Pompe inutili


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Pompe inutili
Pompe inutili


          para a Silvina Rodrigues Lopes

Ninguém nasce; seria descabido
chamar alguém aos resíduos
de placenta que envolvem
um conjunto de órgãos
a tudo ou quase tudo predispostos.

Só os mortos, verdadeiramente,
existem. Escreveram ou não
escreveram livros, cartas de amor,
diários. Não importa: cruzaram-se
connosco, sentaram-se por vezes
à mesma mesa, acreditaram até
no terno suplício do amor.
E tinham mãos reais, ao tocarem
o rosto imberbe de que se despediam.
Um beijo, sobre rugas apenas,
conseguia tornar menos frias as manhãs.

Despedem-se muito mal, os mortos.
Embora, por uma vez, sejam
exactos e sinceros – no momento
em que descem à terra e nos impedem
de partilhar com eles um cigarro,
o último copo, uma espécie de destino.

São terrivelmente reais, os mortos.
A vida inteira não chega
para que possamos matá-los a todos,
um a um, como decerto aconselharia
a mais elementar higiene metafísica.
Dão-nos, contudo, a força necessária
para morrer cada vez mais, tolerando
dias de aluguer, casas ligeiramente
inabitáveis. Porque os outros, na
verdade, não passam de mortos imperfeitos.
Estão, como nós, um pouco demasiado vivos.

Talvez um dia, porém, venham a
assinar um poema assim (e pode até não ser
um poema, muito menos assim), em que se note,
além das influências óbvias, uma certa
– digamos – especialização no horror.
Pois é disso apenas que se trata.

Os mortos sabem-no.
A sabedoria é inútil.
A poesia também.
          per Silvina Rodrigues Lopes

Nessuno nasce; sarebbe improprio
chiamare ‘qualcuno’ quegli avanzi
di placenta che avviluppano
un complesso di organi
per tutto o quasi tutto programmati.

Son solo i morti ad esistere,
veramente. Sia che abbiano scritto o no
libri, lettere d'amore,
diari. Che importa: hanno incrociato
le nostre strade, si son seduti talvolta
alla stessa tavola, e addirittura hanno creduto
nella dolce tortura dell'amore.
E avevano mani reali, quando sfiorarono
le guance imberbi da cui s’accomiatavano.
Un bacio, appena posato sulle rughe,
sapeva rendere meno fredde le mattine.

Malamente si congedano, i morti.
Pur essendo, per una volta,
corretti e sinceri – nel momento
in cui scendono nella terra e ci proibiscono
di condividere una sigaretta con loro,
l'ultimo bicchiere, una sorta di destino.

Sono tremendamente reali, i morti.
La vita intera non è sufficiente
per poterli uccidere tutti, uno ad uno,
come di sicuro raccomanderebbe
la più elementare igiene metafisica.
Nondimeno, ci danno la forza necessaria
per morire sempre un po’ di più, sopportando
i nostri giorni a nolo, quelle case inadatte
a viverci. Perché tutti gli altri, a dire
il vero, sono soltanto dei morti imperfetti.
Loro, come noi, sono un po' troppo vivi.

Ma forse un giorno anch’essi arriveranno
a scrivere una poesia così (e potrebbe non essere
una poesia, non proprio così), che denoti,
accanto alle influenze scontate, una certa
– diciamo – propensione all'orrore.
Perché poi non è d’altro che si tratta.

I morti lo sanno.
È inutile la saggezza.
La poesia pure.
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Bill Claps
The Skull in Gold, Negative (2012)
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