Kathleen


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Kathleen
Kathleen


O amor nos seus aposentos
sem luz, os quadros inacabados, a cama húmida
e por fazer. Fui eu que escolhi a canção: um assalto
ao pano friável da consciência.

A noite estava enrolada no seu ninho
como um animal, acomodava para nós o ventre
ainda frio. Já não valia a pena perguntar
que diabo estava eu a fazer ali, sem dinheiro
e sem saber ao certo onde. Tu tiraste a roupa
e revelaste o cenário que me testemunharia.
L’amore nelle sue stanze
senza luce, i quadri incompiuti, il letto umido
e disfatto. Fui io a scegliere la canzone: un assalto
al fragile tessuto della coscienza.

La notte stava raggomitolata nel suo nido
come un animale, preparava per noi il ventre
ancora freddo. Ormai non valeva la pena chiedere
che diavolo ci facessi io lì, senza denaro
e senza saper bene dove fossi. Tu ti togliesti i vestiti,
mostrando lo scenario cui avrei presenziato.
________________

Tom Wesselmann
Nudo n° 1 (1970)
...

I put a spell on you


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I put a spell on you
I put a spell on you


Tu não sabias de que lugar eu vinha
nem quem me enviava. As máquinas pareciam transbordar
sobre os campos, disseminando a noite
em plena marcha. E eu estava tão cansado quando me
 sentei
ao teu lado. Generosamente pousaste a tua mão.
Os dias por vir jaziam amordaçados
debaixo da terra, nada fazia prever as cartas
que te escreveria. Algumas levavam fotografias, eu a olhar
para ti no ar desfocado. Mas as notícias que te dava
em mau inglês eram omissas, nunca respondi às
 perguntas
que me fizeste. Acho que o desalento já estava deitado
na cama, a própria parede parecia
muito doente.
Tu non sapevi da dove venivo
né chi mi mandava. Le macchine sembravano debordare
sopra i campi, disseminando la notte
in piena marcia. Ed io ero così stanco quando mi
 sedetti
al tuo fianco. Generosamente posasti la tua mano.
I giorni futuri giacevano imbavagliati
sotto terra, nulla faceva prevedere le lettere
che t’avrei scritto. In alcune c’erano fotografie, io che
ti guardavo nell’aria sfocata. Ma le notizie che ti davo
in un cattivo inglese erano reticenti, non risposi mai alle
 domande
che mi facevi. Credo che lo sconforto fosse già coricato
sul letto, la parete stessa sembrava
molto malata.
________________

Gerhard Richter
Ritratto di Müller (1971)
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I’m coming home


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I’m coming home
I’m coming home


O tempo corre nas paredes livremente
mas não toma a direcção da morte: ela esteve aqui
desde o princípio, uma vocação adormecida
debaixo do estuque.

A manhã nasce viciada nos brandos venenos
que os móveis destilam, haverá pombas
sobre o parapeito, o senhorio arrastará o chinelo
sob um eco que caminha pelo tecto.
Nada poderá perturbar a fluência da penumbra
nos cantos para onde se varre a casa
aos domingos. A pele respira tenuamente mas não posso
 falar
em tristeza. Este é o meu endereço, um lugar composto
para a submergência.
Il tempo corre sulle pareti liberamente
ma non prende la direzione della morte: lei è stata qui
fin dal principio, una vocazione assopita
sotto gli stucchi.

Il mattino nasce snaturato dai blandi veleni
che i mobili distillano, ci saranno colombe
sopra il parapetto, il padrone strascicherà le ciabatte
entro un’eco che percorre il soffitto.
Nulla potrà perturbare il fluire della penombra
in quegli angoli dove si spazza la casa
di domenica. La pelle respira debolmente ma non posso
 parlare
di tristezza. Questo è il mio indirizzo, un luogo predisposto
allo sprofondamento.
________________

Francesco Casorati
Arrivo (1981)
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David's song


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David's song
David's song


Um lameiro nas férias da Páscoa com choupos
pela ribeira acima. Os primos
vêm com paus, dispostos aos apuros
de uma aventura. Prevê-se o ataque
de um enxame de vespas, alguém cairá no lodo
com a roupa de domingo.

