ofício de morrer


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Vasco Graça Moura »»
 
Os rostos comunicantes (1984) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


ofício de morrer
il mestiere di morire


eu imagino assim a morte de pavese:
era um quarto de hotel em turim,
decerto um hotel modesto, de uma ou duas
estrelas, se é que havia estrelas.

uma cama de pau, de verniz estalado,
rangendo de encontros fortuitos, um colchão mole e
 húmido
com a cova no meio, a do costume.
corria o mês de agosto com sua terra escura

encardindo as cortinas. nada ia explodir
naquele mês de agosto àquela hora da tarde
de luz adocicada. e alguém pusera
três rosas de plástico num solitário verde.

vejo como pavese entrou, como pousou a maleta
com indiferença, dobrou alguns papéis
e despiu o casaco (como nos filmes
italianos da época). depois foi aos lavabos

no corredor, ao fundo. talvez tenha pensado
que esta vida é uma mijadela ou que.
voltou ao quarto, havia
uma fétida alma em tudo aquilo.

ele abriu a janela
e pediu a chamada telefónica.
a noite ia caindo sem palavras, mesmo sem
 businas
excessivas. encheu um copo de água. e esperou.

quando a campainha tocou, havia muito pouco
a dizer e ele já o tinha dito:
já tinha dito quanto amar nos torna
vulneráveis; e míseros, inermes;

que é precisa humildade, não orgulho;
e parar de escrever;
e que dessa nudez é que morremos.
foi mais ou menos isto – a nossa condição

demasiado humana, a voz humana, a frágil
expressão disso tudo, uma firmeza tensa.
«e até rapariguinhas o fizeram».
tinham nomes obscuros e nenhum

remorso lancinante, ninguém pra falar delas.
a mais temida coisa é a coragem
do que parecia fácil: tudo o que não se disse
carregado num acto de súbitas fronteiras.

foi mais ou menos isto. não sei se ele a seguir
pôs do lado de fora um letreiro
com do not disturb ou coisa assim,
nem se tomou as pastilhas uma a uma, ou se as contou.

não sei se o encontrou uma criada,
se a polícia veio logo, se deixou uma carta
ao seu melhor amigo, se apagou a luz,
nem se pousou ao lado a carteira, o relógio, a
 esferográfica.

não sei se entrou na morte como quem
traz imagens pungentes na cabeça,
palavras marteladas de desejo, ou como quem friamente
está no avesso do sono e vai calar-se e é justo.

não sei se foi assim, se existe uma outra
verdade imaginável ou vedada. sei que ele tinha
um olhar decidido, alguma instigadora, e quarenta e dois
 anos,
e sei que nessa altura há já poucas verdades

e nenhuma dimensão biográfica na morte.
já vem nas escrituras. eu prefiro
dizer que ele fechou a porta à chave
e sei que era viril a sua transparência.
io mi figuro così la morte di pavese:
era una stanza d’albergo a torino,
di certo un albergo modesto, da una o due
stelle, ammesso che ci fossero stelle.

un letto di legno, con la vernice screpolata,
cigolante per incontri clandestini, una coperta floscia e
 umida,
infossata al centro, quella d’uso quotidiano.
correva il mese d’agosto con la sua polvere scura

che insudicia le tende. niente stava per scatenarsi
in quel mese d’agosto a quell’ora della sera
con la sua luce morbida. e qualcuno aveva messo
tre rose di plastica in un vasetto verde.

vedo pavese quando entrò, quando appoggiò la valigetta
con indifferenza, dispiegò alcune carte
e si tolse il soprabito (come nei film
italiani dell’epoca). Poi andò ai servizi

in fondo al corridoio. avrà forse pensato
che questa vita è una pisciatina o una cosa così.
rientrò nella stanza, c’era
un’atmosfera fetida in tutto questo.

aprì la finestra
e prenotò la chiamata telefonica.
la notte stava scendendo senza parole, senza neanche
 un clacson
esagerati. riempì un bicchier d’acqua. e aspettò.

quando il campanello squillò, c’era molto poco
da dire e lui l’aveva già detto:
aveva già detto quanto l’amore ci rende
vulnerabili; e miseri, inermi;

che c’è bisogno d’umiltà, non di orgoglio;
e smettere di scrivere;
e che è di questa nudità che moriamo.
fu più o meno così – la nostra condizione

troppo umana, la voce umana, la fragile
espressione di tutto questo, un’ansiosa fermezza.
«e l'avevano fatto persino delle ragazzine».
che avevano nomi oscuri e nessun

rimorso lancinante, nessuno che parlasse di loro.
la cosa più temuta è il coraggio
di quel che pareva facile: tutto ciò che non s’è detto
concentrato in un atto repentino ed estremo.

fu più o meno così. non so se lui dopo
appese all’esterno un cartello
con do not disturb o qualcosa del genere,
né se prese le pastiglie una ad una, o se le contò.

non so se lo trovò una cameriera
se la polizia arrivò presto, se lasciò una lettera
al suo migliore amico, se spense la luce,
né se posò accanto il portafogli, l’orologio, la penna
 a sfera.

non so se entrò nella morte come chi
si porta in testa immagini angosciose,
parole pulsanti di desiderio, o come chi freddamente
si trova dall’altro lato del sonno e tace ed è sereno.

non so se fu così, se esiste un’altra
verità plausibile o segreta. so che aveva
uno sguardo deciso, qualche istigatrice, e quarantadue
 anni,
e so che a questo punto ci sono ormai poche verità

e nessuna dimensione biografica nella morte.
ormai rientra nei documenti d’archivio. io preferisco
dire che lui chiuse la porta a chiave
e so che era virile la sua trasparenza.
________________

Piero Garino
Finestra su Torino (1980)
...

Nessun commento:

Posta un commento

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (12) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antonio Brasileiro (41) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (109) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (467) Pássaro de vidro (52) Pedro Mexia (40) Poemas dos dias (28) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)