Os dois passos do homem


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Os dois passos do homem
I due passi dell’uomo


O homem tem apenas dois passos:
um passo à frente
e um passo atrás.
O passo que se dá à frente
é um passo doble,
o passo que se dá atrás
é um passo em falso.
Há passos que parecem ser à frente
e levam ao pé do cadafalso,
à ira dos materiais em erosão
que morrem ao se devorar.
L’uomo ha soltanto due passi:
un passo in avanti
e un passo indietro.
Il passo che si dà in avanti
è un passo doppio,
il passo che si dà all’indietro
è un passo falso.
Ci sono passi che sembrano in avanti
e portano ai piedi del patibolo,
alla collera dei materiali in erosione
che muoiono a furia di divorarsi.
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Fernand Leger
Danzatori su fondo giallo (1954)
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O contágio da vida


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O contágio da vida
Il contagio della vita


Ninguém está livre da vida.
A vida é altamente contagiosa.
Há de se evitar as aglomerações
como estádios de futebol ou shows
onde a vida se multiplica,
onde a vida é multidão.

Não há remédio contra a vida.
Em certos momentos de paz,
ela se espalha
como vírus vital
ou tumor de felicidade.

Não há repouso – pelo contrário –,
prevenção ou medida sanitária.
Ela mesma parece vitimar-se
do sono, do bem estar abundante
e sobrevive muito forte
em ambientes limpos e higienizados.

Nada se pode fazer contra a vida.
Senão adoecer-se dela,
viciar-se nela, acostumar-se
com seus sintomas.
Nessuno è immune dalla vita.
La vita è altamente contagiosa.
Si devono evitare gli assembramenti
come stadi di football o spettacoli
dove la vita si moltiplica,
dove la vita è moltitudine.

Non c’è rimedio contro la vita.
In certi momenti di pace,
lei si espande
come virus vitale
o tumore di felicità.

Non c’è tregua – al contrario –,
né prevenzione o misura sanitaria.
Lei stessa pare immolarsi
al sonno, al benessere eccessivo
e sopravvive molto bene
in ambienti puliti e sterilizzati.

Nulla si può fare contro la vita.
Se non ammalarsene,
viziarsene, assuefarsi
ai suoi sintomi.
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Mario Tozzi
Circo (1932)
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Meu pai habita meu corpo


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Meu pai habita meu corpo
Mio padre abita il mio corpo


Meu pai vive em mim.
Não sei onde se localiza,
no meu corpo, meu pai morto.
Há anos que trago meu pai
como um apêndice.
Ao meio-dia meu pai está a pino.
De madrugada,
no quarto crescente,
ando de lua,
minguando meu coração.
Depois cresci e meu pai
virou um latido rouco numa garagem vazia.
Pai, estanca o trem do tempo,
há chuva na estação do meu olho,
o cão de madeira do banco
me faz companhia fiel.
Meu pai vive em minhas mãos,
por isso colho ausência.
Meu pai usa meus ouvidos,
abusa dos meus olhos,
repete a mesma frase
na máquina da memória
que, enguiçada,
distorce imagem, som e o filho.
Mio padre vive in me.
Non so dov’è ubicato,
nel mio corpo, mio padre morto.
Sono anni che porto mio padre
come un’appendice.
A mezzogiorno mio padre è a picco.
All’alba,
nel quarto crescente,
seguendo la luna,
nasconde il mio cuore.
Poi sono cresciuto e mio padre
è diventato un rauco latrato in un garage vuoto.
Papà, arresta il treno del tempo,
sta piovendo nella stazione del mio occhio,
il cane di legno del sedile
mi fa da fedele compagno.
Mio padre vive nelle mie mani,
perciò io raccolgo assenza.
Mio padre usa le mie orecchie,
abusa dei miei occhi,
ripete la stessa frase
nella macchina della memoria
che, danneggiata,
distorce l’immagine, il suono e il figlio.
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Giorgio de Chirico
Autoritratto con ombra (1918)
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Estudo das chuvas


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Estudo das chuvas
Studio delle piogge


A primeira chuva é da natureza
que do céu provém
e cai em voo livre
cada gota um pássaro de água. 

A segunda chuva
pode ser a ducha
que desaba artificial
torrente e fabricada
um chuva particular.

