Telegrama


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
Memória consentida (1982) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Telegrama
Telegramma


Ao longo destes anos todos
nada temos dito - meia dúzia
de palavras trocadas para o ofício
difícil da vida diária
e quantas delas proferidas com azedume.
Não te roubou, a brancura dos cabelos,
a doçura que nos teus olhos mais
se acentua.
Mãe,
este silêncio anda cheio de ternura.
Nel corso di tutti questi anni
nulla ci siamo detti - mezza dozzina
di parole scambiate nel difficile
mestiere della vita quotidiana
e quante proferite con asprezza.
Non t’ha carpito, il candore dei capelli,
quella dolcezza che nei tuoi occhi sempre più
s’accresce.
Mamma,
questo silenzio è pieno di tenerezza.
________________

Henri Matisse
Madre e figlio (1950)
...

Tédio


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
Memória consentida (1982) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Tédio
Tedio


Estamos chateados e não temos ilusões.
As nossas árvores não frutificam fantasias,
dão flores de sangue
e frutos abortivos de dor.
Atiramos pedras pr’além do muro
e escutamos o som opaco da queda.
O muro é de silêncio
mas as pedras têm arestas e levantam nuvens de caliça
que pairam no ar.
Subimos uma avenida de acácias,
passeios brancos e asfalto grosso.
Não nos interessam as acácias, os passeios brancos
e o asfalto grosso.
Vai um homem connosco.
Enquanto diz das futilidades
de Miss Dawson
outros olham-nos como se fôssemos a parte negativa
deste mundo restrito.
Em distante estrada plena de sol
dum qualquer país distante
Henri, o marinheiro, caminha com o céu sobre a cabeça.
Não atiramos pedras em vão.
Continuamos a subir de mãos nos bolsos
e, porque agora, muitos nos olham
inviamente,
no cimo, cuspiremos o chewing-gum
de encontro à parede.
Siamo disgustati e non abbiamo illusioni.
I nostri alberi non producono fantasie,
danno fiori di sangue
e frutti abortivi di dolore.
Tiriamo sassi al di là del muro
ed ascoltiamo il suono opaco della caduta.
Il muro è di silenzio
ma i sassi sono taglienti e sollevano nuvole di calce
che si librano in aria.
Saliamo lungo un viale di acacie,
marciapiedi bianchi e asfalto spesso.
Non c’interessano le acacie, né i marciapiedi bianchi
né l’asfalto spesso.
Un uomo cammina con noi.
Mentre riporta le banalità
di Miss Dawson
gli altri ci guardano come se fossimo la parte negativa
di questo mondo ristretto.
In una strada remota piena di sole
di un qualunque paese distante
Henri, il marinaio, cammina con il cielo sopra la testa.
Non tiriamo sassi inutilmente.
Continuiamo a salire con le mani in tasca
e, poiché ora, molti ci guardano
indecifrabilmente,
in cima, sputeremo il chewing-gum
contro la parete.
________________

Romare Bearden
Conjunction (1983)
...

Sem nada de meu


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
Memória consentida (1982) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Sem nada de meu
Senza nulla di mio


Dei-me inteiro. Os outros
fazem o mundo (ou crêem
que fazem). Eu sento-me
na cancela, sem nada
de meu e tenho um sorriso
triste e uma gota
de ternura branda no olhar.
Dei-me inteiro. Sobram-me
coração, vísceras e um corpo.
Com isso vou vivendo.
Per intero mi sono donato. Gli altri
fanno il mondo (o credono
di farlo). Io mi siedo
presso il cancello, senza nulla
di mio e ho un sorriso
triste e una goccia
di mite tenerezza nello sguardo.
Per intero mi sono donato. A me restano
cuore, viscere e un corpo.
È con questo che vivo.
________________

Jeffrey Smart
Self-portrait at Papini's (1984-1985)
...

De algum modo, desconfiar da música...



Nome:
 
Collezione:
Fonte:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Poesie inedite »»
nunorochamorais.blogspot.com (ottobre 2024) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


De algum modo, desconfiar da música...
In certa misura, si diffidi di una musica...


