Brinquei, pela calada...


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Brinquei, pela calada...
Di nascosto ho giocato...


Brinquei, pela calada, em sítios proibidos -
Na eira, no coradouro, perto das orquídeas.
Na eira, quando o milho era ouro,
Perto das orquídias, flores difíceis e petulantes,
No coradouro, quando a roupa branca
Secava à brandura do ar,
Que depois se estendia ao corpo.
E então tinhamos, eu e os meus primos, o perfume dos anjos,
Como nos chamavam, com a desrazão do amor,
Avós e tias. Mas os anjos,
Se outros há para além da nossa melhor natureza,
Brincam em sítios proibidos,
Como nós no coradouro,
Onde também jaziam os ossos de cães amados,
Tentam atravessar a pé o pousio das águas,
Sem saberem que o rio pode ser
Um mal tranquilo, não menos predador.
Apenas sofrem de nódoas negras sem metafísica
E de um leve tremor da primeira sombra sexuada.
Em breve começamos a roubar fruta e beijos,
brincando sempre à socapa em sítios proibidos,
mas incapazes de conter o alvoroço -
Então avós e tias chamavam-nos
Demónios, diabretes, mafarricos.
A infância começava a ser uma impostura,
Não sabíamos ainda, não ainda,
Que já tinhamos sido expulsos do paraíso.
...

Di nascosto ho giocato, in posti proibiti -
Sull’aia, nel lavatoio, vicino alle orchidee.
Sull’aia, quando il miglio era oro,
Vicino alle orchidee, fiori difficili e arroganti,
Nel lavatoio, quando la biancheria
Asciugava al tepore dell’aria,
Che poi si propagava nel corpo.
Allora avevamo, io e i miei cugini, il profumo degli angeli,
Come ci chiamavano, con l’assurdità dell’amore,
Nonne e zie. Ma gli angeli,
Se altri ne esistono oltre a noi nei momenti migliori,
Giocano in posti proibiti,
Come noi nel lavatoio,
Dove giacevano anche le ossa di cani amati;
Tentano di traversare a piedi le acque dei fontanili,
Senza sapere che il fiume può essere
Un male tranquillo, ma non meno vorace.
Soffrono solo di lividi scuri senza metafisica
E di un leggero tremito davanti alla prima ombra sessuata.
Presto cominciammo a rubare frutta e baci,
Sempre giocando di soppiatto in posti proibiti,
Ma incapaci di contenere l’agitazione -
Allora nonne e zie ci chiamavano
Demoni, diavoletti, discoli.
L’infanzia cominciava ad essere un’impostura,
Non lo sapevamo ancora, non ancora,
Che eravamo già stati espulsi dal paradiso.


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Henri Matisse
Gioia di vivere (1905–1906)
...

Grato pela tua nudez...


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Grato pela tua nudez...
Grato per la tua nudità...


Grato pela tua nudez que me revela
Sempre outro o teu corpo,
Que continua a caminhar para mim,
Para me abrir a porta
Algures numa miragem
Como se fosse ainda possível
Entrar para te abraçar.
Algum dia a perda se aquietará
E se deixará enfim afagar,
Como um animal dócil,
E clara nos seus contornos


Grato per la tua nudità che mi palesa
Sempre diverso il tuo corpo,
Che continua a venirmi incontro,
Per aprirmi la porta
Da qualche parte in un miraggio
Come se fosse ancora possibile
Entrare per abbracciarti.
Prima o poi questa mancanza si placherà
E finalmente si lascerà carezzare,
Come un animale docile,
E nitida nei suoi contorni


________________

Pierre Bonnard
Interno con nudo, o Al risveglio, donna nuda seduta sul suo letto
(1905)

Que não acabes nunca...


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Que não acabes nunca...
Che tu non finisca mai...


Que não acabes nunca de me esquecer
(A memória como um dente-de-leão
Que resiste a todos os sopros,
Um lume de partículas suspensas
Pairando como luz num dia de Verão,
Enxames crepusculares sobre um curso de água).
Que indelével seja qualquer coisa,
Um cristal de noite, o resto de um riso,
Uma cintilação na nebulosa de instantes
Em que acordámos juntos
E percebemos, num misto de alívio e alegria,
Que o amor não tinha acabado ainda,
Que ainda não nos deitáramos a perder.


