Em Creta, com o Minotauro


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Jorge de Sena »»
 
Peregrinatio ad loca infecta (1969) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Em Creta, com o Minotauro
A Creta, con il Minotauro


I
Nascido em Portugal, de pais portugueses,
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá estiver.
Coleccionarei nacionalidades como camisas se despem,
se usam e se deitam fora, com todo o respeito
necessário à roupa que se veste e que prestou serviço.
Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria
de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações
nasci. E a do que faço e de que vivo é esta
raiva que tenho de pouca humanidade neste mundo
quando não acredito em outro, e só outro quereria que
este mesmo fosse. Mas, se um dia me esquecer de
 tudo,
espero envelhecer
tomando café em Creta
com o Minotauro,
sob o olhar de deuses sem vergonha.


II
O Minotauro compreender-me-á.
Tem cornos, como os sábios e os inimigos da vida.
É metade boi e metade homem, como todos os homens.
Violava e devorava virgens, como todas as bestas.
Filho de Pasifaë, foi irmão de um verso de Racine,
que Valéry, o cretino, achava um dos mais belos da
 "langue".
Irmão também de Ariadne, embrulharam-no num novelo
 de que se lixou.
Teseu, o herói, e, como todos os gregos heróicos, um filho
 da puta,
riu-lhe no focinho respeitável.
O Minotauro compreender-me-á, tomará café comigo,
 enquanto
o sol serenamente desce sobre o mar, e as sombras,
cheias de ninfas e de efebos desempregados,
se cerrarão dulcíssimas nas chávenas,
como o açúcar que mexeremos com o dedo sujo
de investigar as origens da vida.


III
É aí que eu quero reencontrar-me de ter deixado
a vida pelo mundo em pedaços repartida, como dizia
aquele pobre diabo que o Minotauro não leu, porque,
como toda a gente, não sabe português.
Também eu não sei grego, segundo as mais seguras
 informações.
Conversaremos em volapuque, já
que nenhum de nós o sabe. O Minotauro
não falava grego, não era grego, viveu antes da
 Grécia,
de toda esta merda douta que nos cobre há séculos,
cagada pelos nossos escravos, ou por nós quando somos
os escravos de outros. Ao café,
diremos um ao outro as nossas mágoas.


IV
Com pátrias nos compram e nos vendem, à falta
de pátrias que se vendam suficientemente caras para
 haver vergonha
de não pertencer a elas. Nem eu, nem o Minotauro,
teremos nenhuma pátria. Apenas o café,
aromático e bem forte, não da Arábia ou do Brasil,
da Fedecam, ou de Angola, ou parte alguma. Mas café
contudo e que eu, com filial ternura,
verei escorrer-lhe do queixo de boi
até aos joelhos de homem que não sabe
de quem herdou, se do pai, se da mãe,
os cornos retorcidos que lhe ornam a
nobre fronte anterior a Atenas, e, quem sabe,
à Palestina, e outros lugares turísticos,
imensamente patrióticos.


V
Em Creta, com o Minotauro,
sem versos e sem vida,
sem pátrias e sem espírito,
sem nada, nem ninguém,
que não o dedo sujo,
hei-de tomar em paz o meu café.

I
Nato in Portogallo, da genitori portoghesi,
e padre di brasiliani in Brasile,
sarò probabilmente nordamericano quando mi troverò là.
Collezionerò nazionalità come si cambiano camicie,
si usano e si buttano via, con tutto il rispetto
dovuto agli indumenti indossati che fanno il loro servizio.
Sono io stesso la mia patria. La patria
di cui scrivo è la lingua in cui per casualità genealogica
sono nato. E quella di ciò che faccio e di cui vivo è questa
rabbia che sento per la poca umanità in questo mondo
quando in un altro non credo, e ne vorrei solo un altro che
fosse questo stesso. Ma, se un giorno di tutto mi
 scordassi,
io spero d’invecchiare prendendo
un caffè a Creta
con il Minotauro,
sotto lo sguardo di dei senza vergogna.
 

II
Il Minotauro mi saprà comprendere.
Ha le corna, come i saggi e i nemici della vita.
È per metà bue e per metà uomo, come tutti gli uomini.
Violava e divorava vergini, come tutte le bestie.
Figlio di Pasifae, fu fratello di un verso di Racine,
che Valéry, quel cretino, considerava uno dei più belli della
 "langue".
Fu anche fratello d’Arianna, l’avvilupparono in un gomitolo
 di cui non si curò.
Teseo, l’eroe, e, come tutti gli eroi greci, un figlio di buona
 donna,
gli rise sul suo muso perbene.
Il Minotauro mi saprà comprendere, prenderà un caffè
 con me, mentre
il sole serenamente scende sul mare, e le ombre,
popolate di ninfe ed efebi sfaccendati,
si rifugeranno dolcissime nelle tazze,
come lo zucchero che mescoleremo col dito sporco
per aver indagato sulle origini della vita.
 

III
È lì che vorrei ritrovarmi dopo aver lasciato
per il mondo la vita fatta in tanti pezzetti, come diceva
quel povero diavolo che il Minotauro non ha letto, perché,
come tutti quanti, non sa il portoghese.
Neppure io non so il greco, stando alle più certe
  informazioni.
Discorreremo in volapük, dato
che nessuno di noi lo sa. Il Minotauro
non parlava greco, non era greco, visse prima della
 Grecia
e di tutta questa dotta merda che ci copre da secoli,
evacuata dai nostri schiavi, o da noi quando siamo
schiavi di altri. Al caffè,
ci racconteremo le reciproche amarezze.
 

IV
Con le patrie ci comprano e ci vendono, per mancanza
di patrie che si vendano a prezzo sufficientemente caro
 da vergognarsi
di non appartenervi. Né io, né il Minotauro,
avremo mai alcuna patria. Solamente il caffè,
aromatico e ben forte, non d’Arabia o del Brasile,
della Fedecam, o d’Angola, o qualche altra parte. Tuttavia
caffè, che io, con filiale affetto,
gli vedrò scorrere dal mento bovino
fino alle ginocchia d’uomo che non sa
da chi ha ereditato, se dal padre, se dalla madre,
le corna ritorte che gli adornano la
nobile fronte antecedente Atene, e, magari,
la Palestina, e altri luoghi turistici,
immensamente patriottici.
 

V
A Creta, con il Minotauro,
senza versi e senza vita,
senza patria e senza spirito,
senza niente né nessuno,
a parte quel dito sporco,
io prenderò in pace il mio caffè.

________________

Minotauro (circa 515 a.C.)
Tondo di una coppa attica bilingue
...

Nessun commento:

Posta un commento

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (11) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antonio Brasileiro (41) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (109) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (467) Pássaro de vidro (52) Pedro Mexia (40) Poemas dos dias (28) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)