Uma nuvem, dois cães nas ondas da erva.
Nelle vacanze di Pasqua, un pantano con pioppi
lungo il fiume. I cugini
arrivano coi bastoni, pronti a consumare
un’avventura. Si prevede l’attacco
di uno sciame di vespe, qualcuno cadrà nel fango
coi vestiti della domenica.

Una nuvola, due cani tra le onde d’erba.
________________

Cândido Portinari
Salto della cavallina (1959)
...

Budapeste


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Budapeste
Budapest


Frau Szabo está a pôr flores
na entrada, faz estalar a madeira junto ao vão
das portas. Parece-me que já conheço
este lugar, esta espécie de verde
nas paredes, a clarabóia toldada pela fuligem.

Ainda há pouco eu era um forasteiro a olhar
na ponte. Uma criança atirou papéis para o rio
e foi castigada, falava-se uma língua
assustadora.

Vir de tão longe para encontrar a sombra
de uma casa demolida. Jesus com olhos de corça
e o coração à mostra. E na casa de banho
a grande banheira de esmalte, com pés.
Frau Szabó sta disponendo dei fiori
nell’entrata, fa scricchiolare il legno nel vano
delle porte. Mi sembra di conoscere già
questo posto, questa specie di verde
sulle pareti, il lucernario coperto di fuliggine.

Ancora poco fa ero un forestiero che guardava
dal ponte. Un bimbo gettò della carta nel fiume
e fu punito, si parlava una lingua
terrificante.

Venire da così lontano per incontrare l’ombra
di una casa demolita. Gesù con occhi di cerbiatta
e il cuore in mostra. E nella stanza da bagno
una grande vasca di smalto, coi piedi.
________________

Copertina del libro di Magda Szabó
La porta (Einaudi, 1987)
...

Super-Realidade


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Super-Realidade
Surrealtà


Eu era de terra quando me procuraste,
estranho à franqueza dos teus actos, baço
para os sentidos.
 
Parávamos o carro num beco qualquer,
queimávamos o rastilho das palavras
até ao deserto onde dávamos as mãos.
 
Lá fora, a realidade era o espaço inteiro
deitado pelos vidros, o mundo caído para dentro
do silêncio.
 
Gastávamos depressa o tempo, perdidos
no nosso único mapa,
nenhum sinal de mudança no regresso a casa.
Io ero di terra quando tu m’hai cercato,
alieno alla franchezza dei tuoi atti, ottuso
nei sensi.
 
Fermavamo l’auto in una viuzza qualunque,
davamo fuoco alla miccia delle parole
fino al deserto in cui ci stringevamo le mani.
 
Là fuori, la realtà era lo spazio intero
isolato dai vetri, il mondo caduto nel cuore
del silenzio.
 
Sprecavamo in fretta il tempo, perduti
sulla nostra unica mappa,
nessun segno di cambiamento nel ritorno a casa.
________________

S.K. Sahni
Space within space (2017)
...

O céu visto de cima


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A Super-Realidade (1995) »»
 
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O céu visto de cima
Il cielo visto dall’alto


Tu já estavas prometido à tristeza
da cidade mais pequena. Mas a noite
tinha passagens secretas, bastava seguir os sinais.
 
Uma sombra avançava muito fundo
nos teus estratos, tacteavas um território
de pedras difíceis, às vezes perigosas.
 
Depois imergias e a boca estava amarga
outra vez, a roupa amontoada na cadeira
como o princípio de um poema indesejado.
 
Reflectido nos teus olhos, o céu
era um lugar inabitável.
Tu eri già destinato alla tristezza
d’una città più piccola. Ma la notte
aveva passaggi segreti, bastava seguire i segnali.
 
Un’ombra avanzava molto in profondità
nei tuoi strati, tastavi un territorio
di pietre difficoltose, a volte pericolose.
 
Dopo t’immergevi e la bocca si faceva amara
un’altra volta, la roba ammucchiata sulla sedia
come il principio d’una poesia indesiderata.
 
