João Cabral e os rios


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
A soleira e o século (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


João Cabral e os rios
João Cabral e i fiumi


Soubeste que um leito seco de rio
de todo nunca se encontrava vazio,

que há nesse leito a nudez, tu disseste,
que se aumenta quando o verão a veste,

que um rio só esta vazio quando
de seu própio sonho ele for secando,

que um rio será sempre grande em nós,
quando o soubermos sem nascente ou foz.

Só tu compreendeste, amigo, que um rio,
embora seco, nunca está vazio.
Tu sapevi che il letto secco d’un fiume
non era mai completamente vuoto,

che in questo letto c’è la nudità, tu dicevi,
che aumenta quando l’estate la veste,

che un fiume è vuoto solamente quando
ha visti inaridirsi il proprio sogno,

che un fiume sarà sempre grande in noi,
quando lo sapremo senza sorgente né foce.

Solo tu hai capito, amico, che un fiume,
benché secco, non è mai vuoto.
________________

Dove inizia il fiume, documentario sul Cão sem plumas,
una coreografia di Déborah Colker (2021)
...

Já que todo solo é materno


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
A soleira e o século (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Já que todo solo é materno
Giacché ogni suolo è materno


leva o teu ouvido
ao chão

a dureza do mundo
te exilou há muito
do real convívio

os barulhos do mundo

escuta o tempo
que transcende
os calendários

e que te espera
em sigilo
sob o lençol de todas as idades

feito uma árvore
no porão

baixa o teu ouvido
e esquece

essa calma
que atravessa
a soleira e o século

para testemunhar
teu coração
que envelhece
accosta il tuo orecchio
al suolo

la durezza del mondo
da tempo ti ha bandito
dal reale simposio

i rumori del mondo

dà retta al tempo
che trascende
i calendari

e che t’aspetta
in incognito
sotto il lenzuolo d’ogni età

simile ad un albero
nel sottosuolo

abbassa il tuo orecchio
e scorda

questa quiete
che attraversa
la soglia e il secolo

per attestare
il tuo cuore
che invecchia
________________

Ronan Barrot
Albero paesaggio
(2008)
...

Confissão


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
A soleira e o século (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Confissão
Confessione


Sejamos sinceros, meu bem,
dispamos o pijama
das mitologias:

a eternidade não conhece o amor.

O amor também não sabe
verdadeiramente
o que é o amor

e, no fundo, nós nunca acreditamos muito
em parto
sem dor.
Siamo sinceri, amor mio,
svestiamo il pigiama
della mitologia:

l’eternità non conosce l’amore.

E neppure l’amore sa
veramente
che cosa sia l’amore

e, in fondo, noi non abbiamo mai creduto molto
al parto
indolore.
________________

Théo Tobiasse
Cristallo tagliato a forma di donna (1927-2012)
...

Como se máscara houvesse


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
A soleira e o século (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Como se máscara houvesse
Come se ci fosse una maschera


Não tem sentido
me lançar assim
sobre teu corpo,

sabendo em ti
a cada vez
os cômodos todos.

Todos os cômodos
do teu corpo.

Como se máscara houvesse,
e tão funda,
por sob o rosto.

Não tem sentido
buscar sentido
onde apenas corpo:

matéria
sem linguagem, céu
cavado no osso,

harmonia que ouço
a leste de mim,
em desacordo.

Fruta que só me entrega
seu sabor
quando me mordo.

Assim é o mundo
que leio, a partir
de teu corpo.
Non ha alcun senso
gettarmi così
contro il tuo corpo,

conoscendo di te
ogni volta
tutti i vani.

Tutti i vani
del tuo corpo.

Come se ci fosse una maschera,
e assai profonda,
al di sotto del tuo volto.

Non ha alcun senso
cercare un senso
ove c’è solo corpo:

materia
senza linguaggio, cielo
scavato nell’osso,

armonia che ascolto
a oriente di me,
in disaccordo.

Frutto che solo mi offre
il suo sapore
quando mi mordo.

