O Diário


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
José Régio »»
 
Poemas de Deus e do Diabo (1925) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


O Diário
Il diario


Tinha um diário aonde ia escrevendo,
Dia a dia, a agonia dos meus dias:
Era um romance tremendo,
Dilacerado de piedade e de ironias.

Todas as noites escrevia nele
Quando voltava lá de baixo, lá do mundo,
Enquanto, na parede, um Cristo imbele
Caía moribundo.

Um brandão quase verde dava luz...
Parecia que alguém ia morrer.
E eu, realmente, em frente da agonia de Jesus,
Agonizava horas e horas, a escrever.

Tudo que a gente sente, ou pensa, e não confessa,
Tudo que só na escuridão a gente sonha,
O escrevia, com suor frio na cabeça,
E lágrimas no rosto incendiado de vergonha!

Assim eu descobrira o meio de exercer,
Continuando entre vós, sem me desmascarar,
Todas as faculdades do meu ser:
Infâmias e virtudes que não ouso revelar...

E, quando, enfim, me abandonava, exangue,
Sobre o meu leito, a olhar o Cristo moribundo,
Gozava sonhos de oiro com relâmpagos de sangue
E em que descia em mim até ao fundo.

Era assim que sabia possuir
Toda a minha Grandeza e toda a minha Corrupção.
Mentia-vos depois? Ah! o gosto de mentir
Com a verdade na mão!

Ora um dia (era um dia extraordinário),
Procurando escrever como nos outros dias,
Nada pude escrever, e pus-me a ler o meu diário:
Cheguei ao fim, tinha as mãos lívidas e frias!

Que o meu olhar, agora cristalino,
Vira que, nessas páginas, tudo era mentiroso:
Porque tudo o que em mim é só abjecto ou pequenino,
Lá surgia dramático, e, por isso, grandioso.

Sim, todos esses crimes e heroísmos só sonhados,
Todo esse mundo íntimo − era meu!
Mas o vulto que unia esses bocados,
Esse, ó poder do Artista! era maior do que eu.

E eu vi como não era a posse da Verdade,
Nem a libertação de quem se expande,
O que pedia ao meu diário... mas vaidade
De até no aviltamento me ver grande!

Ergui, então, o meu diário à luz verde-amarela...
Por um momento só, no quarto houve mais luz...
E todo o resto dessa noite horrenda e bela
Chorei, torcendo as mãos em frente de Jesus.
Tenevo un diario su cui andavo scrivendo,
Giorno per giorno, la mia quotidiana agonia:
Era un romanzo tremendo,
Straziato da pietà e da ironia.

Passavo tutta la notte a scrivere
Quando rientravo da laggiù, dal mondo,
Mentre, sulla parete, un Cristo gracile
Languiva moribondo.

Una torcia verdastra rischiarava lassù...
Pareva che qualcuno stesse per morire.
Ed io, realmente, davanti all’agonia di Gesù,
Agonizzavo per ore ed ore, a scrivere.

Quel che la gente prova, o pensa, e non manifesta,
Quel che nel buio soltanto la gente sogna,
Io l’annotavo, con sudore gelato sulla testa,
E lacrime sulle guance ardenti di vergogna!

Avevo così trovato il modo d’utilizzare,
Stando fra voi, senza dovermi palesare,
Tutte le capacità del mio essere:
Iniquità e virtù che non oso rivelare...

E quando, alfine, m’abbandonavo, esangue,
Sopra il mio letto, a fissare il Cristo moribondo,
Godevo di sogni d’oro in un balenar di sangue
E in me scendevo fino a toccare il fondo.

Prendevo, così, coscienza di possedere
Tutta la mia Grandezza e tutta la mia Corruzione.
E dunque vi mentivo? Ah! il piacere di mentire
Con la verità tra le mani!

Ora un giorno (ed era un giorno straordinario),
Tentando di scrivere come nelle altre giornate,
Nulla riuscii a scrivere, e m’accinsi a leggere il diario:
Giunto alla fine, avevo le mani livide e gelate!

Giacché il mio sguardo, fattosi cristallino,
Aveva visto che, in quelle pagine, tutto era disgustoso:
Poiché tutto quel che in me è solo turpe o meschino,
Là pareva drammatico, e, perciò, grandioso.

Sì, tutti quei delitti ed eroismi immaginari,
Tutto quel mondo interiore − era mio!
Ma il soggetto che univa quei frammenti,
Quello, oh ingegno d’Artista! mi superava assai.

E capii che non era il potere della Verità,
Né la liberazione di colui che s’espande,
Quel ch’io chiedevo al mio diario... ma la vanità,
Malgrado l’abiezione, di vedermi grande!

Allora sollevai il mio diario alla luce verde-gialla...
Solo per un istante, nella stanza la luce aumentò...
E tutto il resto di quella notte orrida e bella
La passai nel pianto, torcendo le mani dinanzi a Gesù.
________________

Jean-Louis-Ernest Meissonier
Giovane uomo che scrive (1852)
...

Nessun commento:

Posta un commento

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Adão Ventura (41) Adélia Prado (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (40) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antonio Brasileiro (41) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Antônio Cícero (40) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (113) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (40) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (30) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) Jorge Sousa Braga (40) Jorge de Sena (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Régio (27) José Saramago (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Luis Filipe Castro Mendes (40) Lêdo Ivo (33) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (33) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Mário Cesariny (34) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (482) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poemas dos dias (28) Pássaro de vidro (52) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)