Limite


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Adão Ventura »»
 
A Cor da pele (1988) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Limite
Limite


e quando a palavra
apodrece
num corredor
de sílabas ininteligíveis.

e quando a palavra
mofa
num canto-cárcere
do cansaço diário.

e quando a palavra
assume o fosco
ou o incolor da hipocrisia.

e quando a palavra
é fuga
em sua própria armadilha.

e quando a palavra
é furada
em sua própria efígie.

a palavra
sem vestimenta,
nua,
desincorporada.
e quando la parola
marcisce
in un tunnel
di sillabe inesplicabili.

e quando la parola
ammuffisce
in un recesso-carcere
della quotidiana fatica.

e quando la parola
accetta il torbido
o l’incolore dell’ipocrisia.

e quando la parola
è fuga
dentro la propria trappola.

e quando la parola
è corrotta
nella sua stessa effigie.

la parola
senza indumenti,
nuda,
disincarnata.
________________

Isabel Ruiz Perdiguero
Nebulous (2011)
...

Faça sol ou faça tempestade


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Adão Ventura »»
 
A Cor da pele (1988) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Faça sol ou faça tempestade...
Che splenda il sole o che tiri vento...


faça sol ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.

faça sol ou faça tempestade
meu corpo é cercado
por estes muros altos,
— currais
onde ainda se coagula
o sangue dos escravos.

faça sol
ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.
che splenda il sole o che tiri il vento,
il mio corpo è fasciato
da questa pelle nera.

che splenda il sole o che tiri il vento
il mio corpo è circondato
da queste alte mura,
— stalle
ove ancora si coagula
il sangue degli schiavi.

che splenda il sole
o che tiri il vento,
il mio corpo è fasciato
da questa pelle nera.
________________

Paul Cézanne
Lo schiavo Scipione (1866)
...

Eu, pássaro preto


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Adão Ventura »»
 
A Cor da pele (1988) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Eu, pássaro preto
Io, uccello nero


eu,
pássaro preto,
cicatrizo
queimaduras de ferro em brasa,
fecho o corpo de escravo fugido
e
monto guarda
na porta dos quilombos.
io,
uccello nero,
cicatrizzo
le bruciature del ferro rovente,
chiudo il mio corpo di schiavo fuggito
e
monto di guardia
alla porta dei quilombo.
________________

Georges Braque
Uccello blu e giallo (1955)
...

Encantamento


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Adão Ventura »»
 
A Cor da pele (1988) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Encantamento
Magia


Você agora
é arco-íris
sol
de Três Barras
cristal
de São Gonçalo do Rio das Pedras
- Um caminhão transporta estrelas
do Pico do Itambé
- Um raio corta de fora a fora
os céus do Serro
Ora tu
sei arcobaleno
sole
di Três Barras
cristallo
di São Gonçalo do Rio das Pedras
- Un camion trasporta stelle
del Pico do Itambé
- Un lampo taglia da parte a parte
i cieli del Serro
________________

Luigi Russolo
Lampi (1910)
...

Dois


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Adão Ventura »»
 
A Cor da pele (1988) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Dois
Due


de pés no chão
palmilhei duros eitos
movidos a chuva e sol.

de pé no chão
atravessei frios guetos
de duras cicatrizes.

de pés no chão

envelheceu mansamente
as suas mãos escravas.
coi piedi per terra
ho calpestato duri campi
nutriti dalla pioggia e dal sole.

coi piedi per terra
ho attraversato freddi ghetti
con dure cicatrici.

coi piedi per terra

lasciò serenamente invecchiare
le sue mani schiave.
________________

Hannah Höch
Mani (1930)
...