È così il mondo
che leggo, a partire
dal tuo corpo.
________________

Nora Berman
Increspature (2016)
...

Como existir


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
A soleira e o século (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Como existir
Come esistere


há coisas que não tiveram
como existir

por isso ficam
sempre morrendo

por isso
são apenas um hiato
entre duas mortes

uma em processo
outra definitiva

há coisas
que quando as sonhamos
já morreram

por isso ostentam esse ar
de quem está sempre
de partida

para nenhuma vida
ci sono cose che non hanno avuto
la ventura di esistere

perciò stanno
sempre morendo

perciò
non sono che una pausa
tra due morti

l’una in corso
l'altra definitiva

ci sono cose
che quando le sogniamo
sono già morte

per questo esibiscono quell'aria
di chi sta sempre
sul punto di partire

verso nessuna vita
________________

Jean Calogero
Migrazione (1975-1980)
...

Cinco exercícios finais


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
A soleira e o século (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Cinco exercícios finais
Cinque esercizi finali


Primeiro: abrir bem a boca
para provar o dia.

Demasiado doce, escuro?
 
Segundo exercício: respirar fundo
até sentir um sino.
Dois badalos
é sinal de domingo.

Terceiro: tocar com a falange esquerda
uma das sete pontas da aurora
até doer o azul - e bem doído.

Quarto: olhar avesso, olhar para dentro
e ver o menino que corre
sobre a ponte.

Quinto: ouvir o arrasto
da hora, suas engrenagens
e, ao centro, todas as outras horas
em que estivestes nascendo.

Em que estivestes nascendo
para esses inúteis exercícios.
Primo: aprire bene la bocca
per gustare il giorno.

Troppo dolce, scuro?

Secondo esercizio: respirare a fondo
fino a sentire una campana.
Due rintocchi
è segno che è domenica.

Terzo: toccar con la falange sinistra
una delle sette punte dell’aurora
finché fa male il blu - ma molto male.

Quarto: guardare al contrario, guardare dentro
e vedere il bambino che corre
sopra il ponte.

Quinto: ascoltare il trascinarsi
dell’ora, i suoi ingranaggi
e, al centro, tutte le altre ore
nelle quali stavi nascendo.

Nelle quali stavi nascendo
per questi inutili esercizi.
________________

Man Ray
Les heures heureuses (1972)
...

A noite, ampla de fogos


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
A soleira e o século (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


A noite, ampla de fogos
La notte, ricca di fuochi


e houve um vulto
que desceu com a noite.
e houve a noite, ampla
de fogos, e em cuja fonte
as milícias vêm beber
o sumo e o pranto.
eis que um sino rompeu
a soleira do sono.
lá vêm as carregadeiras com seu rol de mortos
e o silêncio defendido
pelas armas.
e o medo.
na calma do quarto
o assombro rompe
- junto dele uma criança
com os olhos sob a treva.
e onde o gesto do irmão
sufoca a efígie
de uma nova execução.
e ci fu una figura
che con la notte discese.
e ci fu la notte, ricca
di fuochi, e alla cui fonte
le truppe vengono a bere
la saliva e il pianto.
ecco che una campana ha sfondato
l’uscio del sonno.
e giungono le portatrici con la loro fila di morti
e il silenzio difeso
con le armi.
e la paura.
nella quiete della camera
lo spavento irrompe
- accanto a lui un bambino
con gli occhi ottenebrati.
e dove il gesto del fratello
spegne la visione
di una nuova esecuzione.
________________

Franco Baldazzi
Ottanta paura (2020)
...

Há já quanto tempo...


Nome:
 
Collezione:
Fonte:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Poesie inedite »»
nunorochamorais.blogspot.com (agosto 2024) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Há já quanto tempo...
Da quanto tempo ormai...