A terceira não é chuva
são pingos que dos olhos despencam,
em vez de escalar montanha
escorregam pelas encostas do rosto,
são poucas, sem asas,
gotas de chuva do choro,
uma chuva íntima,
tempestade miúda
a devastar o campo
de outro rosto:
a outra face do homem
o céu nebuloso que dentro traz.
Della natura è la prima pioggia
che proviene dal cielo
e cade in volo libero
ogni goccia un passerotto d’acqua. 

La seconda pioggia
può essere la doccia
che scroscia artificiale
irruente e fabbricata
una pioggia privata.

La terza non è pioggia
sono gocce che sgorgano dagli occhi,
invece di scalare montagne
scivolano lungo i declivi del viso,
sono poche, senza ali,
gocce di pioggia del pianto,
una pioggia intima,
tempesta minuscola
che devasta il campo
d’un altro viso:
l’altra guancia dell’uomo
il cielo annuvolato che si porta dentro.
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Rogier van der Weyden
Deposizione (dettaglio) (1435)
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Entre Malta e Catânia


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Entre Malta e Catânia
Tra Malta e Catania

A garçonete brasileira atirou-se ao mar.
Noite alta, entre Malta e Catânia.
 
Na solidão das águas 
há um momento em que tudo falta.
Vasta solidão mediterrânea.
Noite alta, entre Malta e Catânia.
 
O céu escuro. Escuro casco do navio.
As luzes do convés não bastam 
para incandescer o breu da alma
e refrear os ventos da insânia.
 
Noite alta, entre Malta e Catânia.

La cameriera brasiliana s’è gettata in mare.
Notte fonda, tra Malta e Catania.
 
Nella solitudine delle acque 
c’è un momento in cui tutto manca.
Vasta solitudine mediterranea.
Notte fonda, tra Malta e Catania.
 
Scuro il cielo. Scuro il guscio della nave.
Le luci di coperta non bastano 
a rischiarare il buio dell’anima
e ad arrestare i venti dell’insania.
 
Notte fonda, tra Malta e Catania.

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Damien Hirst
Hermaphrodite (2017)
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Ensinamento do mundo


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Ensinamento do mundo
Insegnamento del mondo


Em cada luz há implícita a escuridão.
Tão urgente
quanto um pássaro
que não pode fechar asas
em pleno voo.
A vocação fantasma dos navios
– existir na imaginação
incrédula dos outros.
O cinza é a dor
que mais endurece.
In ogni luce è implicita l’oscurità.
Tanto incombente
quanto un uccello
che non può chiudere le ali
in pieno volo.
La vocazione fantasma delle navi
– esistere nell’immaginazione
incredula degli altri.
Il grigiore è il malessere
che più indurisce.
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Rachel Wright
Stormo di rondini (2016)
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De como quase matei o poeta Carlos Drummond de Andrade


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De como quase matei o poeta
Carlos Drummond de Andrade
Di come quasi ammazzai il poeta
Carlos Drummond de Andrade


Certa vez entrei no elevador
e encontrei o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Era no Palácio da Cultura,
na rua México, onde o poeta trabalhou
a vida inteira.
Só nós dois no elevador.
Silêncio.
Houve um espasmo poético,
um frio na barriga em verso livre,
a máquina do mundo da poesia
ali na caixa de ferro do elevador.
Fiquei pensando
que poderia matar o poeta CDA.
Ficaria famoso como ficou famoso
Lee Oswald por matar Kennedy.
Falariam de mim toda vez que
falassem de Drummond.
Mas não aconteceu nada. A porta
do elevador abriu, o poeta
publicou mais livros de poesia
e eu não matei CDA. Ah, ficaria famoso como
quem matou John Lennon.
Como era mesmo o nome dele?
Una volta entrai in ascensore
e incontrai il poeta Carlos Drummond de Andrade.
Era nel Palazzo della Cultura,
nella rua México, dove il poeta lavorò
tutta la vita.
Solo noi due in ascensore.
Silenzio.
Ci fu uno spasmo poetico,
un freddo nella pancia in verso libero,
la macchina del mondo della poesia
lì nella cabina di ferro dell’ascensore.
Mi venne in mente
che avrei potuto uccidere il poeta CDA.
Sarei diventato famoso come diventò famoso
Lee Oswald per aver ammazzato Kennedy.
Avrebbero parlato di me ogni volta che
avessero parlato di Drummond.
Ma non successe nulla. La porta
dell’ascensore si aprì, il poeta
pubblicò altri libri di poesia
e io non ammazzai CDA. Ah, ora sarei famoso come
quello che ammazzò John Lennon.
Ma com’è che si chiamava quel tale?
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Dana Schutz
Fight in an Elevator (2015)
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A insalubridade dos pensamentos


