Ecce Homo


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Ecce Homo
Ecce Homo


Nunca amanhecera assim, num inimaginável
barracão perto da cidade gótica.
A sua casa.
Conhecia-o do Fandango,
e sabia apenas que uma tristeza sem lágrimas
lhe iluminava as tardes e as noites.

Dessa vez foi diferente. Eu acabara de partir
um copo no único pub ainda aberto
(a memória já não me devolve o nome).
Ele veio sentar-se ao meu lado, bêbedo
contra bêbedo, unidos pelo quase esplendor
da queda. Convidou-me a segui-lo e eu,
não sei bem porquê, acedi. Acompanhei-o
até às duas assoalhadas em que morava
– sem vizinhos, numa barraca de alumínio
e tabopan que fazia da palavra desespero
um eufemismo inoportuno. O cão,
pelo menos, gostou de nos ver chegar.

Depois chorou, a troco de nada. Queria apenas
um ombro concreto onde pousar a cabeça
que a mulher e as filhas já nem por engano
beijavam. Não precisava de gestos ou palavras,
bastava-lhe ser ouvido, partilhar o impartilhável
a que talvez chamasse (não me lembro bem) a dor.

Adormeceu assim, no meu ombro – e eu estava
capaz de matar (mas não a ele) por uma cerveja,
pelo gin que horas antes encontrara demasiado
cedo o chão. Ao amanhecer, abanei-o levemente,
disse-lhe que tinha mesmo de ir. Beijou-me
a mão, agradeceu com um sorriso estragado
aquele nada de nada entre dois homens
que nunca mais se voltarão a ver. Cá fora,
uma luz amordaçada desaconselhava qualquer
tentação lírica, vinha morrer nas couves,
nos dejectos vários que lhe tornavam menos só a
 solidão.

Não reconheci a cidade: pálida, desinteressante, reles.
Tremia de sono e frio ao entrar no primeiro
autocarro e quase acreditei – por algumas horas –
que existia, afinal, alguém ainda mais triste do que eu.
Non mi ero mai svegliato così, in un’incredibile
stamberga, vicino alla città gotica.
La sua casa.
L’avevo conosciuto al Fandango,
e sapevo solo che una tristezza senza lacrime
gli illuminava le sere e le notti.

Quella volta fu diverso. Avevo appena rotto
un bicchiere nell’unico pub ancora aperto
(il nome non mi torna in mente).
Lui venne a sedersi accanto a me, ubriaco
con ubriaco, accomunati da quella decadenza
quasi sontuosa. Mi invitò a seguirlo e io,
non so bene perché, obbedii. Lo accompagnai
fino ai due locali in cui abitava
– senza vicini, in una baracca d’alluminio
e laminato che rendeva la parola angoscia
un eufemismo inadeguato. Il cane,
per lo meno, fu contento di vederci arrivare.

Poi si mise a piangere, senza motivo. Voleva solo
una spalla concreta su cui posare il capo
che la moglie e le figlie ormai neanche per sbaglio
baciavano. Non gli servivano gesti o parole,
gli bastava essere ascoltato, condividere l’indivisibile
che lui forse (non ricordo bene) chiamava dolore.

S’addormentò così, sulla mia spalla – e io sarei stato
capace di uccidere (ma non lui) per una birra,
per quel gin che poche ore prima aveva toccato troppo
precocemente il suolo. Al risveglio, lo scossi leggermente,
gli dissi che dovevo proprio andare. Mi baciò
la mano, ringraziò con un sorriso tirato
per quel niente del tutto fra due uomini
che mai più si rivedranno. Là fuori,
una luce fievole scoraggiava qualsiasi
tentazione poetica, andava a perdersi tra i cavoli e
il vario ciarpame che rendeva meno solitaria la sua
 solitudine.

Non riconobbi la città: pallida, insignificante, scialba.
Tremavo di sonno e di freddo salendo sul primo
autobus e arrivai a credere – per qualche ora –
che, in fondo, esistesse qualcuno ancora più triste di me.
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Oswaldo Guayasamín
Mani della paura (1984)
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