Relatório


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Relatório
Resoconto


Faço o inventário dos móveis nesta casa vazia,
com um caderno de escola, enchendo as linhas
com um desenho minucioso de palavras:
um armário de almas, uma cadeira de balouço,
um aparador de ecos, uma mesa sem pernas,
um espelho de sombra, um ângulo interrompido
na cesura do verso, uma estante de imagens.

Levo esta lista ao notário; e peço-lhe que
risque os objectos inúteis, para que o caderno
sirva para alguma coisa. Mas ele pede-me que
substitua as palavras pelos objectos. Então,
ponho a alma no armário, balouço o corpo na
cadeira, grito no abismo do aparador, faço
andar a mesa, olho-me no espelho do verso,
e tiro da estante todas as imagens.

«Que casa é esta?», pergunta-me o
empregado. Digo-lhe que as salas são
as estrofes, que os muros são feitos com
o tijolo dos versos, que um gesso de rimas
preenche os interstícios. Só não sei indicar
a rua, o número, a cor das paredes. É uma casa
que não existe, embora seja a minha casa.

E esvazio-a de móveis, de objectos, de palavras,
até ficar apenas com o poema que a construiu.

Compilo l’inventario degli arredi di questa casa vuota,
con un quaderno di scuola, riempiendo le righe
con un disegno meticoloso di parole:
un guardaroba d’anime, una seggiola a dondolo,
una dispensa d’echi, un tavolo senza gambe,
uno specchio d’ombre, uno spigolo interrotto
nella cesura del verso, una scansia d’immagini.

Consegno l’elenco al notaio; e lo prego di
depennare gli oggetti inutili, perché il quaderno
serva a qualcosa. Ma lui mi prega di
rimpiazzare le parole con gli oggetti. Allora,
ritiro l’anima nel guardaroba, dondolo il corpo sulla
seggiola, urlo nell’abisso della dispensa, spingo
il tavolo in giro, mi osservo nello specchio del verso,
e rimuovo dalla scansia tutte le immagini.

“Che casa è mai questa?”, mi domanda
il notaio. Gli dico che i vani sono
le strofe, che le pareti sono fatte coi
mattoni dei versi, che uno stucco di rime
ripara le fenditure. Quel che non so indicare
sono la via, il numero, il colore dei muri. È una casa
che non esiste, malgrado sia casa mia.

E la sgombro dai mobili, dagli oggetti, dalle parole,
finché non resta che la poesia che l’ha assemblata.


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Edward Hopper
Casa sulla ferrovia (1923)
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