Há já quanto tempo não vestia estas calças.
Dentro delas estão as pernas envelhecidas,
Perras, de um presente longínquo.
Nos bolsos, há ruínas de nomes,
Pequenos fragmentos de vozes e cartas,
Pequenas chamas ou elegias
Ainda não totalmente dissolvidas.
Pego em todas estas coisas,
Cuidadosamente e reintegro-as
No fluxo da memória.
Da quanto tempo ormai non mettevo questi calzoni.
Dentro ci stanno le gambe invecchiate,
Indurite, d’un lontano presente.
Nelle tasche, ci sono resti di nomi,
Piccoli frammenti di voci e lettere,
Piccole fiamme o elegie
Ancora non del tutto dissolte.
Afferro tutte queste cose,
Accuratamente e le reintegro
Nel flusso della memoria.
________________

Massimo Di Stefano
Ricordi che bruciano (2021)
...

À margem


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
A soleira e o século (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


À margem
A margine


Que rosto terás
na eternidade?
 
Qual o teu
verdadeiro nome,
a palavra que te grava
desde o princípio?
 
Que olhar doarás
ao que te espera
além do tempo
e do espaço?
 
E a tua voz?
Acaso pensaste
um segundo apenas
na tua voz?
 
Quando cessarem todos os relógios,
quando a terra entrar de vez
pelo teu corpo, qual
o teu verdadeiro rosto?
Che aspetto avrai
nell’eternità?
 
Quale il tuo
vero nome,
la parola che ti segna
fin dal principio?
 
Che sguardo volgerai
a chi t’aspetta
al di là del tempo
e dello spazio?
 
E la tua voce?
Per caso hai pensato
un attimo soltanto
alla tua voce?
 
Quando si fermeranno tutti gli orologi,
quando la terra entrerà definitivamente
nel tuo corpo, quale sarà
il tuo vero aspetto?
________________

William Turner
Mattino dopo il diluvio universale (1843)
...

À distância


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
A soleira e o século (2002) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


À distância
A distanza


Tudo que digo
já nasce com vinte séculos de idade.
Este verso tem mil e duzentos anos.
Tu, leitor, és apenas uma miragem
da antiguidade.

À distância
te assemelhas a uma coluna grega.
És uma coluna grega
uma esfinge um manuscrito
uma odisséia.

Agora sabes
essa palavra demasiado escura
para o teu desterro.

No céu da boca
essa palavra ecoa, fica doendo.
Ali
há uma brisa entre folhagens
onde o tempo retrocede.

Uma brisa congelada entre palavras.

Nesse momento sabes
que Sísifo empurra a sua pedra,
que a súplica vem ferir novamente
os trinta mil anos que acorrentaram
Prometeu a seu pecado.

Nesse momento sabes
que tudo está vivo em ti,
que em ti
tudo se revolve.
Tutto quel che dico
nasce già con venti secoli d’età.
Questo verso ha milleduecento anni.
Tu, lettore, non sei che un miraggio
dell’antichità.

A distanza
somigli a una colonna greca.
Sei una colonna greca
una sfinge un manoscritto
un’odissea.

Ora conosci
questa parola troppo oscura
per il tuo confino.

Sul tuo palato
questa parola echeggia e fa male.

vi è una brezza tra il fogliame
ove il tempo retrocede.

Una brezza congelata tra le parole.

In questo momento tu sai
che Sisifo spinge la sua pietra,
che il supplizio colpirà nuovamente
i trentamila anni che incatenarono
Prometeo al suo peccato.

In questo momento tu sai
che tutto è vivo in te,
che in te
tutto s’anima.
________________

Antonio Zanchi
La fatica di Sisifo (1660-1665)
...

Panorâmica


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
Oceano coligido (2000) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Panorâmica
Veduta panoramica


lá embaixo a cidade
o cemitério
 
brancos ambos
 
iguais
Laggiù la città
il cimitero

tutti e due bianchi

uguali
________________

George Gustav Adomeit
Cimitero di Eire Street, Downtown Cleveland (1928)
...