Che tu non finisca mai di dimenticarmi
(la memoria è come un soffione
che resiste a tutti i venti,
un balenare di particelle sospese
fluttuanti come alla luce d'un giorno d’estate,
sciami crepuscolari sopra un corso d’acqua).
Che ogni cosa rimanga indelebile,
un cristallo di notte, la scia di una risata,
un bagliore nella nebulosa di quegli istanti
in cui ci risvegliammo insieme
e sentimmo, con un misto di sollievo e di gioia,
che l’amore non era ancora finito,
che ancora non c’eravamo coricati per perderci.


________________

Aldo Romano
Cronodialogo (2021)
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Vozes abafadas


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Vozes abafadas
Voci soffocate


O ruído vem de longe e quase não se escuta.
Il rumore arriva da lontano e quasi non s’avverte.
Passa no ar ou ruge dentro de nossos ouvidos?
Fende l’aria o ruggisce dentro le nostre orecchie?
Vem do centro da terra ou do terror das consciências?
Viene dal centro della terra o dal terrore delle coscienze?

São crianças chorando com medo da vida?
Sono fanciulli in pianto per paura della vita?
Soluços de mães que ignoram as causas?
Singhiozzi di madri che ignorano le cause?
Gritos alucinados de homens caídos sob as rodas do carro terrível?
Grida allucinate di uomini finiti sotto le ruote dello spietato carro?
São os últimos brados das pátrias esfaceladas,
Sono gli ultimi strepiti della patria disfatta,
Os uivos dos vento nas bandeiras das nações vencidas,
O il mugghiare del vento tra le bandiere delle nazioni vinte,
Ou no ventre do caos os vagidos do mundo futuro?
O nel ventre del caos i vagiti del mondo futuro?

Cala, poesia,
Taci, poesia,
A dor do homem não se pode exprimir em nenhuma língua.
Il dolore dell’uomo non si può esprimere in nessuna lingua.
Talvez a exprimisse o ai da cabeça separada do corpo que rola ensanguentada,
Meglio l’esprimerebbe il lamento della testa staccata dal corpo rotolando insanguinata,
Talvez a escrevesse a mão hirta que no último gesto de horror largou a espada,
Meglio lo descriverebbe la mano atterrita che in un’ultimo gesto d’orrore gettò via la spada,
Talvez a disesse o grito sufocado, o pranto que salta, o suor frio, o olhar esbugalhado...
Meglio lo direbbe il grido strozzato, il pianto che sgorga, il sudore gelato, lo sguardo stravolto...
Ante o ricto dos mortos compreendo que a dor não se exprime
Davanti al rictus dei morti comprendo che il dolore non si può esprimere
Em língua nenhuma e ainda que os homens falassem uma só língua.
In nessuna lingua, neppure se gli uomini parlassero una sola lingua.

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Anselm Kiefer
Lilith (1987-1989)
...