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A insalubridade dos pensamentos
L’insalubrità dei pensieri


Antes que numa cidade,
o homem habita
a metrópole do corpo.
Na fronteira da pele,
Há vários tipos de passaporte.
Por mais que se vigie,
deixa os contrabandos do sexo e do amor
burlarem a aduana da vigília.
O outro é um imigrante ilegal,
que finge, tem outra foto no documento,
troca de nome e de carícia,
até se instalar não mais na periferia,
mas na cidadania do coração.
O homem leva seu território
por onde viaja
ou mesmo na dita sua cidade,
mas não pode fugir de si,
logo constrói o muro das lamentações
ou derruba o muro de Berlim
que o oprime e delimita.
As veias e artérias da sua
cidade murada pela pele
permitem que ele se mude
sem se mudar e,
assim, em sua terra de carne,
vai o homem prisioneiro
do seu corpo
como numa cidade medieval,
cheias de becos e ruas sem saída,
cercada pela insalubridade
do triângulo.
Prima che in una città,
l’uomo abita
la metropoli del corpo.
Alla frontiera della pelle,
Vigono vari tipi di passaporto.
Per quanto si controlli,
egli consente che i contrabbandi di sesso e d’amore
eludano la dogana della veglia.
L’altro è un immigrante illegale,
che finge, ha un’altra foto sul documento,
scambia nome ed effusioni,
fino ad installarsi non più in periferia,
ma nella cittadinanza del cuore.
L’uomo porta con sé il proprio territorio
quando si mette in viaggio
o anche restando nella suddetta città,
ma non può fuggire da sé,
presto costruisce il muro del pianto
o abbatte il muro di Berlino
che lo opprime e lo delimita.
Le vene e le arterie della sua
città murata dalla pelle
permettono che egli si sposti
senza spostarsi e,
così, nella sua terra di carne,
va l’uomo prigioniero
del suo corpo
come in una città medievale,
piena di vicoli e strade senza uscita,
circondata dall’insalubrità
del triangolo.
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Nazzareno Rosignoli
Mura di Grosseto (1939)
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É muito útil...


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É muito útil...
È molto utile...


É muito útil ter estado em vão,
Ter sido em vão, ter – claro – amado em vão,
Muito claramente em vão.
Saber que é vão o vento nas árvores
E vã a vida dos corvos pelos campos,
Que as mãos nada podem sobre o reino dos olhos,
Que nada mais há a dizer
Quando as mãos falam
E ficará tudo dito.
É muito útil falar em vão,
Para logo aí, se começar a desmantelar
A vanidade da noção do vão.
È molto utile essere stato invano,
Esser vissuto invano, aver – senza dubbio – amato invano,
Indubitabilmente invano.
Sapere che è vano il vento tra gli alberi
E vana la vita dei corvi i mezzo ai campi,
Che le mani nulla possono sopra il regno degli occhi,
Che non c’è più niente da dire
Quando le mani parlano
E tutto sarà stato detto.
È molto utile parlare invano,
Per poter poi subito iniziare a confutare
La vanità del concetto di vano.
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Chaïm Soutine
Giorno di vento a Auxerre (1939)
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Vida de cão