Oceano coligido


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
Oceano coligido (2000) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Oceano coligido
Oceano riunito


inverte-se enfim a arquitetura,
onde havia pedra
resta agora outra figura:
ruína em que o oceano
se ajoelha e bate,
eternamente bate, mas
onde jamais se apura.
si sovverte infin l’architettura,
là dov’era la pietra
resta ora un’altra figura:
rovina in cui l’oceano
si prostra e batte,
eternamente batte, ma
dove giammai si depura.
________________

Frederick Judda Waugh
Onda (1908)
...

No jardim (XXVI)


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
Oceano coligido (2000) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


No jardim (XXVI)
Nel giardino (XXVI)


algo resiste em sua ausência
: esses olhos
esses pobres olhos foram seus um dia
 
o passado abre-se como um livro
ah
o passado é sempre um livro aberto
com uma página só
 
vazia
Qualcosa della sua assenza permane
: quegli occhi
quei poveri occhi che un giorno furono suoi

il passato si apre come un libro
ah
il passato è sempre un libro aperto
con una pagina sola

bianca
________________

Pablo Picasso
Donna con le braccia incrociate (1901-1902)
...

No jardim (XXII)


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
Oceano coligido (2000) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


No jardim (XXII)
Nel giardino (XXII)


sempre a noite na escada
sempre o quarto a
luminária
o disco de sempre
essa toada sem graça
esse asco profundo
esse medo de sacrificar-se

esse sempre
sempre la notte sulle scale
sempre la stanza il
candelabro
il disco di sempre
questa nenia senza grazia
questo profondo disgusto
questa paura di sacrificarsi

questo sempre
________________

Edvard Munch
Notte a Saint-Cloud (1890)
...

Convocas em mim essa tempestade...


Nome:
 
Collezione:
Fonte:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Poesie inedite »»
nunorochamorais.blogspot.com (agosto 2024) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Convocas em mim essa tempestade...
Accumuli in me questa tempesta...


Convocas em mim essa tempestade
De que és o início
E só tu podes ser saciedade.
Amena me desunes
Entre a alegria e o rasgar,
És tu que fazes desaguar em mim
As navegações de uma certa dor
Que os amantes conhecem bem,
Que os sonos e insónias percorrem.
Em mim nasces como um turbilhão
E és tão cruel, tão crua,
Mas a tua crueza, a minha dor
Nada disso, nada, é culpa tua.
Accumuli in me questa tempesta
Di cui sei l’inizio
E tu sola puoi esserne la sazietà.
Gentilmente mi scindi
Tra la gioia e il tormento,
Sei tu che fai sfociare in me
I flussi d’un certo dolore
Che gli amanti conoscono bene,
Che i sonni e le insonnie percorrono.
Nasci in me come un turbine
E sei così crudele, così cruda,
Ma la tua crudezza, il mio dolore
Nulla di ciò, nulla, è colpa tua.
________________

Pieter Bruegel il Vecchio
Tempesta (1569)
...

Elogios de Nicanor Parra - II


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Gilberto Nable »»
 
Poemas do Desalento & Alguns Elogios (2019) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Elogios de Nicanor Parra - II
Elogi di Nicanor Parra - II


Aritmética da lama
(Brumadinho - MG, janeiro de 2019)

Independentemente
das centenas de desaparecidos,
e dos corpos soterrados,
jovens, grávidas e crianças,
as gargantas entupidas de densa lama.
Independentemente
da destruição da paisagem,
dos rios, da fauna e da flora.
Quanto vocês pensam que custa,
em dinheiro vivo e sonante,
a construção de uma barragem?
Barragens custam caro.
Quanto mais seguras, mais caras.
E a manutenção de milhares de funcionários,
com suas famílias, numerosas,
funcionários insubmissos e indolentes?
Quanto vocês pensam que custa manter
uma grande empresa,
e seu nome no mercado,
sua estabilidade na bolsa?
Uma bagatela?
São enormes investimentos.
E os impostos pagos para os municípios,
os estados e o país?
Commodities viram dinheiro.
E o que se gastará com indenizações e enterros,
missas e coroas de flores?
Uma fortuna!
Além do que já fazemos,
e das propinas,
e dos laudos prontos
pagos a peso de ouro
(e não de ferro).

