os mortos na casa da memória


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
Narlan Matos »»
 
Eu e tu, caminheiros dessa vida (2019) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


os mortos na casa da memória
i morti nella casa della memoria


  aos meus ancestrais

na casa da memória
os mortos estão vivos
como a velha e frondosa
jabuticabeira no quintal

— é a árvore de nossa estirpe!
me dizem eles sem que eu pergunte
estão vivos eles vivos
nesta estranha fotografia
ausente e lívida em si mesma
e me olham e me ouvem
e me são e me seguem e me dizem tudo
do fundo de seu sonoro silêncio
movem-se parados, flutuam
em si mesmos os mortos
que habitam a casa
com trajes de época
— chapéus, ternos, bengalas
e longos vestidos rodados
estão dentro do invisível
e da matéria do tempo
ao meu lado — e no infinito
quantos anos tem mesmo esta
casa? Uns cento e cinquenta anos?
e a outra casa, dentro desta?

seu aroma forte e antigo
de madeiras nobres, suas
paredes caiadas de branco
suas imensas janelas e portas
abrindo para os cafezais verdes
(quando meu avô aqui chegou
ainda bem novo a casa já era velha
e à noite as panteras em bandos
arranhavam estas portas e janelas
famintas insanas ferozes)
na parede da sala de estar

o velho oratório de séculos
coberto com terços e palhas
— um dia retiraram o oratório da sala
e o gado da fazenda desabou a morrer!
um por um rez por rez vez por vez
os mortos na casa da memória
estão aqui, ao meu lado e comigo
e me dão notícias de mim mesmo
de antepassados que não conheci
e dos heróis de armas e brasões
suicídios, loucuras, amores vãos
se queixam também, os mortos na casa
outros são alegres e certos de si
(subindo esta longa e íngreme ladeira
ainda está lá em cima no topo da colina
o arraial fundado sobre o nada
pelos parentes da família Silva
bem antes do azul do século vinte

e de sua boca carcomida escorre estranha saliva)
são estas as recordações da casa dos mortos
e estou comigo aqui no velho casarão
da família materna da família eterna
e já não sei quem são os mortos
e quem são os vivos

— se os vivos estão mortos
ou se os mortos é que estão vivos!
  ai miei antenati

nella casa della memoria
i morti sono vivi
come la vecchia e frondosa
jabuticaba nel cortile

— è l’albero della nostra stirpe!
mi dicono loro senza che io chieda
sono vivi loro, vivi
in questa strana fotografia
assente e livida in sé stessa
e mi guardano e mi ascoltano
e mi conoscono e mi seguono e mi dicono
tutto dal fondo del loro sonoro silenzio
immobili si muovono, fluttuano
in sé stessi i morti
che abitano la casa
con costumi d’epoca
— cappelli, abiti, bastoni
e lunghi mantelli a ruota
stanno dentro l’invisibile
e la materia del tempo
al mio fianco — e nell’infinito
quanti ha davvero questa
casa? Un centocinquant’anni?
e l’altra casa, dentro di questa?

il suo aroma forte e antico
di legni nobili, le sue
pareti bianche di calce
le sue immense finestre e porte
aperte verso le verdi piantagioni di caffè
(quando mio nonno giunse qui
ancora molto giovane, la casa era già vecchia
e di notte le pantere in branchi
graffiavano queste porte e finestre
affamate folli feroci)
sulla parete del soggiorno

l’oratorio vecchio di secoli
coperto di rosari e di paglia
— un giorno portarono via l’oratorio dalla casa
e il bestiame della fattoria cominciò a morire!
uno per uno capo per capo uno alla volta
i morti nella casa della memoria
sono qui, al mio fianco e con me
e mi portano notizie di me
e degli antenati che non ho conosciuto
e degli eroi in armi e vessilli
suicidi, follie, tristi amori
che ancora si piangono, altri morti
nella casa sono gioiosi e sicuri di sè
(salendo questo lungo e ripido pendio
ancora vi è là in cima in vetta alla collina
il bivacco fondato sul nulla
dai parenti della famiglia Silva
molto prima del blu del ventesimo secolo

e dalla sua imboccatura consunta scorre una strana saliva)
sono questi i ricordi della casa dei morti
e io sto qui con me nel vecchio edificio
della famiglia materna della famiglia eterna
e ormai non so più chi sono i morti
e chi sono i vivi

— se sono i vivi a esser morti
o se sono i morti a esser vivi!
________________

Luigi Lupi
Il borgo dei fantasmi (2011)
...

Nessun commento:

Posta un commento

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (105) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (434) Pássaro de vidro (52) Poemas dos dias (23) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (16) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)