Riflesso nei tuoi occhi, il cielo
era un luogo inabitabile.
________________

Giorgio Milani
Oriente-Occidente (2007)
...

Verdade ou consequência


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Verdade ou consequência
Verità o conseguenza


Houve dias cheios de sol e jogos ágeis
em redor dos lagos, uma jornada na montanha
para ouvir o eco e a sombra da nuvem
ganhando alento nas vertentes como um barco
prodigioso.

Perseguíamos nas raízes do dia uma ausência
que alastrava para o norte, para essas planícies
 inventadas
onde pássaros ávidos tomariam por sementes
as palavras que dizíamos.

Éramos demasiado jovens
e aos nossos olhos
o mundo tinha a idade que mais nos convinha.
C’erano giorni pieni di sole e di giochi d’agilità
intorno ai laghi, un’escursione in montagna
per sentire l’eco e l’ombra d’una nuvola
che prendeva slancio sui declivi come una barca
prodigiosa.

Cercavamo alle radici del giorno un’assenza
che s’espandeva a nord, verso quelle pianure
 inventate
dove avidi uccelli avrebbero preso per sementi
le parole che dicevamo.

Eravamo troppo giovani
e ai nostri occhi
il mondo aveva l’età che più ci conveniva.
________________

Katherine Bello
D'ora in poi (2020)
...

Escuro


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Escuro
Buio


Pergunto-me desde quando
deixou de haver futuro
nas janelas.
Janeiro dói nos olhos
como areia
e tu e eu estamos para sempre
sentados às escuras
no Verão.
Mi domando da quando
ha smesso d’esserci un futuro
alle finestre.
Gennaio irrita gli occhi
come sabbia
e tu ed io stiamo per sempre
seduti al buio
in estate.
________________

Jean Fautrier
Composizione (1958)
...

Só de sol a minha casa


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Só de sol a minha casa
Tutta di sole la mia casa


  A Adélia Prado, com licença,
  que também sou mineira


Durante muito tempo,
também tive um sol
a inundar a nossa casa inteira,
tal a pequenez do cômodo.

Pelas fendas do machucado zinco,
folhas escaldantes de nosso teto,
invasivos raios confrontavam
pontos de mil quentura.
E jorrantes jatos de fogo
abrasavam o vazio
de um estorricado chão.

Em dias de maior ardência,
minha mãe alquebrava
seu milenar e profundo cansaço
no recorte disforme
de um buraco - janela sem janela –
acontecido no centro de uma frágil parede.
(rota de fuga de uma presa a inventar a
 extensão de um prado)

Eu não sei por que, ela olhava o tempo
e nos chamava para perscrutar
em que lugar morava a esperança.
Olhávamos.
Salvou-nos a obediência.
  A Adélia Prado, con licenza,
  ché anch’io sono del Minas


Per un lungo periodo di tempo,
c’è stato anche un sole
ad inondare la nostra casa intera,
tant’era l’esiguità del locale.

Dalle fessure dello zinco crepato,
fogli surriscaldanti del nostro tetto,
raggi invadenti si scontravano
con punti d’un calore infernale.
E spruzzando schizzi di fuoco
infiammavano il vuoto
d’un suolo abbrustolito.

Nei giorni di massima calura,
mia madre cullava
la sua millenaria e profonda stanchezza
davanti ai margini difformi
di un buco - finestra senza finestra –
capitato al centro d’una fragile parete.
(via di fuga d’una preda che immaginasse
 l’estendersi d’un prato)

Io non so perché ella guardasse il tempo
e ci chiamava per scoprire
in che luogo dimorava la speranza.
Noi guardavamo.
Ci salvò l’obbedienza.
________________

Vasily Perov
Bambini dormienti (1870)
...

Nunca a paz...


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Nunca a paz...
Mai la pace...


Nunca a paz
Em que os gestos são tempos estrangulados.

Nunca se extingam as conjuras,
O perigo, os inimigos;
A súplica que é o ódio,
Nunca a paz com ninguém,
Gritos desmembrados, sangue,
Dores pendulares,
Nunca a paz serena,
De rosto branco e inertes horas.
 
