Sonho de uma tarde de inverno


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Sonho de uma tarde de inverno
Sogno d’un pomeriggio d’inverno


Fiquei, longamente, a ler, no frio
da tarde quieta,
uma crônica do tempo merovíngio,
dos monges da Abadia de Cluny.
E um rádio gritante trouxe pela janela,
todo o banzo e o azougue de um samba sensual:
vôo de cantáridas tontas
no hálito de incenso de uma nave,
fenestrada de ogivas e ventanas
e toda colorida de vitrais…
E no vago torpor do meu subsonho,
vi como trabalhava,
extasiado, na penumbra
parda de um meio inverno,
um monge
rendilhador de jóias de ouro,
discípulo, talvez, de Santo Elói:
depois de modelar um cimo de coroa,
com Virtudes de auréola
em meio de anjos louros,
e de cinzelar,
na pasta de sol frio do rebordo
de um anel real,
uma rosácea, um gládio e um globo,
deixou errar seus dedos e seus sonhos,
e fez crescer, no jalde de um cibório,
o relevo de uma Vênus
com um Cupido ao solo…

E era tão bela a sua idéia de ouro,
e foi tão casto e cristão o beijo longo
que ele pôs na deusa,
que a tênue poeira flava do seu êxtase
de pronto se esvaiu.

E então, febril,
murmurando, constante, um exorcismo,
santificando traços, disfarçandos os nus,
fez depressa da Vênus uma Virgem,
e do pagãozinho alado um menino Jesus.
Depois, sorrindo, o santo joalheiro
rezou, com outro beijo, a sua contrição…

E mil diabinhos crepitaram nas chamas,
rubros, rindo,
porque agora o seu beijo
fora ardente e pagão.
Rimasi, a lungo, a leggere, nella frescura
d’un pomeriggio quieto,
una cronaca d’epoca merovingia,
dei monaci dell’Abbazia di Cluny.
E l’alto volume d’una radio portò per la finestra
tutta la pena e il rimpianto d’un samba sensuale:
volo di cantaridi stordite
nell’alito d’incenso d’una navata,
illuminata da ogive e lucernari
e ornata di vetrate multicolori…
E nel vago torpore del mio dormiveglia,
vidi come lavorava,
rapito, nella penombra
scura d’un mezzo inverno,
un monaco
niellatore di gioielli d’oro,
discepolo, chissà, di Sant’Eligio:
dopo aver modellato l’apice d’una corona,
con le Virtù cinte d’aureola
in mezzo ad angioletti biondi,
e aver cesellato,
con pasta di sole freddo il bordo
d’un anello reale,
una rosetta, un gladio e un globo,
lasciò vagare le sue dita ed i suoi sogni,
e fece apparire, nell’oro d’un ciborio,
il rilievo d’una Venere
con un Cupido ai suoi piedi…

Ed era così bella questa sua idea dorata,
e tanto casto e cristiano fu il lungo bacio
che quello posò sopra la dea,
che la lieve polvere aurea della sua estasi
in breve si dissipò.

E allora, febbrilmente,
mormorando, accalorato, un esorcismo,
santificando fattezze, rivestendo i nudi,
fece alla svelta della Venere una Vergine,
e del paganuccio alato un Bambin Gesù.
Poi, sorridendo, il santo gioielliere
espresse, con un altro bacio, la sua contrizione…

E mille diavoletti crepitarono tra le fiamme,
rubizzi, ridendo,
perché ora il suo bacio
era stato ardente e pagano.
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"Gioiello del fondatore"
Spilla del 1404 (New College, Oxford)
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