De algum modo, desconfiar da música
Que parece oferecer as suas alcovas
Para depor cuidados ou para um esquecimento fácil,
Rodeando-nos com os seus paraísos artificiais,
A ondulação de bosques mágicos,
As suas paredes fabulosas e invisíveis,
O acalanto dos seus reinos inalcançáveis,
As suas huris e águas perfumadas.
Não aceitar a música que não traga
As suas próprias bacantes,
Por exemplo, alastrando num piano,
Cada vez mais selvagem,
Subvertendo a ordem de um piano,
Dilacerando e enlouquecendo escalas,
Sopro de turbação em todas as geometrias,
Harmonia dissidente,
Não aceitar nenhuma música
Que não aceite primeiro
Desmembrar-se, despedaçar-se,
Sem se comprazer na sua própria forma,
Para dar lugar no interior de si
A uma música mais perfeita –
E assim sucessivamente,
Eclodindo na sua pira funerária.
In certa misura, si diffidi di una musica
Che sembra offrire le sue alcove
Per elargire conforto o per un facile oblio,
Avvolgendoci nei suoi paradisi artificiali,
Con l’ondeggiare di magiche foreste,
Con i suoi muri favolosi e invisibili,
Con l’incanto dei suoi regni irraggiungibili,
Con le sue uri e le sue acque profumate.
Non si accetti una musica che non apporti
Le sue proprie baccanti,
Ad esempio, propagandosi da un piano,
Sempre più selvaggio,
Sovvertendo la compostezza d’un piano,
Straziando e tormentando scale,
Soffio di turbamento in tutte le geometrie,
Armonia dissonante,
Non si accetti nessuna musica
Che non accetti per prima cosa
Di smembrarsi, di sgretolarsi,
Senza compiacersene a modo suo,
Per dar luogo nel profondo di sé
A una musica più perfetta –
E perciò successivamente,
Risorgere dalla propria pira funeraria.
________________

Salvador Dalì
Il piano spagnolo
...

Progresso


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
Memória consentida (1982) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Progresso
Progresso


Estamos nus como os gregos na Acrópole
e o sol que nos mira também os fitou.
Mas fazemos amor de relógio no pulso.
Siamo nudi come i greci sull’Acropoli
e il sole che ci guarda osservò anche loro.
Ma noi facciamo l’amore con l’orologio al polso.
________________

William-Adolphe Bouguereau
Il rapimento di Psiche (1895)
...

Maxilar triste


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
Memória consentida (1982) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Maxilar triste
Mascella triste


Suave curva dolorosa
atenuando o bordo rijo
desse rosto derradeiro
de brancura infinita.

Impugnando-lhe a doçura,
a antinomia do tempo
acentuará os duros ângulos
num mapa de tristeza

irreparável. O sorriso
vago nela projecta um
brilho fosco de loiça antiga:

espreitando na carne
os dentes anunciam o resto.
Dolce curva dolorosa
che attenua il rigido contorno
di questo viso già prossimo
all’infinito pallore.
 
Negandogli la soavità,
l’antinomia del tempo
accentuerà i duri spigoli
in una mappa di tristezza
 
irreparabile. Il sorriso
incerto proietta un opaco
luccichio di vecchie stoviglie:
 
osservando la carne
i denti annunciano il resto.
________________

Daniele da Volterra
Ritratto di Michelangelo (1544 circa.)
...

Mania do suicídio


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
Memória consentida (1982) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Mania do suicídio
Mania suicida


Às vezes tenho desejos
de me aproximar serenamente
da linha dos eléctricos
e me estender sobre o asfalto
com a garganta pousada no carril polido.
Estamos cansados
e inquietam-nos trinta e um
problemas desencontrados.
Não tenho coragem de pedir emprestados
os duzentos escudos
e suportar o peso de todas as outras cangas.
Também não quero morrer
definitivamente.
Só queria estar morto até que isto tudo
passasse.
Morrer periodicamente.
Acabarei por pedir os duzentos escudos
e suportar todas as cangas.
De resto, na minha terra
não há eléctricos.
A volte mi viene voglia
d’avvicinarmi serenamente
alla linea del tram
e stendermi sull’asfalto
con la gola posata sulla rotaia lucida.
Si è stanchi
e ci angosciano decine
di problemi differenti.
Non ho il coraggio di chiedere in prestito
quei duecento scudi
e di sopportare il peso di tutti gli altri guai.
Però non ho neanche voglia di morire
definitivamente.
Vorrei solo star morto finché tutto questo
sia passato.
Morire di tanto in tanto.
Finirei col chiedere quei duecento scudi
e sopporterei tutti quanti i guai.
Del resto, nella mia terra
i tram non ci sono.
________________