Nunca a paz de haste morta,
Para que de raiva
A vida espume vida.

Mai la pace
Nella quale i gesti sono tempi strangolati.

Non s’estinguano mai le congiure,
Il pericolo, i nemici;
La supplica che è odio,
Mai la pace con nessuno,
Grida smembrate, sangue,
Dolori oscillatori,
Mai la pace serena,
D’un viso bianco e di ore inerti.
 
Mai la pace d’uno stelo morto,
Affinché di rabbia
La vita schiumi via la vita.

________________

Otto Dix
Pragerstrasse (1920)
...

Inquisição


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Inquisição
Inquisizione


  Ao poeta que nos nega

Enquanto a inquisição
interroga
a minha existência
e nega o negrume
do meu corpo-letra
na semântica
da minha escrita,
prossigo.

Assunto não mais
o assunto
dessas vagas e dissentidas
falas.

Prossigo e persigo
outras falas,
aquelas ainda úmidas,
vozes afogadas,
da viagem negreira.

E apesar
de minha fala hoje
desnudar-se no cálido
e esperançoso sol
de terras brasis, onde nasci,
o gesto de meu corpo-escrita
levanta em suas lembranças
esmaecidas imagens
de um útero primeiro.

Por isso prossigo.
Persigo acalentando
nessa escrevivência
não a efígie de brancos brasões,
sim o secular senso de invisíveis
e negros queloides, selo originário,
de um perdido
e sempre reinventado clã.
  Al poeta che ci nega

Mentre l’inquisizione
interroga
la mia esistenza
e nega la nigrizia
del mio corpo-lettera
nella semantica
della mia scrittura,
io proseguo.

Non dò più peso
all’oggetto
di questi vaghi e discordanti
discorsi.

Proseguo e inseguo
altre parlate,
quelle ancora umide,
voci affogate,
del viaggio negriero.

E benché
oggi la mia lingua
si denudi al caldo
e fiducioso sole
delle terre del brasile, ove io nacqui,
il gesto del mio corpo-scrittura
richiama tra i suoi ricordi
immagini sbiadite
di un utero primigenio.

Per questo io proseguo.
E cullandomi in questa
scrittura del vissuto, ambisco
non all’effigie di bianche insegne,
ma al millenario senso di invisibili
e neri cheloidi, marchio originario,
di un perduto
e sempre reinventato clan.
________________

Abdias do Nascimento
Maschera ancestrale (1988)
...

Clarice no quarto de despejo


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Clarice no quarto de despejo
Clarice nel bugigattolo


No meio do dia
Clarice entreabre o quarto de despejo
pela fresta percebe uma mulher.
Onde estiveste à noite, Carolina?
Macabeando minhas agonias, Clarice.
Um amargor pra além da fome e do frio,
Da bica e da boca em sua secura.
De mim, escrevo não só a penúria do pão,
cravo no lixo da vida, o desespero,
uma gastura de não caber no peito,
e nem no papel.
Mas, ninguém me lê, Clarice,
Para além do resto.
Ninguém decifra em mim
a única escassez da qual não padeço,
– a solidão –

E ajustando o seu par de luvas claríssimas
Clarice futuca um imaginário lixo
e pensa para Carolina:
– a casa poderia ser ao menos de alvenaria –
E anseia ser Bitita inventando um diário:
páginas de jejum e de saciedade sobejam,
a fome nem em pedaços
alimenta a escrita clariceana.