Um método


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Um método
Un metodo
...
(exercício pongiano)
(esercizio pongiano)
Insinua-te como a água em todos os interstícios de uma vida e, onde não há espaço, introduz-te à força de uma carícia subtil e paciente, acumulando-se numa intensidade sem violência.
Insinuati come l’acqua in tutti gli interstizi di una vita e, ove non ci sia spazio, infiltrati con la tenacia d’una carezza sottile e paziente, affinché vi si accumuli un’intensità senza violenza.
Sim, como a água, vigiando sempre a tua própria salinidade, a concentração de calcário – a água calcária é a mais dogmática, sufoca, obstrui. Conheces bem os perigos do calcário no coração.
Sì, come l’acqua, controllando sempre la tua salinità, la concentrazione di calcare – l’acqua calcarea è la più dogmatica, soffoca, ostruisce. Conosci bene i pericoli del calcare nel cuore.
A água que fores não deve ser mais do que uma destilação essencial de ti, não uma abstracção, uma construção putativa.
L’acqua che tu sarai non dev’essere altro che una distillazione essenziale di te, non un’astrazione o una costruzione putativa.
Qualquer substância estranha, como a náusea, a ira, a angústia, lhe irão desfigurar a transparência, turvar o curso – e não te conhecerás, não te reconhecerão. Serás salobro.
Qualunque sostanza estranea, come la nausea, l’ira, l’angoscia, ne deturperanno la trasparenza, ne intorbidiranno il corso – e non ti riconoscerai, non ti riconosceranno. Saprai di salmastro.
É certo que já se avistaram águas iradas – mas, repara, nunca de moto próprio: sempre pela instigação de sismos, pela sedição de chuvas, lamas, troncos, sempre pela violência de um excesso terceiro, de um ritmo que se subverte
Senza dubbio si son già viste acque iraconde – ma, bada, mai di propria iniziativa: sempre per la sollecitazione di sismi, per sconvolgimenti dovuti a pioggia, fango, tronchi, sempre per la violenza di un eccesso altrui, di un ritmo che si stravolge
E, quanto à angústia, é absurdo tentar aplicá-la, misturá-la na água. É claramente um elemento estranho, que fende as águas como o peso intruso de uma pedra. E, mesmo assim, repara que a água acolhe a pedra, não a repudia; envolve-a, embala-a, absorve a sua violência, anula-a, sem a repelir, sem ripostar; amortece a sua queda, deposita-a, delicadamente, num qualquer fundo, e segue o seu caminho – sempre sem angústia, sem ira.
E, quanto all’angoscia, è assurdo tentare di applicarla, di mescolarla all’acqua. È chiaramente un elemento estraneo, che irrompe nell’acqua come il peso intruso d’una pietra. E, pur tuttavia, bada che l’acqua accoglie la pietra, non la respinge; l’avvolge, l’acquieta, assorbe la sua violenza, l’annienta, senza ripudiarla, senza replicare; ammortizza la sua caduta, la deposita, delicatamente, su un fondale qualunque, e prosegue il suo cammino – sempre senza angoscia, senza ira.
Poderás tanto? Muitas mais lições deves à água
Saprai arrivare a tanto? Di molte altre lezioni sei debitore all’acqua.
Repara como, prisioneira embora de leis inflexíveis, desfruta da liberdade que possui. Repara como a água não se deprime, nem se deixa comprimir, como se esquiva. O meu próprio discurso se quereria de água, mas é uma retórica de pedra. Perdoa-me por isso.
Osserva come, pur prigioniera di leggi inflessibili, ella approfitti della libertà che possiede. Osserva come l’acqua non si deprima, né si lasci comprimere, come si scansi. Il mio stesso ragionamento vorrebbe essere d’acqua, ma è una retorica di pietra. Di questo perdonami.
Mas sê água: vê como, fluindo ou refluindo, segue convictamente essa direcção – pelos caprichos da terra, é certo, mas vê como se conforma sem a aparência de submissão, sem que realmente seja submissão. Aproveitará qualquer descuido, qualquer falha, para se evadir.
Ma sii acqua: vedi come, nel fluire o nel rifluire, segua convinta la sua direzione – per i capricci della terra, di sicuro, ma vedi come s’adegua senza dar mostra di sottomissione, senza che realmente vi sia sottomissione. Sfrutterà qualunque distrazione, qualunque difetto, per dileguarsi.
Mais – é sempre ela própria, independentemente da sua quantidade ou do recipiente ou do estado, mas não se fecha, hermética, sobre si própria, recusando todo o contacto ou mistura. Molda-se ao espaço, mas preenche-o inteira, resolutamente – nada recusa do que lhe é concedido. É indiferente à sua própria grandeza.
Per di più – è sempre se stessa, indipendentemente dalla sua quantità o dal recipiente o dallo stato, ma non si chiude, ermeticamente, su se stessa, rifiutando ogni contatto o mescolanza. Si modella allo spazio, ma lo riempie per intero, risolutamente – nulla rifiuta di quello che le è concesso. È indifferente alla propria grandezza.
Se não fosse contaminá-la, diria que é, com igual convicção, um charco ou um oceano. E vê, por exemplo, como ilumina: num copo de água ou num rio, sem possuir luz própria.
Se non fosse irriverente, direi, con lo stesso convincimento, che è un pantano o un oceano. E vedi, per esempio, come illumina: in un bicchier d’acqua o in un fiume, senza possedere luce propria.
Sê – e era isto que te queria dizer desde o princípio – amante como a água. Ama como a água, com amor de água. Insinuando-te. Inunda o estanque.
Sii – ed era questo che ti volevo dire fin dal principio – un amante come l’acqua. Ama come l’acqua, con amore d’acqua. Insinuandoti. Inonda la carena.
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Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992)
Notte di San Giovanni (1971)
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Vocabulário


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Vocabulário
Vocabolario


Áridas palavras,
Refratárias, secas
Arestas de fragas
Secretando uma água
Morosa, suada,
Que não mata a sede.