Gustave Doré
I suicidi e le arpie
(Divina Commedia, Inferno - Canto XIII)
...

Hidrografia


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
Memória consentida (1982) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Hidrografia
Idrografia


São belos os nomes dos rios
na velha Europa.
Sena, Danúbio, Reno são
palavras cheias de suaves inflexões,
lembrando em tardes de oiro fino,
frutos e folhas caindo, a tristeza
outoniça dos chorões.
O Guadalquivir carrega em si espadas
de rendilhada prata,
como o Genil ao sol poente,
o sangue de Federico.
E quantas histórias de terror
contam as escuras águas do Reno?
Quantas sagas de epopeia
não arrasta consigo a corrente
do Dniepre?
Quantos sonhos destroçados
navegam com detritos
à superfície do Sena?
Belos como os rios são
os nomes dos rios na velha Europa.
Desvendada, sua beleza flui
sem mistérios.
Todo o mistério reside nos rios
da minha terra.
Toda a beleza secreta e virgem que resta
está nos rios da minha terra.
Toda a poesia oculta é a dos rios
da minha terra.
Os que cansados sabem todas
as histórias do Sena
e do Guadalquivir, do Reno
e do Volga
ignoram a poesia corográfica
dos rios da minha terra.
Vinde acordar
as grossas veias da água grande!
Vinde aprender
os nomes de Uanétze, Mazimechopes,
Massintonto e Sábié.
Vinde escutar a música latejante
das ignoradas veias que mergulham
no vasto, coleante corpo do Incomáti,
o nome melodioso dos rios
da minha terra,
a estranha beleza das suas histórias
e das suas gentes altivas sofrendo
e lutando nas margens do pão e da fome.
Vinde ouvir,
entender o ritmo gigante do Zamveze,
colosso sonolento da planura,
traiçoeiro no bote como o jacaré,
acordando da profundeza epidérmica do sono
para galgar os matos
como cem mil búfalos estrondeantes
de verde espuma demoníaca
espalhando o imenso rosto líquido da morte.
Vede as margens barrentas, carnudas
do Púngoé, a tristeza doce do Umbelúzi,
à hora do anoitecer. Ouvi então o Lúrio,
cujo nome evoca o lírio europeu
e que é lírico em seu manso murmúrio.
Ou o Rovuma acordando exóticas
lembranças de velhos, coloniais
navios de roda revolvendo águas pardacentas,
rolando memórias islâmicas de tráfico e escravatura.
Sono belli i nomi dei fiumi
nella vecchia Europa.
Senna, Danubio, Reno sono
parole piene di dolci inflessioni,
che ricordano, in sere d’oro fino,
frutti e foglie che cadono, la tristezza
autunnale dei salici piangenti.
Il Guadalquivir trascina con sé spade
d’argento lavorato,
mentre il Genil verso il tramonto,
porta il sangue di Federico.
E quante storie di terrore
raccontano le cupe acque del Reno?
Quante saghe epiche
si porta appresso la corrente
del Dniepr?
Quanti sogni infranti
galleggiano fra i detriti
sulla superficie della Senna?
Belli quanto i fiumi sono
i nomi dei fiumi nella vecchia Europa.
palesemente, la loro bellezza scorre
senza misteri.
Tutto il mistero dimora nei fiumi
della mia terra.
Tutta la bellezza segreta e vergine che resta
sta nei fiumi della mia terra.
Tutta la poesia occulta è quella dei fiumi
della mia terra.
Quelli che conoscono fino alla noia tutte
le storie della Senna
e del Guadalquivir, del Reno
e del Volga
ignorano la poesia corografica
dei fiumi della mia terra.
Venite a risvegliare
le spesse vene della grande corrente!
Venite ad imparare
i nomi di Uanétze, Mazimechopes,
Massintonto e Sábié.
Venite ad ascoltare la musica palpitante
delle ignorate vene che s’immergono
nel vasto, serpeggiante corpo dell’Incomáti,
il nome melodioso dei fiumi
della mia terra,
la strana bellezza delle loro storie
e delle loro genti illustri che soffrono
e lottano sulle rive del pane e della fame.
Venite ad ascoltare,
a imparare il ritmo gigante dello Zambesi,
colosso sonnolento della pianura,
insidioso per la barca come l’alligatore,
che si ridesta dalla profondità epidermica del sonno
per attraversare le selve
come centomila bufali mugghianti
in verde spuma demoniaca
spandendo l’immenso volto liquido della morte.
Vedete le sponde fangose, polpose
del Púngoé, la tristezza dolce dell’Umbelúzi,
all’ora del tramonto. Un tempo io ho sentito il Lúrio,
il cui nome evoca il giglio europeo
e che è poetico nel suo calmo mormorio.
O il Rovuma che risveglia esotici
ricordi di vecchi battelli a vapore
coloniali che agitavano acque nerastre,
riportando memorie islamiche di traffico e schiavitù.
________________