Em nome de Deus!
E do tempo perdido
em explicações inúteis,
para a imprensa,
os familiares insaciáveis?
O dinheiro não só fala,
como faz muita gente calar a boca.
Quase quatrocentos mortos.
Doação de cem mil para a família
de cada soterrado vivo.
Sem falar nas despesas que virão!


Independentemente
de qualquer outra coisa,
sejamos um pouco sensatos,
minimamente sensatos,
por favor:
é só fazer uma mísera regra de três.


Aritmetica del fango
(Brumadinho - MG, gennaio 2019)

Indipendentemente
dalle centinaia di dispersi,
e dai corpi sotterrati,
giovani, gravide e bambini,
con le gole intasate dal fango denso.
Indipendentemente
dalla distruzione dell’ambiente,
dei fiumi, della fauna e della flora.
Voi quanto pensate che costi,
in moneta viva e sonante,
la costruzione di una diga?
Le dighe costan caro.
E più sono sicure, più son care.
E il mantenimento di migliaia di funzionari,
con le loro famiglie, numerose,
funzionari insubordinati e indolenti?
Voi quanto pensate che costi mantenere
una grande impresa,
e il suo nome sul mercato,
la sua stabilità in borsa?
Una bazzecola?
Sono enormi investimenti.
E le imposte dovute ai municipi,
agli stati e al paese?
Le “commodities” richiedono denaro.
E quel che si dovrà scialare fra indennizzi e funerali,
messe e corone di fiori?
Una fortuna!
Oltre a ciò che abbiamo già fatto,
e oltre alle tangenti,
e alle perizie sollecite
pagate a peso d’oro
(e non di ferro).

In nome di Dio!
E del tempo perduto
in spiegazioni inutili,
per l’impresa,
per i familiari insaziabili?
Il denaro non solo parla,
ma riesce a far tacere tanta gente.
Quasi quattrocento morti.
Elargizione di centomila per la famiglia
di ogni sepolto vivo.
Senza parlare delle spese che seguiranno!


Indipendentemente
da qualunque altra cosa,
siamo un po’ sensati,
minimamente sensati,
per favore:
basta applicare una semplice regola del tre.

________________

Casa sotto il fango di Brumadinho
Foto: Jeso Carneiro (febbraio 2019)
...

Jezebel


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Iacyr Anderson Freitas »»
 
Oceano coligido (2000) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Jezebel
Jezabel


nunca enumerei meus filhos.
de meu ventre vão rompendo
para o chão tomado
de usura e posse.
meu marido sumiu
e desde então
vou gerando os filhos
que com ele não tive.
os filhos que têm a mesma
cara de fuga, a mesma
vocação para o extermínio.
o mesmo jeito de não estar.
vou gerando, a cada minuto,
gerações que o procuram
aquém e além desses muros.
sei que um dia
deverão encontrá-lo.
sei que um dia
deverão entregá-lo a mim,
tão puro quanto esse marulho
que me ofende agora.
só então poderei descansar
meu útero em febre.
e renascer, imensa e só,
em minha fertilidade.
mai ho contato i miei figli.
prorompono dal mio ventre
verso il suolo governato
da usura e dominio.
mio marito se n’è andato
ed è da allora
che do alla luce i figli
che lui non mi ha dato.
i figli che hanno la stessa
espressione di fuga, la stessa
inclinazione allo sterminio.
la stessa maniera di non esserci.
partorisco, ogni momento,
generazioni che lo cercano
al di qua e al di là di questi muri.
io so che un giorno
dovranno trovarlo.
so che un giorno
dovranno consegnarmelo,
puro come questo sciabordio
che ora mi disturba.
solo allora potrò placare
il mio utero frenetico.
e risorgere, immensa e sola,
nella mia fertilità.
________________

John Liston Byam Shaw
Jezebel (1896)
...

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (109) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (47) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (37) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (454) Pássaro de vidro (52) Pedro Mexia (40) Poemas dos dias (24) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)