São pedras na boca.
Rolam balbuciantes
Buscando um sentido.
Uma quer ser beijo.
Outra quer ser lágrima.

Não basta dizê-las.
Elas querem ser
Mais do que palavras.

Como captarei
A ideia sem fim
(Não sei de onde vem)
Que tenta exprimir-se…

Áridas palavras
Para as bocas ávidas,

E quando elas brotam
Não são mais que as notas
De uma extinta música…


Parole aride,
refrattarie, secche
spigoli di rocce
che nascondono un’acqua
stagnante, fetida,
che non placa la sete.

Son come sassi in bocca.
Le rigirano i balbuzienti
cercando un senso.
Una vuol esser bacio.
L’altra vuol esser lacrima.

Non basta dirle.
Loro vogliono essere
più che parole.

Come afferrerò
l’idea senza fine
(non so da dove viene)
che tenta d’esprimersi...

Parole aride
per le bocche avide,

e quando spuntano
non sono altro che le note
d’una musica estinta...

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Florine Offergelt
Libro d'artista (2015)
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Tocata e fuga


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Tocata e fuga
Toccata e fuga


É tudo aquilo que só existe no ar,
O que de nós, além de nós, se expande.
É a vertigem para o alto, igual à grande
Tocata e fuga em ré menor de Bach.
É o delírio de um bêbedo num bar...
É um não sair do chão por mais que se ande...

Tudo que em mim, somente em mim existe,
Me transporta, me absorve, me suspende,
Me faz sorrir embora eu esteja triste,
Triste naquele universal sentido
Que a música interpreta e se compreende
Sem que em palavras seja traduzido.


È tutto ciò che solo nell’aria esiste,
Ciò che da noi, e oltre noi, s’espande.
È la vertigine verso l’alto, identica alla grande
Toccata e fuga in re minore di Bach.
È il delirio d’un ubriaco in un bar...
È un non staccarsi da terra pur tentando...

Tutto ciò che in me, in me soltanto esiste,
Mi trasporta, m’assorbe, mi sospende,
Mi fa sorridere malgrado io sia triste,
Triste in quel senso universale
Che la musica interpreta e si comprende
Senza che venga tradotto in parole.

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Wassily Kandinsky
Giallo, Rosso, Blu (1925)
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Terra de ninguém


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Terra de ninguém
Terra di nessuno


A sala recende
A terra molhada,
A caule úmido e raiz apodrecida.

As flores sobre o cadáver
Contraem pétalas enregeladas.
A figura de cera no caixão bordado
Sorri como um cego sorri
Com ar de náusea.

Os convidados expandem uma tristeza festiva.
O defunto recusa
Qualquer comunicação com a humanidade
Que lhe é de todo indiferente agora.
(Ele que morreu "pela Causa" e recebe honras fúnebres.)

Em sua torre de marfim,
Sob o céu absoluto da paisagem devastada,
Reina, altivo. (Há coroas, há bandeiras na sala.)

Passante! descobre-te e não rias,
Respeita a morte e o fedor de sua glória.


La sala puzza
Di terra bagnata
Di gambo umido e di radice marcita.

I fiori sopra il cadavere
increspano petali assiderati.
La figura di cera nel feretro ricamato
Sorride come sorride un cieco
Con aria nauseata.

Gli invitati diffondono una tristezza festosa.
Il defunto rifiuta
Qualunque comunicazione con l’umanità
Che gli è del tutto indifferente ora.
(Lui che è morto “per la Causa” e riceve onori funebri).

Nella sua torre d’avorio,
Sotto il cielo assoluto della natura devastata,
Regna, altero. (Ci sono corone e bandiere nella sala).

Viandante! togli il cappello e non ridere,
Rispetta la morte e il fetore della sua gloria.

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Joseph Bayer
Veglia Funebre per l'Imperatore Francesco I d'Austria
(Litografia, 1835)
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Salmo perdido


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Salmo perdido
Salmo perduto


Creio num deus moderno,
Um deus sem piedade,
Um deus moderno, deus de guerra e não de paz.

Deus dos que matam, não dos que morrem,
Dos vitoriosos, não dos vencidos.
Deus da glória profana e dos falsos profetas.

