O boi da paciência


Nome:
 
Collezione:
 
Altra traduzione:
António Ramos Rosa »»
 
O Grito Claro (1958) »»
 
Francese »»
«« precedente / Sommario / successivo »»
________________


O boi da paciência
Il bue della pazienza


Noite dos limites e das esquinas nos ombros
noite por de mais aguentada com filosofia a mais
que faz o boi da paciência aqui?
que fazemos nós aqui?
este espectáculo que não vem anunciado
todos os dias cumprido com as leis do diabo
todos os dias metido pelos olhos adentro
numa evidência que nos cega
até quando?
Era tempo de começar a fazer qualquer coisa
os meus nervos estão presos na encruzilhada
e o meu corpo não é mais que uma cela ambulante
e a minha vida não é mais que um teorema
por demais sabido!

Na pobreza do meu caderno
como inscrever este céu que suspeito
como amortecer um pouco a vertigem desta órbita
e todo o entusiasmo destas mãos de universo
cuja carícia é um deslizar de estrelas?

Há uma casa que me espera
para uma festa de irmãos
há toda esta noite a negar que me esperam
e estes rostos de insónia
e o martelar opaco num muro de papel
e o arranhar persistente duma pena implacável
e a surpresa subornada pela rotina
e o muro destrutível destruindo as nossas vidas
e o marcar passo à frente deste muro
e a força que fazemos no silêncio para derrubar o muro
até quando? até quando?
Teoricamente livre para navegar entre estrelas
minha vida tem limites assassinos
Supliquei aos meus companheiros: Mas fuzilem-me!
Inventei um deus só para que me matasse
Muralhei-me de amor
e o amor desabrigou-me
Escrevi cartas a minha mãe desesperadas
colori mitos e distribuí-me em segredo
e ao fim e ao cabo
recomeçar
Mas estou cansado de recomeçar!
 Quereria gritar: Dêem-me árvores para um novo recomeço!
Aproximem-me a natureza até que a cheire!
Desertem-me este quarto onde me perco!
Deixem-me livre por um momento em qualquer parte
para uma meditação mais natural e fecunda
que me afogue o sangue!
Recomeçar!

Mas originalmente com uma nova respiração
que me limpe o sangue deste polvo de detritos
que eu sinta os pulmões como duas velas pandas
e que eu diga em nome dos mortos e dos vivos
em nome do sofrimento e da felicidade
em nome dos animais e dos utensílios criadores
em nome de todas as vidas sacrificadas
em nome dos sonhos
em nome das colheitas em nome das raízes
em nome dos países em nome das crianças
em nome da paz

que a vida vale a pena que ela é a nossa medida
que a vida é uma vitória que se constrói todos os dias
que o reino da bondade dos olhos dos poetas
vai começar na terra sobre o horror e a miséria
que o nosso coração se deve engrandecer
por ser tamanho de todas as esperanças
e tão claro como os olhos das crianças
e tão pequenino que uma delas possa brincar com ele

Mas o homenzinho diário recomeça
no seu giro de desencontros
A fadiga substituiu-lhe o coração
as cores da inércia giram-lhe nos olhos
Um quarto de aluguer
Como preservar este amor
ostentando-o na sombra?
Somos colegas forçados
Os mais simples são os melhores
Nos seus limites conservam a humanidade
Mas este sedento lúcido e implacável
familiar do absurdo que o envolve
com uma vida de relógio a funcionar
e um mapa da terra com rios verdadeiros
correndo-lhe na cabeça
como poderá suportar viver na contenção total
na recusa permanente a este absurdo vivo?

Ó boi da paciência que fazes tu aqui?
Quis tornar-te amável ser teu familiar
fabriquei projectos com teus cornos
lambi o teu focinho acariciei-te em vão

A tua marcha lenta enerva-me e satura-me
as constelações são mais rápidas nos céus
a terra gira com um ritmo mais verde que o teu passo
Lá fora os homens caminham realmente
Há tanta coisa que eu ignoro
e é tão irremediável este tempo perdido!
Ó boi da paciência sê meu amigo!
Notte dei limiti e del giogo sulle spalle
notte tollerata anche troppo con troppa filosofia
che ci fa il bue della pazienza qui?
che ci facciamo noi qui?
questo spettacolo che non viene annunciato
ogni giorno adempiuto in base alle leggi del diavolo
ogni giorno riproposto agli occhi
con un’evidenza che ci acceca
fino a quando?
Era ora di cominciare a far qualcosa
i miei nervi sono imprigionati all’incrocio
e il mio corpo non è altro che una cella ambulante
e la mia vita non è altro che un teorema
fin troppo noto!

