Diário de Bordo


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Jorge Sousa Braga »»
 
A Ferida Aberta (2001) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Diário de Bordo
Diario di bordo


Mãe
hoje abriu-se uma janela pela primeira vez
mas tudo o que pudeste ver foi um pequeno lago de águas
adormecidas,
rodeado por margens de areia brilhante
um pequeno lago alimentado por inúmeros afluentes

Mãe
passou uma semana e o meu minúsculo coração agita já as
 águas desse lago
Estou agarrado à margem vejo ao longe uma pequena bóia
mas o medo impede-me de me afastar

Mãe
porque é que andas tão enjoada?
Passas a vida a correr para o quarto de banho
Não toleras o cheiro a fritos nem o after-chave do pai
Espero que não enjoes do cheiro a jasmim

Por favor não me confundam com um girino
Embora não tenha nada contra as rãs
e muito menos contra as libélulas que povoam os outros
 lagos

Mãe
estou a ficar velho
disseram-me que já deixei de ser embrião
Mediram-me a translucência da nuca
e eu aproveitei para realizar algumas pequenas acrobacias

Hoje fiquei finalmente a saber que tinha ventrículos pulmões
estômago e uma série de coisas mais
incluindo uns grandes lábios que quase pareciam bolsas
 escrotais
E eu pensava que aquilo que tinha entre as pernas era
 uma rosa

Mãe
Porque é que meu coração bate tão acelerado?
Por mais que tente não consigo sincronizá-lo com o teu

Mãe
Só conheço a cor do crepúsculo
Estou morto por conhecer as outras cores do arco-íris

Mãe
Hoje surprendi-te quando te olhavas nua ao espelho
as mãos sobre o púbis segurando a barriga enorme

Mãe
Às vezes os dias são um pouco monótonos
de forma que entretive a fazer nós com o cordão umbilical

Mãe
Estás com umas olheiras enormes
Pelos vistos não te deixei dormir
Passei a noite toda a deambular pelos recantos mais
 sinuosos do teu
útero
a ver se descobria alguma água-marinha

Mãe
Podias ter colocado alguns peixinhos no líquido amniótico
Já agora um beta e alguns escalares
E porque não alguns nenúfares?

Mãe
Apetecia-me uma bebida diferente
que não a minha dose diária de urina

Mãe
Esta noite tive um pesadelo horrível
Sonhei que te tinham cortado os mamilos
com uma lâmina de bisturi

Mãe
Apetecia-me chorar
mas é difícil chorar assim debaixo de água

Mãe
O que está a acontecer?
O teu útero começou a contrair-se
e as contracções vão-se tornando cada vez mais freqüentes

Mãe
O que é que eu fiz
para me expulsares desta maneira?

Mãe
A distância entre mim e ti
não se mede em centímetros mas em lilases 
Mamma
oggi s’è aperta una finestra per la prima volta
ma tutto quello che hai potuto vedere è un laghetto d’acque
  addormentate,
circondato da rive di sabbia brillante
un laghetto alimentato da innumerevoli affluenti

Mamma
è passata una settimana e il mio minuscolo cuore agita già le
 acque di questo lago
Sono aggrappato alla riva vedo distante una piccola boa
ma la paura mi impedisce di allontanarmi

Mamma
perchè senti tutta questa nausea?
Passi la vita a correre nella stanza da bagno
Non sopporti l’odore di fritto né l’aftershave di papà
Spero che non ti nausei il profumo del gelsomino

Per favore non mi si confonda con un girino
Anche se non ho niente contro le rane
e ancor meno contro le libellule che popolano gli altri
 laghi

Mamma
sto diventando vecchio
mi hanno detto che non sono già più un embrione
Mi hanno misurato la trasparenza della nuca
e io ne ho approfittato per fare qualche piccola acrobazia

Oggi finalmente ho saputo che ho ventricoli polmoni
stomaco e una serie di altre cose
comprese delle grandi labbra che sembrano quasi borse
 scrotali
E io pensavo che quello che avevo tra le gambe fosse
 una rosa

Mamma
Perché il mio cuore batte tanto accelerato?
Per quanto io tenti non riesco a sincronizzarlo col tuo

Mamma
Conosco solamente il colore del crepuscolo
Non vedo l’ora di conoscere gli altri colori dell’arcobaleno

Mamma
Oggi ti ho sorpresa mentre ti guardavi nuda allo specchio
le mani sopra il pube sostenendo la pancia enorme

Mamma
A volte le giornate sono un po’ monotone
e io mi sono divertito a far nodi con il cordone ombelicale

Mamma
Hai delle enormi occhiaie
È evidente che non t’ho lasciata dormire
Ho passato tutta la notte a vagare per gli anfratti più sinuosi
 del tuo
utero
per vedere se scoprivo qualche acquamarina

Mamma
Potresti mettere un po’ di pesciolini nel liquido amniotico
Fin da subito un combattente e qualche pesce angelo
E perché no delle ninfee?

Mamma
Mi piacerebbe una bibita differente
al posto della mia dose diaria di urina

Mamma
Questa notte ho avuto un incubo terribile
Ho sognato che ti avevano tagliato le mammelle
con la lama del bisturi

Mamma
Avrei voglia di piangere
ma è difficile piangere stando sott’acqua

Mamma
Che cosa sta succedendo?
Il tuo utero ha cominciato a contrarsi
e le contrazioni si stanno facendo sempre più frequenti

Mamma
Ma io che che cos’ho fatto
perché tu mi espellessi in questo modo?

Mamma
La distanza tra me e te
non si misura in centimetri ma in fiori di lillà
________________

Pino Pascali
Maternità (1964)
...

Nessun commento:

Posta un commento

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (107) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (435) Pássaro de vidro (52) Poemas dos dias (23) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (23) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)