Alessandro Bruschetti
Ritmi di cascate (1932)
...

Gritarás o meu nome...


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
Memória consentida (1982) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Gritarás o meu nome...
Griderai il mio nome...


Gritarás o meu nome em ruas
desertas e a tua voz será
como a do vento sobre a areia:
um som inútil de encontro ao silêncio.

Não responderei ao teu apelo,
embora ardentemente o deseje.
O lugar onde moro é um obscuro
lugar de pedra e mudez:

não há palavras que o alcancem,
gelam-lhe os gritos por fora.
Serei como as areias que escutam
o vento e apenas estremecem.

Gritarás o meu nome em ruas
desertas e a tua voz ouvirá
o próprio som sem entender,
como o vento, o beijo da areia.

Teu grito encontrará somente
a angústia do grito ampliado,
vento e areia. Gritarás o meu
nome em ruas desertas.
Griderai il mio nome per strade
deserte e la tua voce sarà
come quella del vento sulla sabbia:
un suono inutile incontro al silenzio.

Non risponderò al tuo richiamo,
benché ardentemente lo desideri.
Il luogo dove io abito è un oscuro
luogo di pietra e mutezza:

non vi sono parole che lo penetrino,
da fuori le grida si raggelano.
Sarò come le sabbie che ascoltano
il vento e hanno soltanto un fremito.

Griderai il mio nome per strade
deserte e la tua voce sentirà
il proprio suono senza percepire,
come il vento, il bacio della sabbia.

Il tuo grido incontrerà soltanto
l’angoscia del grido amplificato,
vento e sabbia. Griderai il mio
nome per strade deserte.
________________

Georgia O’Keeffe
New Mexico, presso Taos (1929)
...

Pátria


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
O Escriba Acocorado (1978) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Pátria
Patria


Um caminho de areia solta conduzindo a parte
nenhuma. As árvores chamavam-se casuarina,
eucalipto, chanfuta. Plácidos os rios também
tinham nomes por que era costume designá-los.
Tal como as aves que sobrevoavam rente o matagal

e a floresta rumo ao azul ou ao verde mais denso
e misterioso, habitado por deuses e duendes
de uma mitologia que não vem nos tomos e tratados
que a tais coisas é costume consagrar-se. Depois,
com valados, elevações e planuras, e mais rios

entrecortando a savana, e árvores e caminhos,
aldeias, vilas e cidades com homens dentro,
a paisagem estendia-se a perder de vista
até ao capricho de uma linha imaginária. A isso
chamávamos pátria. Por vezes, de algum recesso

obscuro, erguia-se um canto bárbaro e dolente,
o cristal súbito de uma gargalhada, um soluço
indizível, a lasciva surdina de corpos enlaçados.
Ou tambores de paz simulando guerra. Esta
não se terá feito anunciar por tal forma

remota e convencional. Mas o sangue adubou
a terra, estremeceu o coração das árvores
e, meus irmãos, meus inimigos morriam. Uma
só e várias línguas eram faladas e a isso,
por estranho que pareça, também chamávamos pátria.