Nell’esiguità del mio quaderno
come inquadrare questo cielo che ipotizzo
come attenuare un poco la vertigine di quest’orbita
e tutto l’entusiasmo di queste mani di universo
carezzevoli come un gocciolar di stelle?

C’è una casa che m’attende
per una festa di fratelli
c’è tutta questa notte per negare che m’attendono
e questi volti d’insonnia
e il sordo martellare sopra un muro di carta
e l’ostinato raschiare di una penna spietata
e la deteriorata sorpresa della routine
e il muro abbattibile che abbatte le nostre vite
e il segnare il passo davanti a questo muro
e la forza che ci facciamo nel silenzio per abbattere il muro
fino a quando? fino a quando?
Teoricamente libera di navigare fra le stelle
la mia vita ha limiti criminali
Ho implorato i miei compagni: Su, fucilatemi!
Ho concepito un dio solo perché mi uccidesse
Mi sono barricato nell’amore
e l’amore m’ha lasciato indifeso
Ho scritto a mia madre lettere disperate
ho ravvivato miti e mi sono offerto in segreto
e alla fin fine
ricominciare
Ma mi sono stancato di ricominciare!

 Vorrei gridare: Datemi degli alberi per un nuovo inizio!
Avvicinatemi la natura ché io la fiuti!
Sgombratemi questa stanza ove mi perdo!
Lasciatemi per un istante libero da qualche parte
per una meditazione più naturale e feconda
che mi pervada il sangue!
Ricominciare!

Ma tornando alle origini con un nuovo soffio
che mi purifichi il sangue da questa piovra di scorie
che io senta i polmoni come due vele sciolte
e che io dica in nome dei morti e dei vivi
in nome del patimento e della felicità
in nome degli animali e degli strumenti creatori
in nome di tutte le vite sacrificate
in nome dei sogni
in nome dei raccolti in nome delle radici
in nome dei paesi in nome dei fanciulli
in nome della pace

che la vita vale la pena che essa è la nostra misura
che la vita è una vittoria che va ricreata ogni giorno
che il regno della bontà comincerà sulla terra
dagli occhi dei poeti fugando l’orrore e la miseria
che il nostro cuore deve innalzarsi
per essere all’altezza di tutte le speranze
e limpido come gli occhi dei fanciulli
e così piccolo che uno di loro ci possa giocare

Ma l’omuncolo quotidianamente ricomincia
col suo giro in tondo
La fatica gli ha soppiantato il cuore
negli occhi gli volteggiano i colori dell’inerzia
Una camera in affitto
Come salvaguardare questo amore
sfoggiandolo nell’ombra?
Siamo costretti ad essere colleghi
Quelli più semplici sono i migliori
Nei loro limiti conservano la loro umanità
Ma quest’assetato lucido e implacabile
intimo dell’assurdo che lo cinge
con una vita regolata dall’orologio
e un mappamondo con fiumi veri
che gli scorrono in testa
come potrà tollerare di vivere in totale segregazione
nel permanente rifiuto di questo assurdo essere?

Oh bue della pazienza che ci fai tu qui?
Ho cercato di renderti amichevole esserti vicino
ho ideato progetti con le tue corna
t’ho leccato il muso t’ho carezzato invano

Il tuo lento procedere mi snerva e mi esaspera
le costellazioni nei cieli sono più rapide
la terra ruota a un ritmo più verde del tuo passo
Là fuori gli uomini camminano veramente
Sono tante le cose che ignoro
e questo tempo perduto è del tutto irrimediabile!
Oh bue della pazienza, sii mio amico!
________________

Julien Champagne (1877-1932)
Illustrazioni del Mistero delle Cattedrali di Fulcanelli (1926)

Nessun commento:

Posta un commento

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (20) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (429) Pássaro de vidro (52) Poemas dos dias (21) Poemas Sociais (30) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)