Litania da libertação


Nome:
 
Collezione:
Fonte:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Galeria (2016) »»
http://nunorochamorais.blogspot.com (Gennaio 2025) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Litania da libertação
Litania della liberazione


  "por onde alcançar o azul da terra
  onde se confundem a chuva e os ausentes"
      Pablo Neruda

Onde o dia se confunde com o horizonte;
Onde o espelho se confunde com o sangue;
Onde o Inverno se confunde com o sono;
Onde a teia se confunde com a boca;
Onde o vinho se confunde com a explosão;
Onde os pássaros se confundem com a luz;
Aí, nesse lugar, nesse tempo,
Onde o espaço se confunde com o sonho,
E o tempo com um tema exaurido,
Aí, eu não me confundirei comigo,
O ausente.

  "da dove raggiungere il blu della terra
  dove si confondono la pioggia e gli assenti"
      Pablo Neruda

Dove il giorno si confonde con l’orizzonte;
Dove lo specchio si confonde con il sangue;
Dove l’Inverno si confonde con il sonno;
Dove la tela si confonde con la bocca;
Dove il vino si confonde con lo scoppio;
Dove gli uccelli si confondono con la luce;
Lì, in quel posto, in quel tempo,
Dove lo spazio si confonde con il sogno,
E il tempo con un tema sviscerato,
Lì, io non mi confonderò con me,
L’assente.

________________

Emil Nolde
Il Lago di Lucerna (1930)
...

Congado


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Adão Ventura »»
 
A Cor da pele (1988) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Congado
Congado


Reis e rainhas
príncipes e princesas
não deixem
que minha força
se vá pela correnteza
de mil dúvidas
e nós
travados pela vida
cada vez mais cáustica.
Re e regine
principi e principesse
non consentano
che la mia forza
se ne vada con la corrente
di mille dubbi
e che noi
restiamo incatenati a una vita
sempre più oltraggiosa.
________________

Heitor dos Prazeres
Danza (1962)
...

Procissão


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Adão Ventura »»
 
Jequitinhonha: poemas do Vale (1980) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Procissão
Processione


Gente
de velas
na mão
vela-se
ao santo.

entre as
curvas
das ruas
curva-se
ao santo.

no dobrar
das esquinas
dobram-se
ao santo
os joelhos genuflexos
e puros para o milagre.
Gente
con lumini
in mano
s’illumina
per il santo.

tra le
curve
delle vie
si curva
al santo.

nello svoltare
gli angoli
si rivolge
al santo
ginocchia genuflesse
e puri per il miracolo.
________________

Lena da Bahia
Procissão da Irmandade da Boa Morte
...

Paisagem do Jequitinhonha


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Adão Ventura »»
 
Jequitinhonha: poemas do Vale (1980) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Paisagem do Jequitinhonha
Paesaggio dello Jequitinhonha


Quem dança no vento
  no ventre das águas
  do Jequitinhonha?

Quem percorre o leve
  de breves passos
nas margens do Araçuaí?

Quem detém dos pássaros
  o ziguezaguear de vôos
  recompondo sombras
  sobre lixívias e lavras
  de Chapada do Norte?

Quem imprime
  em argila
  a singeleza dos gestos
  dos artesãos de Minas Novas?
Chi danza nel vento
  nel ventre dell’acqua
  dello Jequitinhonha?

Chi cammina con leggerezza
  a piccoli passi
lungo le rive dell’Araçuaí?

Chi trattiene degli uccelli
  lo zigzagare dei voli
  ricomponendo ombre
  sopra campi e lavatoi
  della Chapada do Norte?

Chi imprime
  sull’argilla
  la semplicità dei gesti
  degli artigiani di Minas Novas?
________________

Tarsila do Amaral
Paisagem com Lavadeira (1952)
...

Iam


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Adão Ventura »»
 
Jequitinhonha: poemas do Vale (1980) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Iam
Se ne andavano


não sei não. mas aqui a gente
conversa assuntos
que na Capital necas /nadas
lá é aquela gente correndo
— corredeira sem-fim
pra qualquer decá aquela palha.
no, non lo so. ma qui la gente
parla di tante cose
mentre nella Capitale niente di niente
là c’è tutta quella gente che corre
— corsa senza fine
per pochi soldi questa pagliacciata.
________________

Francesco Camillo Giorgino detto Millo
Coração cheio, Belo Horizonte (2023)
...