De quatro paredes restaram as pedras. Com as folhas
de zinco e a madeira ferida dos travejamentos
perfaziam uma casa. Partes de um corpo
desmembrado, dispersas ao acaso, vento e silêncio
as atravessam e nelas não dura a memória

que em mim, residual, subsiste. Sobre escombros
 deveria,
talvez, chorar pátria e infância, os mortos que
lhe precederam a morte, o primeiro e o derradeiro
amor. Quatro paredes tombadas ao acaso e isso bastou
para que, no que era só mundo, todo o mundo entrasse

e o polígono demarcado, conservando embora
a original configuração, fosse percorrido por
um arrepio estrangeiro, uma premonição de gelos
e inverno. Algo lhe alterara imperceptivelmente
o perfil, minado por secreta, pertinaz enfermidade.

Semelhante a qualquer outro, o lugar volvia meta
e ponto de partida, conceitos que, como a linha
 imaginária,
circunscrevem, mas de todo eludem, o essencial.
Ladeado de sombras e árvores, o caminho de areia,
que se dizia conduzir a parte alguma, abria

para o mundo. A experiência reduz, porém,
a segunda à primeira das asserções: pelo mundo
se alcança parte nenhuma; se restringe ficção
e paisagem ao exíguo mas essencial: legado
de palavras, pátria é só a língua em que me digo.
Una pista dal fondo sabbioso che non porta da nessuna
parte. Gli alberi avevano nomi come casuarina,
eucalipto, chanfuta. Placidamente anche i fiumi
portavano i nomi coi quali si usava chiamarli.
Così pure gli uccelli che volavano sopra la boscaglia

e la foresta in direzione di un blu o di un verde più intenso
e misterioso, popolato da dei e da gnomi
di una mitologia che non si trova nei tomi e nei trattati
che a tali soggetti son soliti dedicarsi. E poi,
oltre alture, vallate e pianure, e altri fiumi

che attraversano la savana, e alberi e piste,
villaggi, ville e città con dentro della gente,
il paesaggio s’espandeva a perdita d’occhio
fino alla stravaganza di una linea immaginaria. E questo
noi lo chiamavamo patria. A volte, da qualche oscuro

recesso, si levava un canto barbaro e dolente,
un’improvvisa risata cristallina, un indicibile
singhiozzo, la lasciva sordina di corpi abbracciati.
O dei tamburi di pace fingendosi di guerra. Questa
non si sarebbe fatta annunciare in maniera così

remota e convenzionale. Ma il sangue fertilizzò
la terra, sconvolse il cuore degli alberi
e, i miei fratelli, i miei nemici morirono. In un’unica
e in varie lingue si parlava e anche questo,
pur se pare strano, noi lo chiamavamo patria.

Di quattro pareti non rimasero che le pietre. Con le lastre
di zinco e il legno ferito delle strutture
completavano una casa. Parti d’un corpo
squartato, disperse alla cieca, il vento e il silenzio
le attraversano e in esse non perdura la memoria

che in me, residuale, sussiste. Sopra le rovine io
 dovrei,
forse, piangere patria e infanzia, i morti che
ne precedettero la morte, il primo e l’ultimo
amore. Quattro pareti abbattute alla cieca e tanto bastò
per far entrare tutto il mondo, in ciò ch’era solo mondo,

e il poligono circoscritto, che tuttavia manteneva
l’originale conformazione, fosse attraversato da
un brivido insolito, un presentimenti di geli
e d’inverno. Qualcosa d’inavvertibile gli aveva mutato
il profilo, logorato da una segreta, tenace malattia.