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Vida de cão
Vita da cani


Meu cachorro tem pesadelos
em que deve sonhar que é humano.
Sonhar que tem uma vida de cão,
vai ao trabalho num trânsito de matilha.
Sofre com um chefe em cio
– só pode ser cio as alterações de humor.
Cansa de ser bípede
e ver o mundo a um metro e oitenta.
Apavora-se de viver trancado
na caixa-trabalho, na caixa-carro,
na caixa-banco, na caixa-restaurante.
Deve se perguntar por que não vivo no quintal.
E lamenta-se que tenho rotina
que faz parte do repertório do homem,
mas não do enxoval de coisas
de Deus, que vive solto no mundo,
não tem hora para dormir,
não tem hora para acordar.
Por fim, o cão desperta e suspira:
não é a fera do homem.
Il mio cane ha degli incubi
in cui deve sognare d’essere umano.
Sognare che fa una vita da cani,
va a lavorare in un traffico da cagnara.
Sopporta gli estri del suo capo
– non è che estro quel brusco mutar d’umore.
È estenuato dall’esser bipede
e vedere il mondo da un metro e ottanta.
L’atterrisce vivere trincerato
nella scatola-ufficio, nella scatola-auto,
nella scatola-banca, nella scatola-ristorante.
Deve domandarsi perché io non viva in cortile.
E gli rincresce che io segua una routine
che fa parte del repertorio dell’uomo,
ma senza la dotazione di cose
di Dio, che vive libero nel mondo,
non ha orari per dormire,
non ha orari per svegliarsi.
Alla fine il cane si ridesta e tira un sospiro:
no, non è quella bestia d'uomo.
________________

Franz Marc
Cane rosso (1911)
...

Sou animal pacífico


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Sou animal pacífico
Sono un animale pacifico


Sou animal pacífico
mas não doméstico,
selvagem e rústico,
mas sem garras e peçonha.
Só a mim me causo dano,
só a mim rujo, ladro,
arranho, avanço e bico.

Não há necessidade de predador
para quem vive acossado.
Não tenho habitat.
Sou um bicho de pena,
um bicho de culpa,
um bicho de desencanto,
não preciso que me cacem
já me basto como caçador.
Sono un animale pacifico
ma non domestico,
selvaggio e rustico,
ma senza artigli e veleno.
Solo a me faccio del male,
solo a me ruggisco, abbaio
graffio, assalto e becco.

Non v’è necessità di predatore
per chi vive angariato.
Non ho un habitat.
Sono una bestia da penna,
una bestia da colpa,
una bestia da disincanto,
non serve che mi diano la caccia
basto a me stesso come cacciatore.
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Francesco Casorati
Rinoceronte (1982)
...

Plástica


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Plástica
Plastica


A única plástica que me serve
não é na face, mas nas lágrimas.
Quero um rosto sem lágrimas, doutor.
Retirar a glândula que produz
a lágrima dos mortos.
Meus mortos surgem no trânsito,
no banho, no banco, no trabalho.
Os mortos não deviam vir ao trabalho.
Choraria em seco.
Um rosto seco, um rosto plástico,
um rosto cirúrgico.
E sem saber por que não podem
sair do cárcere seco em que os pus,
renasceriam na caixa imaginária,
que é a memória,
em outra forma que não fosse líquida.
L’unica plastica di cui ho bisogno
non è al viso, ma alle lacrime.
Voglio un volto senza lacrime, dottore.
Rimuovere la ghiandola che produce
la lacrima per i morti.
I miei morti appaiono nel traffico,
in bagno, in banca, al lavoro.
I morti non dovrebbero venire al lavoro.
Piangerei a secco.
Un volto asciutto, un volto plastico,
un volto chirurgico.
E senza capire perché non possano
uscire dal carcere secco in cui li ho messi,
rinascerebbero nella cassa immaginaria,
che è la memoria,
in altra forma purché non liquida.
________________

Man Ray
Oggetto indistruttibile (1964)
...

Os mortos


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Os mortos
I morti


Todos os mortos são um único morto,
todo morto são todos os mortos.
Cada morto é uma metonímia enterrada.
O esplendor de ouro das igrejas
me diz que Deus mandou
fazer o paraíso de ouro,
ele que tanto gosta de fazer
as coisas terrenas iguais às divinas.
Ou somente o homem é imagem e semelhança Dele?
E o inferno é que é à imagem e semelhança da terra?
Lá, no esplendor de ouro,
estão meus mortos,
silentes e atônitos,
sem entender que dor
foi essa chamada vida.
Tutti i morti sono un unico morto,
ogni morto è tutti i morti.
Ciascun morto è una metonimia sepolta.
Lo splendore dorato delle chiese
mi dice che Dio ha voluto
fare il paradiso d’oro,
lui che tanto ama fare
le cose terrene uguali a quelle divine.
O soltanto l’uomo è a Sua immagine e somiglianza?
E l’inferno a immagine e somiglianza della terra?
Là, nel dorato splendore,
stanno i miei morti,
silenti e attoniti,
senza comprendere quanto dolore
fu questa cosiddetta vita.
________________

Beato Angelico
Glorificazione della vergine (1432)
...