O poeta e o social - 14


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Alberto Pimenta »»
 
O poeta e o social (2024) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


O poeta e o social - 14
Il poeta e il sociale - 14


O poeta tem
objectivos claros,
mesmo quando
parece obscuro.
Il poeta ha
chiari i suoi obiettivi,
anche quando
risulta oscuro.
________________

Gerhard Richter
March 13 2000 (2000)
...

Perscrutação


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Alberto Pimenta »»
 
Pensar depois No caminho (2018) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Perscrutação
Elucubrazione


não me canso de dizer
que cada coisa
pode ser
o contrário do que é.

quando digo
que cada coisa
pode ser
o contrário do que é,
sei perfeitamente
o que digo
e é isso
que quero dizer
e não o contrário,
embora o contrário
também esteja certo,
porque cada coisa
também pode ser
o que é.

a função das coisas
é ser aquilo
que se quer
que elas sejam.
non mi stanco di dire
che ogni cosa
può essere
il contrario di ciò che è.

quando dico
che ogni cosa
può essere
il contrario di ciò che è,
so perfettamente
ciò che dico
ed è questo
che voglio dire
e non il contrario,
benché il contrario
sia altrettanto vero,
perché ogni cosa
può anche essere
ciò che è.

la funzione delle cose
è d’essere ciò
che si vuole
che esse siano.
________________

Michelangelo Pistoletto
La verità di Michelangelo Pistoletto (2024)
(della serie "Quadri specchianti")
...

Foge a nuvem com o tempo


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Alberto Pimenta »»
 
Pensar depois No caminho (2018) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Foge a nuvem com o tempo
Fugge la nuvola col tempo


a poesia, essa, mil vezes avaliada
para se lhe alterar a valia,
como na finança
ora para mais, ora para menos,
pois é modo dela fabricar
algo sempre incompleto e
a completar doutra vez,
foi sempre assim, foi,
e, de cada vez, ela disse
que se aproximou
mas ainda não chegou
lá onde tem de chegar, ainda falta
e sempre faltará:
doutro modo já teria acabado.
la poesia, lei, mille volte valutata
per alterarne il valore,
come nella finanza
ora in crescita, ora in calo,
poiché è una sua prerogativa costruire
qualcosa che è sempre incompleto e
da completare un’altra volta,
è sempre andata così, è andata,
e, ogni volta, lei ha detto
d’essersi avvicinata
ma senza ancora arrivarci
là dove deve arrivare, manca ancora un po’
e sempre mancherà:
altrimenti sarebbe già finita.
________________

Henri Edmond Cross
Nuvole rosa (1896)
...

Tornei a sonhar com o homem...


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Alberto Pimenta »»
 
Nove fabulo, o mea vox / De Novo Falo, a Meia Voz (2016) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Tornei a sonhar com o homem...
Ho sognato ancora quell’uomo...


tornei a sonhar com o homem
que se debruça sobre ti
mete as mãos
na tua vagina
tacteia empurra segue sobe
chega ao teu coração
arranca-o com as unhas
trá-lo para fora com um fio de pesca
embrulha-o num pano
afasta-se com ele
o sangue não pára
tu ficas a ponto de morrer
com muito estertor
mas não morres
tens razão
eu não conseguiria
satisfazer-te tão intensamente
como o homem dos teus sonhos
Ho sognato ancora quell’uomo
che si china su di te
insinua le mani
nella tua vagina
tocca spinge avanza sale
arriva fino al tuo cuore
lo strappa con le unghie
lo estrae con un filo da pesca
lo avvolge in un panno
se lo porta via
il sangue non s’arresta
tu sei in punto di morte
agonizzante
ma non muori
hai ragione
io non riuscirei
a soddisfarti così intensamente
come l’uomo dei tuoi sogni
________________

Alexey Venetsianov
Fanciulla dormiente (1840)
...