Clarice no quarto de despejo
lê a outra, lê Carolina,
a que na cópia das palavras,
faz de si a própria inventiva.
Clarice lê :
– despejo e desejos –
A metà della giornata
Clarice socchiude il bugigattolo
e dallo spiraglio intravede una donna
Dove sei stata stanotte, Carolina?
A nutrire, come Macabea, le mie angosce, Clarice.
Un’afflizione che va oltre la fame e il freddo,
oltre la secchezza della gola e della bocca.
Di me, io scrivo non solo la scarsità di pane,
estraggo dall’immondizia della vita, lo sconforto,
un affanno che il petto non sa contenere,
e nemmeno la carta.
Ma, nessuno mi legge, Clarice,
Oltre a tutto il resto.
Nessuno in me riconosce
l’unica scarsità di cui non difetto,
– la solitudine –

E indossando i suoi due guanti chiarissimi
Clarice rovista in un immaginario pattume
e pensa a Carolina:
– la casa potrebbe essere almeno in muratura –
E aspira ad essere Bitita che inventa un diario:
pagine di digiuno e di sazietà abbondano,
la fame neppure a pezzetti
alimenta la scrittura di Clarice.

Clarice nel bugigattolo
legge l’altra, legge Carolina,
che nel profluvio di parole,
fa di sé materia del suo scrivere.
Clarice legge:
– rifiuti e desideri –
________________

Brendon Reis
Quarto de despejo (2018)
...

Certidão de óbito


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Certidão de óbito
Certificato di morte


Os ossos de nossos antepassados
colhem as nossas perenes lágrimas
pelos mortos de hoje.

Os olhos de nossos antepassados,
negras estrelas tingidas de sangue,
elevam-se das profundezas do tempo
cuidando de nossa dolorida memória.

A terra está coberta de valas
e a qualquer descuido da vida
a morte é certa.
A bala não erra o alvo, no escuro
um corpo negro bambeia e dança.
A certidão de óbito, os antigos sabem,
veio lavrada desde os negreiros.
Le ossa dei nostri antenati
raccolgono le nostre perenni lacrime
per i morti di oggi.

Gli occhi dei nostri antenati,
stelle nere tinte di sangue,
si sollevano dalle profondità del tempo
soccorrendo la nostra dolorosa memoria.

La terra è coperta di fosse
e a qualunque distrazione della vita
la morte è certa.
La pallottola non manca il bersaglio, al buio
un corpo nero vacilla e danza.
Il certificato di morte, gli antichi lo sanno,
fu istituito ai tempi dei negrieri.
________________

Johann Moritz Rugendas
Navio negreiro (1830)
...

Carolina na hora da estrela


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Carolina na hora da estrela
Carolina nell’ora della stella


No meio da noite
Carolina corta a hora da estrela.
Nos laços de sua família um nó
- a fome.
José Carlos masca chicletes.
No aniversário, Vera Eunice desiste
do par de sapatos,
quer um par de óculos escuros.
João José na via-crúcis do corpo,
um sopro de vida no instante-quase
a extinguir seus jovens dias.
E lá se vai Carolina
com os olhos fundos,
macabeando todas as dores do mundo...
Na hora da estrela, Clarice nem sabe
que uma mulher cata letras e escreve
“De dia tenho sono e de noite poesia”.
Nel cuore della notte
Carolina incrocia l’ora della stella.
A legare la sua famiglia un nodo
- la fame.
José Carlos mastica chewing gum.
Per il compleanno, Vera Eunice rinuncia
a un paio di scarpe,
vuole un paio di occhiali da sole.
João José lungo la via crucis del corpo,
un soffio di vita nell’istante-preludio
all’estinzione dei suoi giovani giorni.
Ed è là che va Carolina
con i suoi occhi profondi,
come Macabea, gravata da tutte le pene del mondo...
Nell’ora della stella, Clarice non sa
che una donna raccoglie parole e scrive
“Di giorno ho sonno e di notte poesia”
________________

João Pinheiro
Carolina Maria de Jesus (2016)
...

A menina e a pipa-borboleta


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A menina e a pipa-borboleta
La bimba e l’aquilone-farfalla


A menina e a pipa
ganha a bola da vez
e quando a sua íntima
pele, macia seda, brincava
no céu descoberto da rua
um barbante áspero,
másculo cerol, cruel
rompeu a tênue linha
da pipa-borboleta da menina.

E quando o papel, seda esgarçada 
da menina estilhaçou-se
entre as pedras da calçada
a menina rolou
entre a dor e o abandono.