O mundo não é mais a paisagem antiga,
A paisagem sagrada.

Cidades vertiginosas, edifícios a pique,
Torres, pontes, mastros, luzes, fios, apitos, sinais.
Sonhamos tanto que o mundo não nos reconhece mais,
As aves, os montes, as nuvens não nos reconhecem mais,
Deus não nos reconhece mais.


Credo in un dio moderno
Un dio senza pietà,
Un dio moderno, dio di guerra e non di pace.

Dio di quelli che uccidono, non di quelli che muoiono.
Dei vincitori, non dei vinti.
Dio della gloria profana e dei falsi profeti.

Il mondo non è più lo scenario antico,
Lo scenario sacro.

Città vertiginose, edifici a picco,
Torri, ponti, antenne, luci, cavi, fischi, segnali.
Sogniamo così tanto che il mondo non ci riconosce più,
Gli uccelli, i monti, le nuvole non ci riconoscono più,
Dio non ci riconosce più.

________________

Max Ernst
Le divinità oscure (1957)
...

Pietá


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Pietá
Pietà


Essa mulher causa piedade
Com o filho morto no regaço
Como se ainda o embalasse.
Não ergue os olhos para o céu
À espera de algum milagre
Mas baixa as pálpebras pesadas
Sobre o adorado cadáver.
Ressucitá-lo ela não pode,
Ressucitá-lo ela não sabe.
Curva-se toda sobre o filho
Para no seu seio guardá-lo,
Apertando-o contra o ventre
Com dor maior que a do parto.
Mãe, de Dor te vejo grávida,
Oh, mãe do filho morto!


Questa donna suscita pietà
col figlio morto in grembo
come se ancora lo cullasse.
Non alza gli occhi al cielo
in attesa d’un miracolo
ma abbassa le palpebre pesanti
sull’adorato cadavere.
Resuscitarlo lei non può.
Resuscitarlo lei non sa.
Si curva tutta sopra il figlio
per proteggerlo sul suo seno,
stringendolo contro il ventre
con un dolore più forte del parto.
Madre, di Dolore ti vedo gravida,
Oh, madre del figlio morto.

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Michelangelo Buonarroti
Pietà Rondanini (1552-1564)

Paragem


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Paragem
Pausa



Com os meus bois,
Os meus bois que mugem e comem o chão,
Os meus bois parados,
De olhos parados,
Chorando,
Olhando...
O boi da minha solidão,
O boi da minha tristeza,
O boi do meu cansaço,
O boi da minha humilhação.
E esta calma, esta canga, esta obediência.


Solo
Coi miei buoi
I miei buoi che muggiscono e brucano,
I miei buoi fermi,
Con gli occhi fermi,
Lacrimando,
Guardando...
Il bue della mia solitudine,
Il bue della mia tristezza,
Il bue della mia stanchezza,
Il bue della mia umiliazione.
E questa calma, questo giogo, questa obbedienza.

________________

Giovanni Fattori
Il carro rosso (1887)

O rio


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O rio
Il fiume


A paisagem submersa, a água morta, e eu no fundo.
Mortal, sombra ou clarão, reflexo oculto

N’água como no espaço em que estou submergido,
Eu, náufrago do sonho universal,

Afundado em mim mesmo, como minha sombra no rio.
Dentro ou fora, qual é o verdadeiro afogado?
 
A água lívida como uma lâmina de aço,
Com lampejos cruéis e ameaças de morte,
 
Passa sobre mim cortando a minha figura em pedaços.
Mas ao passo que num espelho duro o meu outro eu
 [me olha com ódio
 
Aqui a água trêmula me fita com um olhar de mágoa
E o meu outro eu me sorri do fundo da água,
 
Mole, maleável como coleante ofídio.
Esse corpo sem luz como uma alma com frio
 
Me chama e por entre a água enganosa do rio
Se insinua a insidiosa idéia do suicídio.


Il paesaggio sommerso, l’acqua morta, e io sul fondo.
Mortale, ombra o chiarore, riflesso occulto

Nell’acqua come nello spazio in cui sono inabissato,
Io, naufrago del sogno universale,

Sprofondato in me stesso, come la mia ombra nel fiume.
Dentro o fuori, qual è il vero affogato?