Somigliante a qualunque altro, il luogo diveniva meta
e punto di partenza, concetti che, come la linea
 immaginaria,
racchiudono, ma evitano del tutto, l’essenziale.
Fiancheggiata da ombre e alberi, la pista di sabbia,
che si diceva non portasse da nessuna parte, si apriva

al mondo. L’esperienza riconduce, tuttavia,
la seconda alla prima delle affermazioni: nel mondo
non si arriva da nessuna parte; si riduce la finzione
e il paesaggio al minimo ma essenziale: eredità
di parole, patria è appena la lingua in cui mi esprimo.
________________

William Morris Hunt
The Drummer Boy (1867)
...

Uniforme de poeta


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
A Ilha de Próspero (1972) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Uniforme de poeta
Uniforme da poeta


Ajustei minha cabeleira longa,
coloquei-lhe ao de cima meu
chapéu de coco em fibra sintética,
sacudi a densa poeira das asas encardidas
e, dependurada a lira a tiracolo,
saio para a rua
em grande uniforme de poeta.
Tremei guardas-marinhas,
alferes do activo em
situação de disponibilidade:
meu ridículo hoje suplanta
o vosso e nele se enleia e perturba
o suspiro longo das meninas
romântico-calculistas.
Ho acconciato la mia lunga chioma,
sopra le ho posato il mio
cappello di cocco in fibra sintetica,
ho scrollato la spessa polvere dalle tese sudicie
e, appesa la lira a tracolla,
esco per la strada
in alta uniforme da poeta.
Ho surclassato i guardiamarina,
alfieri impegnati in
frangenti d’inoperosità:
la mia risibilità oggi soppianta
la vostra e ad essa s’intreccia e si confonde
il lungo sospiro delle fanciulle
romantico-calcolatrici.
________________

Fernando Botero
Il Presidente (1997)
...

Testamento


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
A Ilha de Próspero (1972) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Testamento
Testamento


Se por acaso morrer durante o sono
não quero que te preocupes inutilmente.
Será apenas uma noite sucedendo-se
a outra noite interminavelmente.

Se a doença me tolher na cama
e a morte aí me for buscar,
beija Amor, com a força de quem ama,
estes olhos cansados, no último instante.

Se, pela triste monotonia do entardecer,
me encontrarem estendido e morto,
quero que me venhas ver
e tocar o frio e sangue do corpo.

Se, pelo contrário, morrer na guerra
e ficar perdido no gelo de qualquer Coreia,
quero que saibas, Amor, quero que saibas,
pelo cérebro rebentado, pela seca veia,
 
pela pólvora e pelas balas entranhadas
na dura carne gelada,
que morri sim, que não me repito,
mas que ecoo inteiro na força do meu grito.
Se per caso morissi durante il sonno
non voglio che ti preoccupi inutilmente.
Sarà solamente una notte che si sussegue
a un’altra notte interminabilmente.
 
Se la malattia mi costringesse a letto
e la morte lì mi venisse a cercare,
bacia, amor mio, con la forza di chi ama,
questi occhi stanchi, nell’estremo istante.
 
Se, per la triste monotonia dell’imbrunire,
mi trovassero disteso e morto,
voglio che tu mi venga a vedere
e a toccare il gelo del sangue nel mio corpo.
 
Se, invece, io morissi in guerra
e fossi disperso tra i ghiacci d’una qualche Corea,
voglio che tu sappia, amor mio, che tu venga a sapere,
che sono morto, sì, che più non risorgo,

ma dal mio cervello sfracellato, dalle vene rinsecchite,
dalla polvere e dalle pallottole rintanate
nella mia dura carne gelata,
io riecheggio tutt’intero nella forza del mio grido.
________________

Otto Dix
Cadavere sul filo spinato (Fiandre, 1924)
...

Naturalidade


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
A Ilha de Próspero (1972) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Naturalidade
Natali


Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
européias
e europeu me chamam.
Não sei se o que escrevo tem raiz de algum
pensamento europeu.
È provável... Não. È certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Indico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.

Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.
Europeo, mi dicono.
Mi contaminano con letteratura e dottrine
europee
e mi chiamano europeo.
Non so se quel che scrivo abbia radici in
qualche pensiero europeo.
È possibile... No. É certo,
ma io sono africano.
Il mio cuore pulsa al ritmo dolente
di questa luce e di questa inerzia.
Reco nel sangue un’estensione
di coordinate geografiche e oceano Indiano.
Le rose a me non dicono niente,
meglio mi abbino all’asprezza dei mandaranci
e al silenzio lungo e violaceo delle sere
tra le grida di strani uccelli.