E depois, sempre dilacerada,
a menina expulsou de si
uma boneca ensangüentada
que afundou num banheiro
público qualquer.
La bimba con l’aquilone
talvolta vince la palla
e mentre la sua intima
pelle, morbida seta, giocava
all’aria aperta della via
un filo tagliente, come
un virile e crudele rasoio
recise il sottile filo
dell’aquilone-farfalla della bimba.

E mentre la carta velina squarciata 
della bimba si lacerava
tra le pietre del marciapiede
la bimba ruzzolò
tra il dolore e l’abbandono.

E poi, sempre straziata,
la bimba espulse da sé
una bambola insanguinata
che affogò in un bagno
pubblico qualunque.
________________

Bertina Lopes
Maternità (1971)
...

A Empregada e o Poeta


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A Empregada e o Poeta
La Cameriera e il Poeta


Na suspeição de que a empregada envenenaria o poeta
anteciparam as dores dos livros.
Folhas mortas despencariam dos troncos,
lombadas folheadas em ouro,
tesouro do poeta,
que a mesma serviçal
eficiente e justa cuidava em sua obra.

A empregada envenenaria o poeta,
um mofo podre avolumaria
De cada letra morta.
E a biblioteca manuseada
pela mente assassina
esperaria uma nova edição
de um debochado cordel,
que cantaria a história do poeta
e do bife envenenado,
trazendo o verso final:
“ o peixe morre é pela boca.”

Todos suspeitariam,
condolências antecipadas
surgiriam em prosa e verso.
Entretanto suspeição alguma
ouviu e leu a história da empregada.
Ela jamais assassinaria o poeta.

Quando o bife passou
quase amargo e cru,
foi porque o tempo logrou
as tarefas de Raimunda.
O não e o mal feito da empregada
eram gastos às escondidas em leituras
do tesouro que não lhe pertencia.
No entanto ela sabia, mesmo antes do poeta,
que rima era só rima.
E em meio às lacrimejantes cebolas
misturadas às dores apimentadas
nos olhos do mundo,
Raimunda entre vassouras, rodos,
panelas e pó desinventava de si
as dores inventadas pelo poeta.
Sospettando che la cameriera avvelenasse il poeta
si anticiparono i dolori dei libri.
Libri come foglie morte staccate dai rami,
coste decorate in foglia d’oro,
tesoro del poeta,
di cui quella stessa servetta
efficiente e onesta s’occupava nel suo lavoro.

La cameriera avrebbe avvelenato il poeta,
una putrida muffa si sarebbe sviluppata
in ciascuna delle lettere morte.
E la biblioteca manipolata
dalla mente assassina
dovrà attendere una nuova edizione
d'un depravato cordel,
che canterà la storia del poeta
e della bistecca avvelenata,
avendo come verso finale:
“il pesce muore dalla bocca.”

Tutti sospetterebbero,
condoglianze anticipate
sboccerebbero in versi e in prosa.
Invece nessun sospetto
udì e lesse nella sua storia la cameriera.
Ella non avrebbe mai assassinato il poeta.

Se la bistecca risultò
piuttosto amara e cruda,
fu perché troppo tempo dedicò
ai suoi lavori Raimunda.
Il non fatto e il mal fatto della cameriera
erano il frutto delle letture fatte di soppiatto
di quel tesoro che non le apparteneva.
Però ella sapeva, ancor meglio del poeta,
che rima è solo rima.
E in mezzo alle lacrimevoli cipolle
mischiate ai dolori infusi
negli occhi del mondo,
Raimunda fra scope, spatole,
padelle e polvere disinventava da sé
i dolori inventati dal poeta.
________________

Armando Vianna
Lucidando l'argenteria (1923)
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Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Adão Ventura (41) Adélia Prado (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (40) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antonio Brasileiro (41) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Antônio Cícero (40) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (113) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (40) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (30) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) Jorge Sousa Braga (40) Jorge de Sena (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Régio (27) José Saramago (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Luis Filipe Castro Mendes (40) Lêdo Ivo (33) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (33) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Mário Cesariny (34) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (482) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poemas dos dias (28) Pássaro de vidro (52) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)