À minha volta…



Nome:
 
Collezione:
Fonte:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Poesie inedite »»
nunorochamorais.blogspot.com (gennaio 2025) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


À minha volta…
Intorno a me…


À minha volta, um excesso de presenças.
Em cada objecto, um elo de memória,
Um rasto de tempo passado
Guia-me até às bases do silêncio,
Onde uma imagem resiste.
As faces rodam
E tudo em mim se espelha,
Nada se grava.

Penso na amnistia da estranheza.
Intorno a me, un eccesso di presenze.
In ogni oggetto, un anello di memoria,
Una traccia di tempo passato
Mi guida fino alle basi del silenzio,
Ove un’immagine resiste.
Roteano i volti
E tutto in me si rispecchia,
Ma nulla resta inciso.

Penso ad un’amnistia della stranezza.
________________

Barb Flunker
Spring Fling (2023)
...

Postscriptum


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Alberto Pimenta »»
 
Nove fabulo, o mea vox / De Novo Falo, a Meia Voz (2016) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Postscriptum
Post scriptum


Se eu amanhã
não entender a razão disto
que hoje escrevi,
isso prova
que meu tempo decai
como o das maçãs
que um dia
começam a apodrecer.

Nessa ocasião,
já quase Inverno,
não há Newton por baixo:
maçãs que caem de podres
não lhe interessam.

Se forem outros
que não entendem
isto que
decidi escrever,
isso prova
que é infinita
a variedade de apodrecimento
das maçãs, bem como
a do tempo dos outros.
Se io domani
non capissi il senso di quel
che ho scritto oggi,
questo proverebbe
che il mio tempo decade
come quello delle mele
che un bel giorno
cominciano a marcire.

In quel frangente,
ormai quasi Inverno,
non c’è Newton di sotto:
mele marce che cadono
non gl’interessano.

Se fossero altri
a non capire
quello che
ho deciso di scrivere,
questo proverebbe
che è infinita
la varietà di marcescenza
delle mele, proprio come
quella del tempo degli altri.
________________

Juan de Zurbarán
Cesto con mele, cotogne e melagrane (1643-1645)
...

Não sei


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Alberto Pimenta »»
 
Nove fabulo, o mea vox / De Novo Falo, a Meia Voz (2016) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Não sei
Non so


Poéticos, os deuses?
Eles não têm sangue.

Debaixo do céu inerte,
a ave que foi trespassada
e cai como um trapo
no tronco de árvore de Botticelli
tinha sangue.
Ou a pantera
do Jardin des Plantes
que incansavelmente
percorre a sua jaula
de um lado para o outro,
cerrando lentamente as pálpebras
sobre o mundo, tem sangue.

Ou as três gotas de sangue na neve
que causam o assombro
abismado de Parsifal
têm origem viva, que se torna poética
quando chegam a ele.

A poesia
são gotas, inúmeras,
secas ou ainda frescas,
sangue, sempre sangue,
o preço líquido
que a vida paga
pela fuga constante
a si mesma,
a caminho
do que não existia
antes de
ela lá ter chegado.

A poesia
quer que cheguemos,
aonde ela chegou.

– E chegamos?

Claro que não.

– E os deuses?

Esses incutem
pavor e esperança:
pavor na vida que temos,
feita do pó do universo,
esperança em chegar a eles
depois dela.

– E chegamos?

Não sei. A qual deles?
Poetici, gli dei?
Loro non hanno sangue.

Sotto l’inerte cielo,
l’uccello che fu trafitto
ed è caduto come un cencio
sul tronco dell’albero di Botticelli
sangue ne aveva.
O la pantera
del Jardin des Plantes
che instancabilmente
percorre la sua gabbia
da un lato all’altro,
chiudendo lentamente le palpebre
sul mondo, sangue ne ha.