Mi chiamate europeo? D’accordo, taccio.
Ma dentro di me vi sono aride savane
e pianure infinite
con lunghi fiumi fiacchi e sinuosi,
un filo di fumo verticale,
un negro e una chitarra vibrante.
________________

Lynette Yiadom-Boakye
Divine Repose (2021)
...

Esquecimento



Nome:
 
Collezione:
Fonte:
 
Altra traduzione:
Nuno Rocha Morais »»
 
Poesie inedite »»
nunorochamorais.blogspot.com (ottobre 2024) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Esquecimento
Oblio


Juro que lá estavas,
Mas pela fotografia sente-se uma aragem
Que toca e desperta um vazio.
Pensei que para sempre
A fotografia te prendera,
Assim como os meus olhos,
Mas não.
Agora percebo,
É outono, tanto longe
Se derramou pelos ventos,
Pela terra,
E há passos que ao longe
Para sempre se perdem.
Mas estavas lá,
Juro-o por todo o esquecimento.
Giuro che eri là,
Ma nella fotografia si avverte una ventata
Che arriva e crea un vuoto.
Pensavo che per sempre
La fotografia t’avrebbe trattenuta,
Così come i miei occhi,
Ma no.
Adesso me ne accorgo,
È autunno, tanto in lontananza
S’è disperso coi venti,
Per la terra,
E ci sono passi che in lontananza
Per sempre si perdono.
Ma tu eri là,
Lo giuro su tutto l’oblio del mondo.
________________

Gerhard Richter
Alberi di melo (1987)
...

Alguns desenhos


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Rui Knopfli »»
 
A Ilha de Próspero (1972) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


Alguns desenhos
Alcuni disegni


Alguém, algures antes de mim, esboçou na parede
em linhas hesitantes que só um labor meticuloso
firmou e robusteceu, alguns desenhos toscos.
O espaço não define o céu e o mar, antes

o determinam o movimento das embarcações e o grito
silencioso que das enxárcias o cruza de lés a lés.
De perfil apruma a proa contra a corrente a nave azul
como que furtando-se à que, cor de sangue coagulado,

se lhe aferra à popa, adernando hostil. Toda a lisa
superfície do muro se encrespa no que parece
um entrechocar de ondas ou frémito de combate.

Aqui, algures antes de mim, alguém esgarçou
no negrume desta clausura um rasgão de luz
para que, imóvel e jacente, eu viaje na memória
 da pedra.
Qualcuno, da qualche parte prima di me, schizzò sul muro
con tratti esitanti, che solo un meticoloso lavoro
avrebbe rafforzato e irrobustito, alcuni rozzi disegni.
Lo spazio non definisce il cielo e il mare, piuttosto

lo determinano il movimento delle imbarcazioni e il grido
silenzioso che dal sartiame lo attraversa per intero.
Di profilo inarca la prua contro la corrente la nave blu
quasi a sottrarsi a quella che, color del sangue coagulato,

l’aggredisce a poppa, facendola inclinare. Tutta la liscia
superficie del muro s’increspa in ciò che pare
uno sciabordio di onde o un fremito di tenzone.

Qui, da qualche parte prima di me, qualcuno schizzò
nel negrore di questa clausura uno squarcio di luce
affinché, immobile e supino, io viaggi nella memoria
 della pietra.
________________

Oreste Fernando Nannetti
Graffiti sulle mura del manicomio di Volterra (1959-1968)
...

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Adão Ventura (41) Adélia Prado (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (40) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antonio Brasileiro (41) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Antônio Cícero (40) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (113) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (40) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (30) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) Jorge Sousa Braga (40) Jorge de Sena (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Régio (27) José Saramago (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Luis Filipe Castro Mendes (40) Lêdo Ivo (33) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (33) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Mário Cesariny (34) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (482) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poemas dos dias (28) Pássaro de vidro (52) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)