper
Escursione nella filosofia (1959)

Recomeço


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Recomeço
Rinascita


Como o cavalo que relincha impaciente
e bate os cacos diante da estalagem
e com o rabo fustiga as moscas que o importunam
assim a morte está sempre à nossa espera.

Após a primeira morte outras virão
e continuamos a morrer, habitando o espaço
onde se movem os pássaros e as abelhas
e o peixe imprudente que salta entre as pedras.

Tudo em nós é recomeço, origem devolvida.
Além da noite escura encontramos o dia,
reinício da vida leve como palha
que estremece perene entre as estrelas.

Come il cavallo che nitrisce impaziente
e batte gli zoccoli davanti alla stalla
e con la coda fustiga le mosche che l’importunano,
così la morte sta sempre ad attenderci.

Dopo la prima morte ne verranno altre
e noi continuiamo a morire, abitando lo spazio
ove si muovono gli uccelli e le api
e il pesce imprudente che salta tra i sassi.

Tutto in noi è rinascita, origine ritrovata.
Al di là della notte buia ritroviamo il giorno,
ripresa della vita lieve come paglia
che freme di continuo tra le stelle.

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Maurits Cornelis Escher
Nastro di Moebius II (1963)

A clandestina


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A clandestina
La clandestina


- Quem é esta clandestina
que dentro de mim viaja

e de mim não se separa
mesmo quando estou dormindo

e aparece nos meus sonhos
breve e leve como a neve?

Quem é esta clandestina
doce e branca e feminina

que me segue quando saio
sombra em mim dissimulada

e torna a voltar comigo
colada ao cair da tarde?

Quem é esta clandestina
que de mim não desembarca?

Sou seu trem ou seu navio?
Seu barco ou seu avião?

E sua voz me responde:
- És meu berço e meu jazigo.

Antes mesmo de nasceres
eu já estava contigo.

E sempre estarei em ti
até o fim da viagem.

- Chi è questa clandestina
che dentro di me viaggia

e da me non si separa
neanche quando sto dormendo

e appare nei miei sogni
fugace e lieve come la neve?

Chi è questa clandestina
dolce e bianca e femminile

che mi segue quando esco
ombra in me dissimulata

e a me ritorna per starmi
abbracciata sul far della sera?

Chi è questa clandestina
che da me non sbarca?

Sono il suo treno, la sua nave?
La sua barca, il suo aereo?

E la sua voce mi risponde:
Sei la mia culla e la mia tomba.

Prima ancor che nascessi
io già stavo con te.

E sempre starò in te
fino alla fine del viaggio.

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Voltolino Fontani
Il tristo e la fanciulla pallida (1938)

A lição de Turner


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Mar Oceano (1987) »»
 
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A lição de Turner
La lezione di Turner


Lembre-se de Turner, que não copiava o pôr-do-sol.
Com tintas e pincéis, ele o inventava.

E não se esqueça dos que, no silêncio da noite,
evocam o que foi roubado pela morte:
um seio, um grito, um riso entre as árvores.

Eles também inventam e aprendem a mentir
e a dizer a verdade.

Ricordati di Turner, che non copiava il tramonto.
Con colori e pennelli, lui l’inventava.

E non dimenticarti di quelli che, nel silenzio della notte,
evocano ciò ch’è stato rubato dalla morte:
un seno, un grido, una risata tra gli alberi.

Anch’essi inventano e imparano a mentire
dicendo il vero.

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William Turner
Tramonto sul lago (1840)

A visita do lenhador


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A Noite Misteriosa (1982) »»
 
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A visita do lenhador
La visita del boscaiolo


Abres a porta e entras.
Trazes o frio do mundo
das folhas caídas no chão
da lama e do estrume unidos
no fundo da tarde escurecida.
Trazes o cheiro das madeiras
molhadas pelas chuvas repetidas
e o silêncio das colmeias abandonadas
pelas abelhas migradouras.
E o frio que trazes aquece a cozinha
como se fosse uma fogueira.

Apri la porta ed entri.
Rechi il freddo del mondo
delle foglie cadute al suolo
della melma mista al letame
nel fondo della buia sera.
Rechi il sentore dei legni
bagnati dalle frequenti piogge
e il silenzio delle arnie abbandonate
dalle api migranti.
E il freddo che rechi riscalda la cucina
come se fosse un falò.

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Renato Guttuso
Il boscaiolo (1950)

Condição para aceitar


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A Noite Misteriosa (1982) »»
 
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Condição para aceitar
Condizione per accettare


Que a morte me lembre
um mar transparente,
só assim a aceito:
silêncio final
dentro de meu peito,
perfeição de vagas
brancas e caladas,
paisagem abolida
no horizonte raso
do mar sem coqueiros,
vazio do mundo
após a palavra
que quis dizer tudo
e não disse nada.

Che la morte mi rammenti
un mare trasparente,
solo così l’accetto:
silenzio finale
dentro al mio petto,
perfezione di onde
bianche e silenti,
paesaggio assente
nell’orizzonte piatto
del mare senza palme,
vuoto del mondo
dopo la parola
che voleva dir tutto
e non disse niente.

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Gustave Courbet
Costa di Normandia (1872)

O cemitério dos navios


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Finisterra (1972) »»
 
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O cemitério dos navios
Il cimitero delle navi


Aqui os navios se escondem para morrer.

Nos porões vazios, só ficaram os ratos
à espera da impossível ressurreição.

E do esplendor do mundo sequer restou
o zarcão dos beiços do tempo.

O vento raspa as letras
dos nomes que os meninos soletravam.

A noite canina lambe
as cordoalhas esfarinhadas

sob o vôo das gaivotas estridentes
que, no cio, se ajuntam no fundo da baía.

Clareando madeiras podres e águas estagnadas,
o dia, com o seu olho cego, devora o gancho

que marca no casco as cicatrizes
do portaló que era um degrau do universo.

E a tarde prenhe de estrelas
inclina-se sobre a cabine onde, antigamente,

um casal aturdido pelo amor mais carnal
erguia no silêncio negras paliçadas.

Ó navios perdidos, velhos surdos
que, dormitando, escutam os seus próprios apitos

varando a neblina, no porto onde os barcos
eram como um rebanho atravessando a treva!

Qui vengono a nascondersi le navi per morire.

Negli scafi vuoti non son rimasti che i topi
aspettando l’impossibile resurrezione.

E della fastosità del mondo non è rimasto
neanche il minio lungo i bordi del tempo.

Il vento leviga le lettere
dei nomi che i bimbi compitavano.

La notte canina lecca
gli ormeggi disgregati

sotto il volo dei gabbiani strepitanti
che, in estro, s’accoppiano in fondo alla baia.

Scolorendo legni putridi e acque stagnanti,
il giorno, col suo occhio cieco, divora il gancio

che incide cicatrici nel fasciame
del portellone che era uno scalino dell’universo.

E la serata satura di stelle
si curva sopra la cabina ove, un tempo,

una coppia frastornata dal più carnale degli amori
ergeva nel silenzio buie palizzate.

O perduti navigli, vecchi sordi
che, sonnecchiando, ascoltano i propri sibili

perforare la nebbia, nel porto ove le barche
erano come una mandria che attraversava il buio!

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Alberto da Veiga Guignard
Cimitero di navi (1939)

Nuvola degli autori (e alcune opere)

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