O excesso mais perfeito


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O excesso mais perfeito
L’eccesso più perfetto


Queria um poema de respiração tensa
e sem pudor.
Com a elegância redonda das mulheres barrocas
e o avesso todo do arbusto esguio.
Um poema que Rubens invejasse, ao ver,
lá do fundo de três séculos,
o seu corpo magnífico deitado sobre um divã,
e reclinados os braços nus,
só com pulseiras tão (mas tão) preciosas,
e um anjinho de cima,
no seu pequeno nicho feito nuvem,
a resguardá-lo, doce.
Um tal poema queria.

Muito mais tudo que as gregas dignidades
de equilíbrio.
Um poema feito de excessos e dourados,
e todavia muito belo na sua pujança obscura
e mística.
Ah, como eu queria um poema diferente
da pureza do granito, e da pureza do branco,
e da transparência das coisas transparentes.
Um poema exultando na angústia,
um largo rododendro cor de sangue.
Uma alameda inteira de rododendros por onde o vento,
ao passar, parasse deslumbrado
e em desvelo. E ali ficasse, aprisionado ao cântico
das suas pulseiras tão (mas tão)
preciosas.

Nu, de redondas formas, um tal poema queria.
Uma contra-reforma do silêncio.

Música, música, música a preencher-lhe o corpo
e o cabelo entrançado de flores e de serpentes,
e uma fonte de espanto polifónico
a escorrer-lhe dos dedos.
Reclinado em divã forrado de veludo,
a sua nudez redonda e plena
faria grifos e sereias empalidecer.
E aos pobres templos, de linhas tão contidas e tão puras,
tremer de medo só da fulguração
do seu olhar. Dourado.

Música, música, música e a explosão da cor.
Espreitando lá do fundo de três séculos,
um Murillo calado, ao ver que simples eram os seus
anjos
junto dos anjos nus deste poema,
cantando em conjunção com outros
astros louros
salmodias de amor e de perfeito excesso.

Gôngora empalidece, como os grifos,
agora que o contempla.
Esta contra-reforma do silêncio.
A sua mão erguida rumo ao céu, carregada
de nada —
Vorrei una poesia dalla respirazione ansiosa
e spudorata.
Con la rotonda eleganza delle donne barocche
e tutto l’opposto del sottile arbusto.
Una poesia che, al vederla, Rubens invidiasse,
laggiù dal fondo di tre secoli,
il suo corpo magnifico reclinato su un sofà,
e le nude braccia abbandonate,
solo con bracciali molto (ma molto) preziosi,
e un angioletto lassù,
nella sua piccola nicchia simile a una nuvola,
a ripararlo, dolcemente.
Una poesia così vorrei.

Qualcosa molto al di là dell’ideale greco
di equilibrio.
Una poesia fatta di eccessi e d’oro,
eppure molto bella nella sua oscura
e mistica possanza.
Ah, come vorrei una poesia che differisse
dalla purezza del granito e dalla purezza del bianco,
e dalla trasparenza delle cose trasparenti.
Una poesia che nell’angoscia esultasse,
un grande rododendro color sangue.
Un viale tutto di rododendri lungo il quale il vento,
nel passare, s’arrestasse rapito
e trepidante. E lì restasse, ammaliato dal cantico
dei suoi bracciali molto (ma molto)
preziosi.

Nuda, dalle forme arrotondate, così io vorrei una poesia.
Una controriforma del silenzio.

Musica, musica, musica che ne pervada il corpo
e fiori e serpenti intrecciati ai capelli,
e una fonte di stupore polifonico
che tra le dita le scorra.
Reclinata sul sofà rivestito di velluto,
la sua nudità rotonda e piena
grifoni e sirene farebbe impallidire.
E i miseri templi, dalle linee tanto sobrie e pure,
tremerebbero di paura solo al balenare
del suo sguardo. Aureo.

Musica, musica, musica e l’esplosione del colore.
Scrutando laggiù dal fondo di tre secoli,
un Murillo, ammutolito, al vedere com’erano umili i suoi angeli
accanto agli angeli nudi di questa poesia,
che cantano in armonia con altri
biondi astri
salmi d’amore e di perfetto eccesso.

Góngora, come i grifoni, sbianca
nel contemplare ora la mia poesia.
Questa controriforma del silenzio.
La sua mano protesa verso il cielo, ricolma
di niente —
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Pieter Paul Rubens
Venere allo specchio (1614-1615)
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