O le tre gocce di sangue sulla neve
che causano lo sbalordimento
profondo di Parsifal
hanno un’origine viva, che diventa poetica
quando giungono a lui.

La poesia
è fatta di gocce, innumerevoli,
secche o ancora fresche,
sangue, sempre sangue,
il prezzo liquido
che la vita paga
per la fuga costante
verso sé stessa,
sulla strada
di ciò che non esisteva
prima che
lei ci potesse arrivare.

La poesia
vuole che noi arriviamo,
là dov’è arrivata lei.

– E arriviamo?

Certo che no.

– E gli dei?

Loro incutono
timore e speranza:
timore per la vita che abbiamo,
fatta di polvere dell’universo,
speranza di arrivare da loro
dopo di lei.

– E arriviamo?

Non so. A quale di loro?
________________

Rembrandt Bugatti
Pantera che cammina, gamba posteriore sollevata (1904)
...

Nada falta


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Alberto Pimenta »»
 
Nove fabulo, o mea vox / De Novo Falo, a Meia Voz (2016) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Nada falta
Nulla manca


Ao cair da tarde,
passa lá fora
a melancólica,
antiquíssima flauta
do amolador.

Vai-se afastando
e deixando atrás de si,
como uma cascata,
a toada
magoada e urgente
da noite que vem
e promete ser
varrida de água
e de vento,
fatal para vagabundos
e para espíritos aflitos
ou afligidos.

Mas
entre os múltiplos golpes
executados por aí
com um cutelo de dois gumes
de fabrico euro-alemão,
esta tormenta,
no ritmo da flauta
anuncia sobretudo a queixa
de mais um trabalho
em liberdade e em gosto
prestes a morrer.

Parece
que mais ninguém a ouve,
e,
pelo silêncio que fica,
parece até
que já não há ninguém vivo na rua.
Nem os cães...
Estarão
a ver
as inundações
na América...

- Os cães também?

Claro, nem ladram.

A televisão
inunda-lhes a casa lá longe
e eles gostam.
Também lhes afia as facas
que trazem na cabeça
e todos gostam.
Não precisam de amolador.
Não precisam de mais nada.
Sul far della sera,
passa là fuori
il malinconico,
antichissimo richiamo
dell’arrotino.

Si sta allontanando
e lascia dietro di sé,
simile a una cascata,
la cantilena
accorata e urgente
della notte che viene
con la promessa d’essere
spazzata dall’acqua
e dal vento,
fatale per i vagabondi
e per gli spiriti afflitti
o affranti.

Ma
tra i molteplici colpi
assestati così
con un coltello a doppio taglio
di fabbricazione tedesca,
questa tormenta,
al ritmo del richiamo
annuncia soprattutto il lamento
di un altro mestiere
fatto in libertà e piacere
destinato a morire.

Pare
che più nessuno lo senta,
e,
per il silenzio rimasto,
pare financo
che nessuno sia più vivo nella via.
Nemmeno i cani...
Staranno
guardando
le inondazioni
in America...

- Anche i cani?

Certo, neanche abbaiano.

La televisione
inonda la loro casa laggiù
e loro sono contenti.
E affila anche quei coltelli
che loro si portano in testa
e sono tutti contenti.
Non hanno bisogno dell’arrotino.
Non hanno più bisogno di niente.
________________

Kazimir Malevich
L'arrotino (1913)
...

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Adão Ventura (41) Adélia Prado (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (40) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antonio Brasileiro (41) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Antônio Cícero (40) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (113) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (40) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (30) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) Jorge Sousa Braga (40) Jorge de Sena (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Régio (36) José Saramago (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Luis Filipe Castro Mendes (40) Lêdo Ivo (33) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (33) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Mário Cesariny (34) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (483) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poemas dos dias (28) Pássaro de vidro (52) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)