O último pio


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O último pio
L’ultimo pigolio


Um dia meu tio inventou
de morar no sótão
do pensamento lá dele.
E se refugiou menino
na memória cheia de pios
em que vivia na gaiola da infância.
Desce daí da memória,
a gente pedia
e meu tio insistia
em cantar sabiá
entre as grades finas da tristeza.
Até que voou para onde não há canto
ou asa e tudo é gaiola vazia.
Quando ando triste
subo ao galho mais alto
da insensatez
e tento cantar
em linguagem de pássaro.
Rejeito o alpiste da razão
— miúdo e aglomerado —
este que se dá aos melancólicos
engaiolados pela solidão.
Un giorno mio zio s’immaginò
di abitare nella soffitta
del suo pensiero.
E si rifugiò bambino
nella memoria piena di pigolii
in cui viveva nella gabbia dell’infanzia.
Scendi dalla memoria,
lo pregavamo
e mio zio insisteva
nel cantare come un tordo
tra le sottili sbarre della tristezza.
Finché volò laggiù ove non v’è canto
o ali e tutto è gabbia vuota.
Quando mi sento triste
salgo sul ramo più alto
della sventatezza
e tento di cantare
nella lingua del passero.
Rifiuto il mangime della ragione
— minuscolo e agglomerato —
quello che si dà ai malinconici
ingabbiati nella solitudine.
________________

René Magritte
Il terapeuta (1962)
...

O homem olha o Mondego


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O homem olha o Mondego
Un uomo guarda il Mondego


Alguns rios me banham: Bacanga e Anil.
Meu corpo está cheio de rios:
minhas veias são rios vermelhos
que desembocam no mar do meu coração.
Os rios se instalam em mim
em mim me danam, lanhando
por dentro meu corpo, linfáticos e
cheio de incertezas, onde habitam
passado e história, dor e escuridão.
Há rios em mim que desconheço
sua foz, sua embocadura,
de onde nascem, para onde vão.
O pior rio é o da mente
que flui sem margens,
desordenado e com várias águas,
águas desiguais e turvas.
Há rios em mim que nunca supus ter.
Meu pensamento é um rio seco
mas pleno de correnteza e afogamento.
Ci sono fiumi che mi bagnano: Bacanga e Anil.
Il mio corpo è pieno di fiumi:
le mie vene sono fiumi vermigli
che sboccano nel mare del mio cuore.
I fiumi confluiscono in me,
mi portano al degrado, deteriorando
l’interno del mio corpo, linfatici e
colmi d’incertezze, in cui dimorano
passato e storia, dolore e oscurità.
Ci sono fiumi in me di cui non conosco
la foce, lo sbocco,
da dove nascono, dove vanno.
Il fiume peggiore è quello della mente
che scorre senza margini,
disordinato e con varie acque,
acque incostanti e torbide.
Ci sono fiumi in me che mai supposi d’avere.
Il mio pensiero è un fiume secco
ma pieno di correnti e annegamenti.
________________

Anna Maria Maiolino
Senza titolo (2015)
...

Espelho após a morte


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Espelho após a morte
Specchio dopo la morte


Quando morrer, não verei mais
o vaso de louça andaluz da varanda,
mas ele continuará lá.

Quando morrer,
não mais ouvirei o canto verde dos periquitos
mas eles continuarão a voar
e amanhecer a manhã verde.

Quando morrer,
não mais me verei ao espelho,
mas ele continuará lá
porque haverá outros rostos
para terem a ilusão de que vivem.
Quando io morirò, non vedrò più
il vaso di ceramica andalusa sul balcone,
ma lui sarà sempre là.

Quando io morirò,
non sentirò più il canto verde delle cocorite
ma loro continueranno a volare
e a risvegliare il mattino verde.

Quando io morirò,
non mi vedrò più allo specchio,
ma lui continuerà ad esser là
perché ci saranno altri volti
ad avere l’illusione di vivere.
________________

Michelangelo Pistoletto
Mano con specchio (2007)
...

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