O sonho da argila


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Thiago de Mello »»
 
Narciso Cego (1952) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


O sonho da argila
Il sogno dell’argilla


O vocábulo puro, em que me amparo,
esquiva-se a meu jugo; e raro canto.
Que a palavra da boca é sempre inútil
se o sopro não lhe vem do coração.

Mudo, contemplo os valerosos feitos
de quem funda caminhos sobre os mares
e edifica cidades e ergue torres
de cujo topo logre dominar
o mundo inteiro — e ver que o mundo é pouco.

Antes os que, cegos, trabalham a terra,
sorvendo-lhe os tesouros mais esconsos,
sem assombro, no convívio dos bois,
com eles aprendendo ser humildes,
e dormem, vinda a noite, sossegados,
— permaneço calado, e todavia
algo em mim lhes inveja esse dormir.

Não me pranteio por saber-me turvo
ou por não me caber a paz dos brutos.
Sei que morro amanhã, mas não me louvo
a sóbria face que disfarça o medo.

Move-me ao canto ver que a sombra cresce
dentro de mim, enquanto um sol avaro
esplende oculto — em céus só vislumbrados
quando a argila, grotesca e ousada, sonha.
E ver o inútil dessa argila em sonho,
mais que mover-me ao canto, me comove.

Il vocabolo puro a cui m’aggrappo
sfugge al mio potere; e lo canto di rado.
Ché è sempre inutile la parola della bocca
se l’afflato non le proviene dal cuore.

Muto, contemplo le valorose gesta
di chi apre nuove vie sopra i mari,
ed edifica città e innalza torri
dalla cui cima riesca a dominare
il mondo intero, per avvedersi ch’è poca cosa.

Dinanzi a quelli che, ciechi, lavorano la terra,
carpendole i tesori più reconditi,
senza ansia, in compagnia dei buoi,
imparando da loro ad esser umili,
e, scesa la notte, sereni s’addormentano,
— io resto in silenzio, e tuttavia
qualcosa in me invidia il loro sonno.

Non mi compiango per sapermi inquieto
o per non accettare la pace dei bruti.
So che domani morirò, ma non elogio
il mio volto che dissimula la paura.

M’induce al canto vedere che l’ombra cresce
dentro di me, mentre un sole avaro
splende occulto — in cieli visti di sfuggita
mentre l’argilla, assurda e audace, sogna.
E vedere l’inanità di quest’argilla sognante
più che indurmi al canto, mi commuove.

________________

Nancy Lorenz
Sunlight (2019)
...

Nessun commento:

Posta un commento

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (433) Pássaro de vidro (52) Poemas dos dias (23) Poemas Sociais (30) Reinaldo Ferreira (11) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)