Europa - V


Nome :
 
Collezione :
 
Altra traduzione :
Adolfo Casais Monteiro »»
 
Europa (1946) »»
 
Francese »»
«« precedente /  Sommario / successivo »»
________________


Europa - V
Europa - V


A música era linda...
vinha do rádio, meiga, mansa,
macia como um corpo quente de mulher...
era doce, cariciosa e lânguida...

Mas eu tinha ainda nos ouvidos,
como um clamor de milhões de bocas:
“No campo de concentração hoje ocupado pelas
 nossas tropas
os alemães queimaram milhares de vivos num forno
 crematório...
Nas cubatas, os mortos misturavam-se com
 os moribundos...
O sargento S.S. não pôde recordar quantos homens
 tinha morto...
Os mortos apodrecem aos montes, e os vivos
arrancam-lhes as roupas
para as fogueiras em que ao lado se aquecem...
EM MUITOS CADÁVERES ENCONTROU-SE UM CORTE
 LONGITUDINAL:
ERAM OS VIVOS QUE TINHAM TIRADO AOS MORTOS
 O FÍGADO
E OS RINS PARA COMER,
A ÚNICA CARNE QUE AINDA RESTAVA
 NOS CADÁVARES...”

E lembro-me de repente dum filme muito antigo
Em que o criminoso perguntava:
“De quoi est fait un homme, monsieur le commissaire?”
e nos seus olhos lia-se o pavor
de quem vi um abismo e não lhe sabe o fundo...
De quoi est fait un homme? De que são feitos os homens
que queimaram vivos outros homens? Que tinham
 centos de crianças
a morrer de fome e pavor, escravos como os pais?
que matavam ou deixavam morrer homens aos milhões,
que os faziam descer ao mais fundo
 da degradação,
torturados, esfomeados, feitos chaga e esqueleto?
Eram esses mesmos homens
que faziam pouco da liberdade,
que vinham salvar o mundo da desordem,
que vinham ensinar a ORDEM ao planeta!
Sim, que traziam a paz com as grades das prisões,
a ordem com as câmara de tortura...

E depois a música vem, cariciosa e lenta,
a julgar que apaga a ignomínia que lançaram sobre
 a terra!
A julgar que esqueceremos a abjecção dos
 que sonharam
apagar da terra a insubmissão do homem livre!
Não - nem cárceres, nem deportações, nem represálias,
 nem torturas
acabarão jamais com a insubmissão do homem livre,
do homem livre nas cadeias, cantando nas torturas,
porque vê diante de si os irmãos que estão lutando,
que hão-se-cair, para outros sempre se erguerem,
clamando em vozes sempre novas
QUE O HOMEM NÃO SE HÁ-DE SUBMETER À VIOLÊNCIA!
Homens sem partido e de todos os partidos,
que nasceram com a revolta porque não lhes vale de
nada viver para serem escravos,
homens sem partido e de todos os partidos —,
 menos todos quantos
só sabem dizer ORDEM! e clamar VIOLÊNCIA!
os que pedem sangue porque são sanguinários, sim,
mas também todos os que nunca souberam querer nada,
os que dizem “Não é possível que se torturem
 os presos políticos”,
os que não podem acreditar
porque não querem ser incomodados pela pestilência
dos crimes cometidos para eles
— para eles continuarem a acreditar que a ORDEM
 não é apenas a mordaça
sobre as bocas livres que hão-de gritar até ao fim do mundo
QUE SÓ O HOMEM LIVRE É DIGNO DE SER HOMEM!

La musica era bella...
veniva dalla radio, soave, calma,
morbida come un corpo caldo di donna...
era dolce, carezzevole e languida...

Ma io sentivo ancora nelle orecchie,
come un clamore di milioni di bocche:
“Nel campo di concentramento oggi occupato dalle
 nostre truppe
i tedeschi hanno bruciato migliaia di vivi in un forno
 crematorio...
Nelle baracche, i morti si confondevano con
 i moribondi...
Il sergente S.S. non è riuscito a ricordare quanti uomini
 fossero morti...
I morti si decompongono a mucchi, e i vivi
strappano loro i vestiti
per i falò intorno ai quali si scaldano...
SU MOLTI CADAVERI ERA PRESENTE UN TAGLIO
 LONGITUDINALE:
ERANO I VIVI CHE AVEVANO TOLTO AI MORTI
 IL FEGATO
E I RENI PER MANGIARLI,
L’UNICA CARNE CHE ANCORA RESTAVA
 NEI CADAVERI...”

E d’un tratto mi torna in mente un vecchio film
in cui il criminale domandava:
“De quoi est fait un homme, monsieur le commissaire?”
e nei suoi occhi si leggeva il terrore
di chi ha visto un abisso e non ne conosce il fondo...
De quoi est fait un homme? Di che son fatti gli uomini
che hanno bruciato vivi altri uomini? Che tenevano
 centinaia di bambini
a morir di fame e spavento, schiavi come i genitori?
che uccidevano o lasciavano morire uomini a milioni,
che facevano toccar loro le più estreme profondità
 della degradazione,
torturati, affamati, ridotti a piaghe e scheletro?
Erano quegli stessi uomini
cui serviva poco la libertà,
che venivano a salvare il mondo dal disordine,
che venivano a insegnare l’ORDINE al pianeta!
Sì, che portavano la pace con le grate delle prigioni,
l’ordine con le camere di tortura...

E poi arriva quella musica, carezzevole e lenta,
con la pretesa di cancellare l’ignominia che è stata seminata
 sulla terra!
Con la pretesa di farci scordare l’abiezione di quelli
 che han sognato
di cancellare dalla terra l’insubordinazione dell’uomo libero!
No — né carceri, né deportazioni, né rappresaglie,
 né torture
metteranno mai fine all’insubordinazione dell’uomo libero,
dell’uomo libero in galera, che canta sotto tortura,
perché davanti a sé vede i fratelli che stanno lottando,
che cadranno, perché altri sempre si sollevino,
gridando con voci sempre nuove
CHE L’UOMO NON DEVE SOTTOSTARE ALLA VIOLENZA!
Uomini senza partito e di tutti i partiti,
che con la rivolta sono nati perché a nulla gli serve
vivere per essere schiavi,
uomini senza partito e di tutti i partiti —,
 esclusi tutti quelli che
sanno dire soltanto ORDINE! e reclamare VIOLENZA!
quelli che chiedono sangue perché sono sanguinari, sì,
ma anche quelli che non hanno mai saputo ambire a nulla,
quelli che dicono “Non è possibile che si torturino
 i prigionieri politici”,
quelli che non possono credere
perché non vogliono essere disturbati dal fetore
dei crimini da loro commessi
— per poter continuare a credere che l’ORDINE
 non è solo la museruola
sopra le bocche libere che grideranno fino alla fine del mondo
CHE SOLO L’UOMO LIBERO È DEGNO D’ESSERE UOMO!

________________

Félix Nussbaum
Il Trionfo della morte (1944)
...

Nessun commento:

Posta un commento

Nuvola degli autori (e alcune opere)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant’Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (39) Ana Elisa Ribeiro (19) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (44) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (40) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (429) Pássaro de vidro (52) Poemas dos dias (21) Poemas Sociais (30) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)