L’acqua livida come una lamina d’acciaio,
Con crudeli bagliori e minacce di morte,

Passa sopra di me tagliando a pezzi la mia figura.
Ma mentre in uno specchio rigido l’altro mio io
[mi guarda con odio

Qui l’acqua tremula mi fissa con uno sguardo di dolore
E l’altro mio io mi sorride dal fondo dell’acqua.

Madido, malleabile come sinuosa serpe.
Questo corpo senza luce come un’anima intirizzita

Mi chiama e dentro l’acqua ingannevole del fiume
Si insinua l’insidiosa idea del suicidio.

________________

Jason deCaires Taylor
Silent evolution (2009)

Noturno do Praia-Hotel


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Noturno do Praia-Hotel
Notturno al Praia-Hotel


Estrelas sobre o edifício
Iluminado de uma luz gelada
Em frente ao mar, um mar de mármore,
Um mar de luxo, com espumas
Bem torneadas, um mar
Próximo e distante
Que soa como música noturna
Formando círculos de silêncio
Entre um e outro marulho...

Um palácio encantado,
Diáfano, aéreo,
Que se eleva da terra
Acima da miséria.

Não obstante a distância
Vêem-se nele sinais
Da existência de seres
Sobre-humanos, banhando-se
Numa verde piscina,
Figuras transparentes,
Altas mulheres que por sua
Nudez, sua brancura,
Parecem ser divinas.

Cortam as trevas as luzes
Cegantes de refletores
Ostentatórios de uma
Riqueza sem pudor. Mas
Um halo circunda o edifício,
O mar lambe-lhe os pés,
As estrelas o admiram.


Stelle sopra l’edificio
illuminato da una luce gelida
davanti al mare, un mare di marmo,
un mare di lusso, con schiume
ben tornite, un mare
vicino e lontano
che risuona come musica notturna
formando cerchi di silenzio
tra un flutto e l’altro...

Un palazzo incantato,
diafano, aereo,
che si erge da terra
al di sopra della miseria.

Nonostante la distanza
vi si scorgono segnali
dell’esistenza di esseri
sovrumani, che s’immergono
in una verde piscina,
figure trasparenti,
donne slanciate che per la loro
nudità, per il loro candore,
sembrano essere divine.

Fendono le tenebre le luci
accecanti di riflettori
che mettono in mostra una
ricchezza senza pudore. Ma
un’aura circonda l’edificio,
il mare gli lambisce i piedi,
le stelle lo rimirano.

________________

Alphonse Osbert
Decorazione dell'Atrio delle Terme di Vichy (1903)

Noite


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Noite
Notte


As estrelas não são fictícias, são existentes,
Mas parecem fictícias...

Todos os sonhos são verdadeiros,
Mas parecem mover-se num plano irreal.

É de mim que nasce o mal,
Todas as coisas são puras.

Sou como um morto andando à toa.
Oh, esse pensamento
não vem de mim, vem do alto.
Tive de pensá-lo porque se fez presente
Como o abismo ao suicida.

Desejo transcende-lo
E transformar o mal imaginário
Num bem presente e invisível.

Le stelle non sono artefatte, sono esistenti,
ma sembrano artefatte...

Tutti i sogni sono veritieri,
ma sembrano muoversi su un piano irreale.

È da me che nasce il male,
tutte le cose sono pure.

Sono come un morto che cammina alla cieca.
Oh, questo pensiero
non viene da me, viene dall’alto.
Ho dovuto pensarlo perché s’è presentato
come l’abisso al suicida.

Voglio trascenderlo
e trasformare il male immaginario
in un bene concreto e invisibile.

________________

Henri Matisse
La caduta di Icaro (1943)

...

Jardim público


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Jardim público
Giardino pubblico


Mundo estranho
De íris, lótus, ninféias,
Aves pernaltas,
Plantas aquáticas,
Esquisitos bichos.
Rumor de águas de todos os lados,
Um silêncio que enche os ouvidos,
Estátuas de fronte cansada,
Bancos onde se medita no suicídio,
Homens caminhando para o passado.

Mondo strano
Di iris, loto, ninfee,
Uccelli dalle zampe lunghe,
Piante acquatiche,
Animali bizzarri.
Rumor d’acqua tutt’intorno,
Un silenzio che invade gli orecchi,
Statue dalla fronte stanca,
Panchine ove meditare sul suicidio,
Uomini in cammino verso il passato.

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Gerhard Richter
Pittura Astratta n° 654-4 (1988)

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